Número de pedidos de demissão bate recorde nos EUA

Movimento é impulsionado por baixos salários e novas perspectivas pós-pandemia

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Sydney Ember
Nova York | The New York Times

Em algum momento no início deste ano, Justin Hoffman concluiu que estava sendo mal pago.

Como diretor de marketing de um consultório de ortopedistas em Findlay, em Ohio, Hoffman ganhava US$ 42 mil por ano (cerca de R$ 210 mil) —aproximadamente US$ 13 mil a menos, segundo sua conta, do que ganhavam pessoas em empregos parecidos em outros lugares.

Mas quando ele pediu um aumento, em março, lhe deram só um pequeno reajuste.

"Foi como aquela história da palha que quebrou as costas do camelo", disse ele.

Então, depois de pensar cuidadosamente, Hoffman, 28, fez o que desejava havia muito tempo: demitiu-se. Seu último dia foi 4 de junho.

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Justin Hoffman, diretor de marketing em um consultório de ortopedistas. Ele diz que sairia do seu trabalho eventualmente, mas a pandemia antecipou a sua decisão - Maddie McGarvey - 16.jun.2021/The New York Times

Hoffman é um dos milhões de trabalhadores dos Estados Unidos que deixaram voluntariamente os empregos recentemente, um dos elementos mais surpreendentes desse novo mercado de trabalho quente como brasa. Segundo o Departamento do Trabalho (ministério), quase 4 milhões de pessoas deixaram os empregos em abril, o maior número já registrado, elevando o índice para 2,7% dos empregados.

O índice foi especialmente alto no setor de lazer e hospitalidade, onde a concorrência por trabalhadores é acirrada. Mas o grande número de demissionários foi registrado em todos os setores.

Os economistas acreditam que um motivo pelo qual mais trabalhadores estão deixando o emprego é simplesmente um efeito retardado: segundo algumas estimativas, mais de 5 milhões de pessoas a menos se demitiram no ano passado do que seria esperado, pois alguns trabalhadores, navegando as convulsões do mercado de trabalho, mantiveram empregos que pretendiam abandonar, de qualquer modo. (E os milhões de demissões involuntárias durante a pandemia certamente responderam por parte da redução dos abandonos de empregos.)

Agora que a economia retoma o pé, os trabalhadores podem repentinamente se sentir mais animados a seguir seus impulsos.

Mas outro fator pode ser a velocidade com que a economia redespertou. Conforme a pandemia recuava e a grande reabertura varria os Estados Unidos, as empresas que haviam hibernado ou reduzido a força de trabalho durante a pandemia correram para contratar funcionários para enfrentar a demanda crescente.

Ao mesmo tempo, muitas pessoas continuam relutantes em voltar ao trabalho por temores do vírus, para cuidar de filhos ou de idosos, pelos benefícios a desempregados ainda generosos, salários baixos ou outros motivos.

O resultado foi uma explosão de vagas, apesar de um índice de desemprego relativamente alto, enquanto as empresas se esforçam para recrutar e manter empregados —dinâmica que deu um poder maior aos trabalhadores. Com os patrões oferecendo salários mais altos para atrair candidatos, muitos trabalhadores —especialmente com baixos salários em restaurantes e hotéis— estão deixando os empregos e saltando para outros, mesmo que paguem um pouco mais.

"Há muita rotatividade nos cargos com baixos salários, nos quais as pessoas não têm realmente uma progressão de carreira", disse Julia Pollak, economista do trabalho na ZipRecruiter. "Se você encontrar um emprego que ofereça um pouco mais, não custa nada mudar."

Mais de 740 mil trabalhadores americanos deixaram os empregos em lazer e hospitalidade em abril, segundo o Departamento do Trabalho, num índice de 5,3%. A vasta maioria estava em serviços de hospedagem e alimentação.

A pandemia levou os trabalhadores a se demitirem por outros motivos também. Com menos oportunidades de gastar, alguns conseguiram economizar e pagar suas dívidas, dando-lhes um amortecedor para deixar empregos em que não estavam satisfeitos. Outros trabalhadores, que não quiseram abandonar o home office, estão abandonando empregos que não lhes permitem mais tanta flexibilidade.

Para Hoffman, a decisão de deixar o emprego foi o ápice de meses de percepções de injustiça, que segundo ele pôde avaliar mais claramente por causa da pandemia.

Enquanto os casos de coronavírus inchavam no outono, ele pediu para trabalhar em casa por causa do risco que representaria para sua irmã, que tem o sistema imunológico comprometido. Seu pedido foi negado, disse ele, cristalizando a sensação de que não era respeitado ou valorizado.

No último ano, com a pandemia limitando suas interações sociais, ele começou a se comunicar pelo Twitter com outras pessoas na área de marketing. Foi como concluiu que estava sendo pago muito abaixo da média.

Hoffman, que hoje procura um emprego, disse que provavelmente acabaria deixando o anterior. Mas a pandemia apressou sua decisão, disse.

"Acho que se a pandemia não tivesse surgido as coisas não teriam acontecido desse jeito", disse ele. "Eu não apenas mudei minha perspectiva sobre minha remuneração, como acho que minha compreensão da relação entre patrões e empregados mudou muito."

Em um nível mais filosófico, a ameaça constante da doença, mais tempo com parentes, tempo de lazer que deu lugar a novas paixões —tudo pode ter levado alguns trabalhadores a reavaliar como querem passar seu tempo. Esgotadas, algumas pessoas deixaram o emprego para ter experiências únicas na vida, como viajar pelo mundo. Outras viram uma oportunidade para mudar de profissão e reforçar sua confiança.

"A pandemia, para muitas pessoas, foi realmente estressante e causou grande incerteza, por isso eu acho que muita gente refletiu sobre suas vidas", disse Anthony Klotz, professor associado de administração na Universidade A&M do Texas, que estuda demissões voluntárias de empregados.

Klotz disse que as pessoas estavam acostumadas a ver o trabalho como o centro de suas vidas e identidades —realidade que pode ter mudado durante a pandemia.

"Em geral, queremos uma vida de satisfação e que tenha um objetivo", disse ele. "E eu acho que muitas pessoas descobriram que satisfação e objetivo podem estar fora do trabalho."

Esse foi o caso de Matt Gisin, 24, que deu o aviso prévio do emprego de designer gráfico em uma empresa de saúde e bem-estar neste mês. Durante a pandemia, ele pôde trabalhar em casa, e sem os trajetos teve mais tempo para hobbies como CrossFit e videogame em streaming.

"Eu me adaptei muito a todo esse tempo e essa liberdade", disse ele.

Mas lentamente sua empresa começou a exigir que os empregados voltassem ao escritório —primeiro durante dois dias por semana, depois três, depois quatro. Com tanta gente indo para o trabalho de carro, seu trajeto de casa em Mamaroneck, Nova York, até o meio de Long Island chegou a duas horas por dia, deixando-o sem tempo para seus hobbies.

"Eu não estava mais feliz", explicou. "Estava encontrando a felicidade em muitas atividades externas, por isso dei esse salto para sair."

Agora ele espera encontrar um trabalho na indústria de videogames.

Os economistas preveem que o alto número de demissões voluntárias continue durante algum tempo, conforme a pandemia recua e a economia se reequilibra.

"Eu ficaria surpreso se isso acabasse antes do fim do verão", disse Andrew Chamberlain, economista-chefe do site de empregos Glassdoor. Mas ele também disse que há uma "data de validade": o alto número de trabalhadores deixando o emprego contribuirá para uma escassez de mão de obra, eventualmente forçando as empresas a aumentar os salários e oferecer outros incentivos, o que ajudará a atrair trabalhadores de volta e restabelecer o equilíbrio econômico.

Enquanto isso, disse ele, os trabalhadores —especialmente os que ganham pouco— continuarão adquirindo vantagem sobre os patrões.

"Quanto mais essa escassez persistir, maior o poder de barganha dos trabalhadores pouco qualificados", disse ele. "Há certa evidência de que os patrões estão se mexendo em resposta, e isso é incomum."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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