Ajuda trilionária do governo Biden e vacinas turbinam retomada dos EUA

Modelo de crescimento movido a consumo com apoio estatal é incomum na história recente do país

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Washington

Um ano e cinco meses após o registro do primeiro caso de Covid-19 no país, os Estados Unidos vivem uma rápida e surpreendente recuperação econômica, ancorados em um modelo diferente de tudo o que já aconteceu na história recente americana.

Os pacotes de socorro econômico, com trilhões de dólares patrocinados pelo governo federal, e a campanha bem-sucedida de vacinação impediram danos macroeconômicos mais graves e prepararam o terreno para uma retomada impulsionada pelo consumo.

A velocidade dessa melhora, no entanto, também acelerou turbulências que costumam aparecer somente no fim dos ciclos de recuperação, como a falta de suprimentos e de mão de obra e o aumento da inflação, fatores que já ecoam na maior potência do mundo.

Enfermeira vacina Biden em dezembro de 2020, no hospital ChristianaCare - Leah Millis - 21.dez.2020/Reuters/File Photo

Em outras crises, como a Grande Recessão (2008-2009), a baixa demanda fazia com que os postos de trabalho perdidos não voltassem rapidamente, e a taxa de desemprego seguia alta por um longo período de tempo. A reação à pandemia, porém, mudou essa e outras tantas lógicas.

No fim de maio, o governo dos EUA anunciou crescimento de 6,4% do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre de 2021, em dados anualizados. No trimestre anterior, a alta havia sido de 4,3%, índice que tem sido acompanhado pela queda do desemprego —que chegou a 14,8% em abril de 2020 e agora está em 5,8%.

Responsáveis por cerca de 70% do PIB americano, os gastos com consumo subiram 11,3% no primeiro trimestre de 2021, com destaque para as vendas de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos. Aumentaram também os gastos com restaurantes e viagens, conforme a reabertura do país foi colocada em marcha sob o avanço da vacinação.

Desde dezembro do ano passado, os EUA já imunizaram com ao menos uma dose 53% da população, e o presidente Joe Biden previu o novo normal para os americanos a partir de 4 de julho.

Em nota, o Departamento de Comércio disse que a escalada do PIB reflete "a continuação da recuperação econômica, a reabertura dos estabelecimentos e a resposta contínua do governo relacionada à pandemia".

O texto se refere à rápida reação do Congresso americano diante da crise.

No total, os parlamentares aprovaram cerca de US$ 5,1 trilhões em ajuda a famílias e empresas, com estímulos fiscais, rodadas de pagamento direto aos americanos e o complemento de US$ 300 por semana ao auxílio desemprego oferecido pelos estados.

A ofensiva econômica —atrelada à política monetária do Fed, o banco central dos EUA, que tem mantido os juros básicos próximos de zero— foi ampliada e otimizada por Biden, que tomou posse em 20 de janeiro e fez subir os índices de confiança internacional no país na era pós-Trump.

Mas, se por um lado a ajuda financeira do governo impulsionou o consumo de famílias de classe alta e média, também contribuiu para atrasar a volta dos mais pobres ao mercado de trabalho.

Isso porque muitos dos vulneráveis alegam que o auxílio desemprego que recebem hoje é maior do que o salário que tinham antes da pandemia —42% dos beneficiários, por exemplo, fazem essa diferenciação de renda, segundo levantamento da Universidade de Chicago.

As vagas abundantes têm demorado mais que o esperado para serem preenchidas, e estacionaram a queda do desemprego na casa dos 6% desde janeiro. A taxa estava em 3,5% antes da pandemia.

Especialistas avaliam que a atividade econômica geral nos EUA deve retornar aos níveis pré-crise já no meio deste ano, com a rota crescente do PIB e o consumo alto, que devem persistir nos próximos meses. Mas a situação do emprego, alertam, deve levar até o fim de 2022 para se normalizar.

Analista econômico da Universidade de Michigan, Daniil Manaekov concorda que os benefícios acumulados pelas empresas e cidadãos nos últimos meses são o grande "poder de fogo" para a retomada econômica, mas aponta diversos riscos que podem abalar o ritmo sustentado desse crescimento, inclusive a dificuldade de o resto do mundo acompanhar o passo americano.

"Esperamos um crescimento [do PIB] de cerca de 6% neste ano e de 4% no próximo ano. Ainda são números muito bons, mas, não vou mentir, há riscos: muitas pessoas querem tirar o atraso de todas as experiências que não tiveram no último ano, mas há um nível de medo, de gente que ainda não se sente confiante para voltar totalmente às atividades", diz o professor.

"A menos que o resto do mundo consiga recuperar o atraso, será difícil sustentar um ritmo muito acelerado de recuperação nos EUA. Em algum ponto, a falta de demanda dos outros países pode nos custar em termos domésticos.”

Além dos efeitos do auxílio desemprego, mulheres também têm demorado mais para voltar ao trabalho porque ainda não têm com quem deixar os filhos, e outra parcela da população fica em casa sob esgotamento mental diante da crise.

O valor extra do auxílio desemprego expira em setembro, junto com o retorno das escolas, quando especialistas esperam melhora nos índices de preenchimento de vagas.

No meio do ano passado, a expectativa dos economistas era que a recuperação americana levasse anos. Agora, já há quem diga que, no fim de 2021, o país terá entrado em um caminho que era esperado caso a pandemia nunca tivesse existido.

Mas as projeções otimistas exigem cautela. Apesar das políticas econômicas e do espaço para o aumento do consumo, a escassez de bens fez a inflação disparar nos EUA e deve fazer com que o Fed suba a taxa de juros para controlar a situação, o que pode desacelerar alguns setores.

Os preços ao consumidor, que medem a inflação, subiram em 5% no mês passado, ante maio de 2020, a alta mais forte desde 2008. Na quarta-feira (16), integrantes do Fed anunciaram que o banco deve fazer dois aumentos nas taxas de juros até o final de 2023, antes do previsto.

O cenário nos EUA pode impactar o Brasil de maneira positiva, à medida que o mercado americano está aquecido e compra muitos produtos brasileiros, mas também negativa, com a mudança na política do Fed, caso a economia brasileira não esteja bem preparada.

"Normalmente isso [aumento de juros nos EUA] desencadeia ou deprime o fluxo de financiamento internacional no mercado em desenvolvimento, de modo que pode haver alguma pressão sobre a moeda brasileira. Isso depende de como a economia brasileira vai estar depois da pandemia. Não estou dizendo que vai haver algum tipo de crise cambial no Brasil, mas pode haver em algum lugar da América do Sul, que foi muito atingida pela pandemia", conclui Manaenkov.

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