Banco mais velho do mundo pode estar com os dias contatos

Depois de seu mau desempenho em um teste de desgaste, o Monte dei Paschi di Siena, fundado em 1472, pode ser abocanhado pelo UniCredit.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gaia Pianigiani Jack Ewing
Siena (Itália) | The New York Times

No mês passado, o Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais velho do mundo, adquiriu uma nova distinção: foi considerado a instituição de empréstimos mais fraca da Europa.

O banco se saiu pior do que todos os demais participantes em um teste de sua saúde financeira conduzido pelas autoridades regulatórias europeias, o que representa o mais recente capítulo sombrio em uma saga já duradoura de negócios malsucedidos, travessuras financeiras, delitos criminais e até mesmo uma morte misteriosa.

O teste de desgaste imposto pelas autoridades, que demonstrou que uma recessão severa poderia acabar com o capital do banco, forçou o governo italiano a encarar uma verdade desagradável: os cinco séculos e meio de operação do Monte dei Paschi terão de chegar ao fim. Estimulado por Roma, o UniCredit, um dos maiores bancos italianos, anunciou este mês que estava negociando a tomada de controle do Monte dei Paschi, sob a condição de que o governo assuma a responsabilidade por todos os maus empréstimos da instituição.

-
Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo - Susan Wright - 12.ago.2021/The New York Times

O Monte dei Paschi, fundado em 1472, provavelmente sobreviverá como uma marca nas agências do banco no centro da Itália, e os clientes provavelmente não perceberão grande diferença, pelo menos no começo. Mas ele deixará de ser uma entidade independente e um lembrete vivo de que foram comerciantes italianos na era do Renascimento que inventaram os bancos modernos. As operações do banco serão gerenciadas da sede do UniCredit em Milão, e não da fortaleza que abrigava o comando do Monte dei Paschi, na cidade velha de Siena. O título de banco mais antigo em atividade provavelmente será transferido ao Berenberg Bank, fundado em 1590 em Hamburgo, Alemanha.

Os problemas do banco são uma distração desagradável para o primeiro-ministro italiano Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE), enquanto ele tenta promover reformas que tirem a Itália da condição de retardatário econômico permanente na zona do euro.

A venda do Monte dei Paschi, que na prática foi estatizado depois de uma operação de resgate do governo, “liberaria recursos, tempo e capital político para questões mais importantes”, disse Lorenzo Codogno, antigo economista chefe do Tesouro italiano e agora consultor independente. “Existe forte pressão política para encontrar uma solução o mais cedo possível”.

-
Maurizio Bianchini, ex-chefe de comunicações do Monte dei Paschi di Siena - Susan Wright - 12.ago.2021/The New York Times

Mas para Siena e área vizinha, os problemas do Monte dei Paschi são um golpe psicológico, e não só econômico. Poucos bancos estiveram tão emaranhados com a riqueza e a identidade de suas comunidades quanto o Monte dei Paschi em seu apogeu. A instituição continua a ser o maior empregador privado em Siena, e as fundações que o controlavam doavam os lucros do banco a diversas atividades cívicas, entre as quais jardins de infância, serviços de ambulância, e até para a confecção das fantasias usadas por clãs rivais nas procissões que precedem o Pálio de Siena, a corrida de cavalos pelas ruas da cidade que acontece duas vezes a cada verão na praça central da cidade.

“O Monte dei Paschi é parte da carne e sangue da cidade”, disse Maurizio Bianchini, um jornalista local, historiador do Pálio e antigo diretor de comunicações do banco. “Do ponto de vista humano, é como se o banco representasse um ramo de cada família de Siena”.

A sobrevivência do Monte dei Paschi estava em dúvida há diversos anos. Seus problemas começaram em 2008, depois que a casa pagou mais do que deveria pela aquisição de um rival e se tornou o terceiro maior banco italiano, atrás do Intesa Sanpaolo e UniCredit.

Em 2013, enquanto a polícia investigava acusações de que executivos do banco estavam escondendo prejuízos crescentes das autoridades e dos acionistas, David Rossi, o diretor de comunicações do Monte dei Paschi, foi encontrado morto em um beco abaixo da janela de seu escritório, aparentemente por suicídio. Membros da família de Rossi estavam convictos de que ele tinha sido assassinado por saber demais, mas a polícia jamais encontrou provas conclusivas de dolo.

Em 2019, mais de uma dúzia de executivos do Monte dei Paschi, Deutsche Bank e Nomura foram condenados pelo uso ilegal de derivativos complexos a fim de encobrir os problemas do banco italiano. Eles recorreram.

-
Siena, cidade da Itália - Susan Wright 12.ago.2021/The New York Times

Bancos que enfrentam problemas como os do Monte dei Paschi teriam, em sua maioria, sido vendidos muito tempo atrás, mas, para os moradores de Siena, a proposta de aquisição pelo UniCredit traz a sensação de que estão leiloando parte de sua identidade. A cidade também sofrerá consequências econômicas. A venda ao UniCredit deve provavelmente conduzir a ao corte de até cinco mil empregos., um terço da força de trabalho total do banco, de acordo com a imprensa italiana. O UniCredit se recusou a comentar sobre a possibilidade de demissões.

“A cidade está enfurecida”, disse um homem de 80 anos, que preferiu não revelar seu nome, enquanto papeava com amigos na escadaria de uma agência do Monte dei Paschi no centro de Siena. Entregar o controle ao UniCredit de Milão “seria como perder uma filha”.

Os testes de desgaste financeiro dos bancos cujos resultados foram anunciados pelo BCE expuseram o grau de vulnerabilidade que o Monte dei Paschi ainda tem, a despeito de numerosas injeções de capital e planos de recuperação. Em caso de uma recessão severa que dure até 2023, o capital do banco seria reduzido a quase zero, de acordo com o teste de desgaste. O banco precisaria de “bem mais de 2,5 bilhões de euros” (R$ 15,5 bilhões) em capital novo, disse Daniele Franco, ministro italiano da Economia, ao Legislativo do país, este mês.

O UniCredit revelou em 29 de julho que estava negociando a aquisição do Monte dei Paschi, com uma cláusula de exclusividade, um dia antes do anúncio do resultado do teste de desgaste. Andrea Orcel, presidente-executivo do UniCredit, disse a repórteres e analistas em 30 de julho que o banco precisava revisar rigorosamente as contas do Monte dei Paschi antes de tomar uma decisão sobre fechar ou não o negócio.

Mas ele disse que o Monte dei Paschi reforçaria os negócios do UniCredit na região central da Itália.

“É o momento certo”, disse Orcel.

No entanto, muita gente em Siena se recusa a aceitar que o meio milênio de independência do Monte dei Paschi pode estar chegando ao fim. A potencial venda ao UniCredit se tornou questão na cidade e nas eleições legislativas nacionais, que acontecem em outubro, e pode beneficiar a Liga, um partido populista de direita que já apoia Luigi de Mossi, o prefeito de Siena.

Mossi disse a jornalistas recentemente que o banco “não era um supermercado”, no qual o UniCredit pudessse escolher apenas os ativos que deseja e deixar o resto para que o governo resolva. O futuro do banco, ele declarou, “é uma questão política e social que preocupa não só a Siena e não só a Itália, mas a toda Europa”.

-
Enrico Letta, candidato ao Parlamento italiano e ex-primeiro ministro da Itália - Susan Wright - 11.ago.2021/The New York Times

Mas outros líderes afirmaram que é hora de Siena seguir em frente.

“O teste de desgaste do BCE é uma espécie de verificação final de que o banco já não tem a capacidade de se manter sozinho”, disse Enrico Letta, antigo primeiro-ministro da Itália, que, depois de uma passagem pela vida acadêmica, voltou à política e é candidato ao Legislativo pelas províncias de Siena e Arezzo.

Letta argumenta que, embora o banco continue a ser grande empregador, a cidade deveria investir em seu segundo ponto forte tradicional, o ramo da saúde. A companhia farmacêutica britânica GlaxoSmithKline tem um grande centro de pesquisa em Siena que desenvolve vacinas para doenças que afetam países pobres, como a febre tifoide.

“Siena queria ser uma capital das finanças”, disse Letta. “Mas Siena pode ser a capital das ciências da vida”.

Letta apelou pela criação de um distrito europeu de ciências da vida na cidade, e disse que parte do quinhão italiano nos fundos da União Europeia para recuperação pós-pandemia deveria ser usada para apoiar pesquisas coordenadas pela Toscana Life Sciences, uma organização sem fins lucrativos sediada em Siena que ajuda startups da área de saúde em seus passos iniciais. Um dos laboratórios de pesquisa da organização está desenvolvendo um tratamento avançado de anticorpos monoclonais para o coronavírus, que, se bem-sucedido, poderia ser mais barato que tratamentos semelhantes, e que poderia ser ministrado por médicos sem a hospitalização de pacientes.

“Temos de dar uma nova missão a Siena”, disse Letta.

Alguns moradores da cidade concordam. Como a Itália, o Monte dei Paschi mostrou que uma história ilustre não é garantia de sucesso no mundo moderno.

“O banco era a prosperidade de Siena”, disse Marco Bruttini, 70, designer gráfico aposentado, que estava sentado em um banco ao lado da sede do Monte dei Paschi, em uma manhã recente.

“Mas mesmo sem essa fusão”, disse Bruttini, “aquele passado acabou há muito tempo”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.