Descrição de chapéu The New York Times

Os trabalhadores remotos vão ficar para trás nos escritórios híbridos?

Vieses com relação a quem trabalha de casa podem agravar os problemas de igualdade nas empresas

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Sarah Kessler​
The New York Times

Quando os escritórios enfim reabrirem, as empresas planejam usá-los de maneira muito diferente do que faziam antes da pandemia, oferecendo aos trabalhadores a escolha de comparecer apenas alguns dias por semana, ou trabalhar de casa permanentemente.

Alguns empregadores estão ansiosos pelo retorno aos escritórios em período integral o mais rápido possível, mas outros não conseguem imaginar um retorno à maneira que as coisas eram. Oferecer mais flexibilidade às pessoas sobre seus locais de trabalho pode ajudar a atrair e reter talentos.

Cerca de 10 mil trabalhadores do Google recentemente se candidataram a trabalhar remotamente em tempo integral, ou pediram transferência para outros locais, e a companhia aprovou 85% dessas solicitações.

A plataforma de serviços imobiliários Zillow afirma que o número de mulheres que se candidatam a empregos na companhia cresceu desde que ela anunciou, um ano atrás, que a maioria de seus 5.900 empregados poderia trabalhar de casa permanentemente.

A companhia de software Slack, que também criou postos de trabalho remoto permanentes no ano passado, disse que entre seus contratados recentes o número de trabalhadores pertencentes a minorias era 50% mais alto entre as pessoas que planejavam trabalhar primordialmente de casa, ante as que optaram por trabalhar no escritório.

Mas ainda que os locais de trabalho híbridos reduzam algumas das barreiras mais tradicionais, a prática pode introduzir uma nova forma de desigualdade. Os vieses desfavoráveis aos trabalhadores remotos poderiam se tornar um novo obstáculo para o aumento da diversidade e da inclusão nos espaços de trabalho, dizem especialistas em gestão e executivos de grandes empresas.

“Os trabalhadores que estiverem presentes em pessoa podem ter mais visibilidade junto à liderança”, disse Sonja Gittens Ottley, diretora de diversidade e inclusão na Asana, uma companhia de software, que tem mais de mil empregados e autorizará que eles trabalhem de casa dois dias por semana quando os escritórios forem reabertos. “É bem possível que essas pessoas venham a ter mais oportunidades de orientação e de formação de relacionamentos profissionais”.

Ainda que a maioria das indicações de que os trabalhadores remotos poderiam enfrentar desvantagens sejam incidentais, pelo menos um estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Stanford, aponta para menor probabilidade de promoção para eles do que para seus colegas que trabalhem em escritórios.

Em um experimento, os pesquisadores designaram trabalhadores de uma grande agência de viagens em Xangai aleatoriamente para que trabalhassem no escritório ou remotamente, por nove meses. Embora os trabalhadores remotos tivessem mostrado 13% mais produtividade, dedicado mais horas ao trabalho e realizado mais telefonemas por minuto, a frequência de promoções para eles no período foi equivalente à metade da registrada pelos colegas que trabalhavam presencialmente.

“Esses trabalhadores podem terminar esquecidos”, disse Nicholas Bloom, professor de Economia em Stanford e um dos autores do estudo.

O resultado é perturbador em parte porque o desejo de trabalhar remotamente não é distribuído de maneira igual, disse Bloom. Ele e sua equipe de pesquisa conduziram levantamentos mensais sobre trabalho remoto desde maio do ano passado. Até março desde ano, entre as pessoas com educação universitária e pais de crianças pequenas, 50% mais mulheres do que homens disseram desejar trabalhar de casa em período integral.

Com o tempo, portanto, os vieses com relação aos trabalhadores remotos podem agravar os problemas de igualdade mais amplos nos locais de trabalho.

Bryan Hancock, sócio da consultoria McKinsey e líder da área de administração de talentos na empresa, disse que seus clientes “estão encarando a questão como parte de uma pauta de equidade mais ampla”. Os vieses são preocupação ainda maior “se acrescentarmos à questão os dados sobre quem tem maior probabilidade de escolher o trabalho remoto”, ele disse.

O site de empregos Indeed está considerando como monitorar seus dados sobre promoção e remuneração de forma a identificar sinais de que os trabalhadores remotos não estão recebendo tratamento igual, da mesma forma que examina outros dados como parte de seus esforços de inclusão e diversidade, disse Paul Wolfe, vice-presidente mundial de recursos humanos da empresa.

Além dos fatores demográficos “outro dos dados considerados será a situação do trabalhador —remoto, flexível ou presencial”, ele disse. A Indeed ofereceu aos seus 10 mil empregados a possibilidade de trabalhar remotamente de forma permanente.

“A sensação de que ela é um cidadão de segunda classe e de que suas oportunidades de carreira são limitadas significam que uma pessoa provavelmente não vai se dedicar tanto à empresa e nem se esforçar como poderia”, ele disse. “E também significa que a empresa perderá empregados talentosos”.

“Na Zillow, vamos fazer tudo que pudermos, da forma mais ativa, para ir além da maneira pela qual costumávamos trabalhar”, disse Meghan Reibstein, vice-presidente de operações organizacionais da companhia. Antes da pandemia, menos de 2% dos empregados da Zillow trabalhavam remotamente.

Agora, dois terços deles planejam continuar a fazê-lo por prazo indefinido. Em uma pesquisa interna, disse Reibstein, cerca de 60% dos trabalhadores disseram desejar ir ao escritório entre uma vez por mês e uma vez por ano.

Durante a pandemia, a Zillow contratou cerca de 50 empregados que vivem a mais de 80 quilômetros de qualquer de seus 12 escritórios, o que respondeu por cerca de 20% dos contratados no período. Reibstein mesma se mudou de Seattle, a sede da Zillow, para Asheville, Carolina do Norte, para estar perto de sua família.

Mulher sentada em mesa, com computador
Meghan Reibstein, vice-presidente de programas organizacionais da Zillow, em seu home office em Asheville, Carolina do Norte, nos EUA - Jack Flame Sorokin/NYT

A companhia planeja que suas reuniões com todo o pessoal, que costumavam acontecer em Seattle, continuem a ser feitas virtualmente, e que quase todos os seus programas de treinamento e desenvolvimento sejam conduzidos online. Os empregados não terão mais posições fixas nos escritórios.

E o tempo de presença no escritório ficará centrado em “reuniões menos frequentes, mais intencionais e mais impactantes”, disse Reibstein.

Outra mudança que empresas como a Zillow e a Salesforce estão adotando para nivelar a competição entre trabalhadores remotos e presenciais está na forma pela qual conduzem reuniões. Em lugar de juntar os trabalhadores de escritório em uma sala de reuniões enquanto os remotos participam online, se um dos participantes não puder estar presente na sala, todos participarão da reunião online com seus laptops, mesmo que estejam no escritório.

“O espaço é igual na tela, e os nomes de todos estão lá”, disse Reibstein.

Para fomentar a espontaneidade das interações de escritório, a Indeed está estudando tecnologias que incluem instalar telas nas cozinhas dos escritórios, para permitir que o pessoal remoto participe das “conversas de cafezinho” com os colegas. Conversas amistosas de escritório já foram identificadas como forma de fomentar maior integração.

Mudanças como essas podem ajudar a reduzir alguns dos vieses contra os trabalhadores remotos, mas só até certo ponto.

Tome como exemplo reuniões das quais todos participem pelo laptop. “Depois do fim da reunião, as três pessoas que participaram estando no escritório fecham seus computadores, saem de suas baias e vão tomar um café com os colegas, papear nos corredores, como se a reunião prosseguisse”, disse Bloom. “E assim se formam naturalmente um grupo de pessoas de dentro e um grupo de pessoas de fora”.

Um dos maiores fatores que podem promover a desigualdade entre os trabalhadores remotos e presenciais é a proximidade com os líderes da empresa, que tendiam a passar o tempo todo no escritório, antes da pandemia. Quando os executivos mesmos trabalham remotamente, isso reduz as vantagens dos contatos pessoais com as pessoas que tomam as decisões no escritório.

Na Slack, os executivos decidiram não trabalhar mais de três dias por semana no escritório, disse Brian Elliott, que lidera a equipe da empresa que planeja sobre o futuro do trabalho. “Em termos de estabelecer um exemplo, eles exibirão flexibilidade”, disse Elliott.

Prithwiraj Choudhury, professor da escola de administração de empresas da Universidade Harvard, conduziu um experimento no ano passado em colaboração com um banco multinacional cujos empregados estavam em sua maioria trabalhando remotamente por causa da pandemia. Ele designou estagiários aleatoriamente para que realizassem reuniões por vídeo com executivos seniores, outros estagiários, ou com pessoa alguma. O número de reuniões designado para cada estagiário também variava aleatoriamente. Reuniões com executivos seniores tiveram forte efeito sobre o recebimento de propostas de emprego pelos estagiários.

“Interações informais podem ser orquestradas mesmo em ambientes remotos”, disse Choudhury, “e elas têm efeito sobre o destino de uma carreira”.​

Tradução de Paulo Migliacci

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