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Facebook vai usar feed de notícias em campanha para defender sua imagem

Empresa teria percebido que estratégia de pedir desculpas após escândalos não funcionou

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Ryan Mac e Sheera Frenkel
Nova York | The New York Times

O presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, aprovou no mês passado uma nova iniciativa com o codinome Project Amplify.

O esforço, que surgiu em uma reunião interna da companhia em janeiro, tinha um propósito específico: usar o feed de notícias do Facebook, o espaço digital mais importante do site, para mostrar às pessoas histórias positivas sobre a rede social.

A ideia era a de que promover itens noticiosos favoráveis ao Facebook – alguns dos quais escritos pela empresa –melhoraria sua imagem aos olhos dos usuários, disseram três pessoas informadas sobre o projeto. Mas era uma decisão delicada porque o Facebook não tinha posicionado o News Feed anteriormente como um espaço usado para promover sua própria reputação. Diversos executivos que participaram da reunião ficaram chocados com a proposta, disse um dos presentes.

O Project Amplify pontua uma série de decisões tomadas pelo Facebook este ano a fim de remodelar agressivamente a sua imagem. Desde aquela reunião em janeiro, a empresa deu início a um esforço em múltiplas frentes para mudar a narrativa sobre ela, distanciando Zuckerberg de escândalos, reduzindo o acesso de terceiros a dados internos da companhia, ocultando um relatório potencialmente negativo sobre seu conteúdo, e reforçando a publicidade interna da empresa a fim de destacar sua marca.

As decisões representam uma virada considerável de estratégia. Por anos, a resposta do Facebook para enfrentar sucessivas crises sobre quebras de privacidade, desinformação e a difusão de conteúdo hostil em sua plataforma foi pedir desculpas publicamente. Zuckerberg assumiu pessoalmente a responsabilidade pela interferência russa no site durante a eleição presidencial americana de 2016, e defendeu vigorosamente a liberdade de expressão online. O Facebook também prometeu transparência sobre a maneira pela qual operava.

Mas a bateria de críticas sobre questões tão variadas quanto retórica racista e desinformação sobre vacinas não parece estar perdendo a força. Empregados insatisfeitos do Facebook aumentaram o furor ao se pronunciarem contra seu empregador e vazar documentos internos da empresa. Na semana passada, o The Wall Street Journal publicou artigos, baseados em documentos como esses, que mostram que o Facebook estava informado sobre muitos dos males que vinha causando.

Assim, executivos do Facebook concluíram que seus métodos haviam feito pouco para atenuar as críticas ou conquistar apoio à empresa, e decidiram no começo deste ano tomar a ofensiva, disseram seis atuais e antigos empregados da companhia, que pediram que seus nomes não fossem revelados por medo de represálias.

“Eles perceberam que ninguém mais sairia em defesa deles, e por isso precisavam fazê-lo por conta própria, e dizer o que acreditavam que precisava ser dito”, disse Katie Harbath, antiga diretora de políticas públicas do Facebook.

As mudanças envolveram executivos das equipes de marketing, comunicações, políticas públicas e integridade do Facebook. Alex Schultz, que tem 14 anos de experiência na companhia e foi apontado como vice-presidente de marketing no ano passado, também influenciou o esforço de reconstrução de imagem, disseram cinco pessoas que trabalharam com ele. Mas pelo menos uma das decisões foi propelida por Zuckerberg, e todas foram aprovadas por ele, disseram três das fontes.

Joe Osborne, porta-voz do Facebook, negou que a empresa tenha mudado de abordagem.

“As pessoas merecem saber sobre as medidas que estamos tomando para tratar de diversas questões que a companhia enfrenta – e vamos compartilhar amplamente essas medidas”, ele afirmou em comunicado.

Por anos, os executivos do Facebook se incomodaram com o fato de que sua empresa parecia receber mais escrutínio do que o Google e o Twitter, disseram atuais e antigos empregados. Eles atribuíam essa atenção ao fato de que o Facebook se deixava mais exposto por estar sempre disposto a pedir desculpas e oferecer acesso a dados internos da empresa, disseram as fontes.

Assim, em janeiro, executivos realizaram uma reunião virtual e propuseram a ideia de uma defesa mais agressiva, disse um dos participantes. O grupo discutiu usar o News Feed a fim de promover notícias positivas sobre a empresa, bem como veicular anúncios com links para artigos favoráveis sobre o Facebook. Eles também discutiram o que permitiria definir uma história como “pró-Facebook”, disseram dois participantes.

No mesmo mês, a equipe de comunicação discutiu maneiras de os executivos serem menos conciliatórios ao reagir a crises, e decidiu que haveria menos pedidos de desculpas, disseram duas pessoas informadas sobre o plano.

Zuckerberg, que se envolveu em questões relacionadas às políticas públicas da empresa, entre as quais decisões referentes à eleição presidencial americana de 2020, também queria passar a ser retratado como um inovador, disseram as fontes. Em janeiro, a equipe de comunicações do Facebook distribuiu um documento que continha uma estratégia para distanciar Zuckerberg de escândalos, em parte ao mudar o foco dos posts dele no Facebook e de suas falas diante da mídia para a promoção de novos produtos, disseram as fontes.

O site de notícias tecnológicas The Information já havia noticiado esse documento.

O impacto foi imediato. Em 11 de janeiro, foi Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook – e não Zuckerberg – que declarou à Reuters que o ataque à sede do Congresso americano uma semana antes tinha pouco a ver com o Facebook. Em julho, quando o presidente Joe Biden declarou que a rede social estava “matando pessoas” ao difundir desinformações sobre a Covid-19, Guy Rosen, o vice-presidente de integridade do Facebook, contestou essa caracterização em uma postagem de blog e apontou que a Casa Branca não tinha conseguido atingir suas metas de vacinação.

“O Facebook não foi o motivo para que essas metas não tivessem sido atingidas”, disse Rosen.

As contas pessoais de Zuckerberg no Facebook e Instagram logo mudaram. Em lugar de tratar de controvérsias corporativas, postagens recentes de Zuckerberg traziam um vídeo que o mostrava deslizando na superfície de um lago e carregando uma bandeira americana, com mensagens sobre novos aparelhos de realidade virtual. (Depois da publicação do artigo, que descrevia que Zuckerberg tinha usado uma “prancha de surfe elétrica”, ele escreveu no Facebook que na verdade “era um hidrofólio que eu estava acionando com os movimentos de minhas pernas”.)

O Facebook também começou a reduzir a disponibilidade de dados que permitiam que pesquisadores e jornalistas estudassem de que maneira a plataforma funciona. Em abril, a companhia informou sua equipe responsável pelo CrowdTangle, um recurso que oferece dados sobre o engajamento e popularidade de postagens no Facebook, de que ela seria desativada. Embora o recurso continue a existir, as pessoas que trabalhavam com ele foram transferidas a outras equipes.

Parte do ímpeto vem de Schultz, que estava frustrado com a cobertura noticiosa que usava dados do CrowdTangle para demonstrar que o Facebook estava difundindo desinformação, disseram duas pessoas informadas sobre as discussões.

Para os pesquisadores que dependiam do CrowdTangle, o golpe foi pesado. Cameron Hickey, que pesquisa sobre desinformação para a Conferência Nacional de Cidadania, uma organização sem fins lucrativos cujo foco é o engajamento cívico, disse que estava “particularmente zangado” porque sentia que a equipe do CrowdTangle tinha sido punida por oferecer uma visão sem filtro sobre o engajamento no Facebook.

Schultz argumentou que o Facebook deveria publicar por conta própria informações sobre o conteúdo mais popular no site, em lugar de oferecer acesso a recursos como o CrowdTangle, disseram duas pessoas. Por isso, em junho, a empresa compilou um relatório sobre as mensagens mais vistas no Facebook nos três primeiros meses de 2021.

Mas o Facebook não lançou o relatório. Depois que a equipe de comunicações descobriu que o link mais visto no período era para uma reportagem que dava a entender que um médico havia morrido depois de receber a vacina contra a Covid-19, seus integrantes sentiram que a empresa seria criticada por contribuir para a hesitação quanto à vacina, de acordo com emails internos vistos pelo The New York Times.

Um dia antes da data marcada para publicar o relatório, Schultz foi parte de um grupo que votou cancelar a publicação, de acordo com os emails. Ele mais tarde divulgou uma mensagem interna sobre seu papel no Facebook, que o The New York Times examinou, e na qual ele afirmava que “minha preocupação é proteger a reputação da companhia, mas o rigor e a transparência também me preocupam”.

O Facebook também trabalhou para combater os vazamentos de material interno por empregados. Em julho, a equipe de comunicações bloqueou comentários em um fórum interno usado para anúncios da empresa. “NOSSO ÚNICO PEDIDO: POR FAVOR, NADA DE VAZAMENTOS”, dizia uma postagem sobre a mudança.

Ao mesmo tempo, o Facebook acelerou seus esforços de marketing. Durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, a companhia veiculou comerciais de TV com a assinatura “nós mudamos o jogo quando encontramos uns aos outros”, para promover a maneira pela qual ela fomenta a criação de comunidades. No primeiro semestre deste ano, o Facebook gastou US$ 6,1 bilhões em marketing e promoção de vendas, um recorde, com alta de mais de 8% ante o período em 2020, de acordo com informações recentes da empresa a autoridades regulatórias.

Semanas mais tarde, a empresa tornou mais difícil para os acadêmicos fazerem pesquisas sobre ela, ao desabilitar as contas e as páginas de Facebook de um grupo de pesquisadores da Universidade de Nova York. Os pesquisadores haviam criado um recurso para navegadores de web que permitia que vissem as atividades de usuários no Facebook, e 16 mil pessoas haviam consentido em usar a extensão. Os dados resultantes haviam conduzido a estudos que demonstravam que a propaganda política enganosa havia prosperado no Facebook na campanha eleitoral de 2020, e que os usuários se engajavam mais com desinformação associada à direita política do que com outros tipos de conteúdo.

O Facebook anunciou em uma mensagem de blog que os pesquisadores da Universidade de Nova York tinham violado as regras sobre coleta de dados de usuários, mencionando o acordo de defesa de privacidade assinado entre a empresa e a Comissão Federal do Comércio (FTC) americana em 2012. A FTC mais tarde criticou o Facebook por invocar esse acordo, afirmando que seus termos permitiam pesquisa conduzida de boa-fé e no interesse público.

Laura Edelson, que comandava a pesquisa da Universidade de Nova York, disse que o Facebook a excluiu por conta da atenção negativa que seu trabalho atraía para a empresa. “Algumas pessoas do Facebook olham para o efeito desses esforços de transparência e só o que veem são as consequências negativas em termos de relações públicas”, ela disse.

O episódio foi agravado este mês quando o Facebook informou a pesquisadores que estudam desinformação de que havia fornecido dados incompletos, inadvertidamente, sobre as interações e engajamento de seus usuários nos últimos dois anos.

“É inconcebível que a maior parte da vida moderna, tal como ocorre no Facebook, não seja analisável pelos pesquisadores”, disse Nathaniel Persily, professor de Direito na Universidade Stanford, que está trabalhando para que o governo federal crie uma lei que force a empresa a fornecer dados aos pesquisadores.

Em agosto, depois que Zuckerberg aprovou o Project Amplify, a companhia testou as mudanças em três cidades dos Estados Unidos, de acordo com pessoas informadas sobre o esforço. Embora o Facebook tivesse usado o News Feed anteriormente para promover seus produtos e causas sociais, não havia feito o mesmo para promover notícias abertamente positivas a seu respeito, disseram as fontes.

Quando o teste começou, o Facebook usou um sistema chamado Quick Promotes para colocar histórias sobre pessoas e organizações que usavam a rede social no News Feeds dos usuários, disseram as fontes. As pessoas veem mensagens com logotipos do Facebook que trazem links para sites da própria empresa ou para sites externos de notícias. Uma das reportagens falava das “mais recentes inovações do Facebook em 2021”, e discutia como a empresa estava atingindo a meta de “100% de uso de energia renovável para nossas operações mundiais”.

“Isso é um teste de uma unidade de informação que está claramente identificada como proveniente do Facebook”, disse Osborne, acrescentando que o Project Amplify era “semelhante a iniciativas de responsabilidade corporativa que as pessoas costumam ver associadas a outros produtos de tecnologia e bens de consumo”.

As contestações do Facebook a notícias pouco lisonjeiras sobre a empresa também continuam, mesmo sem a participação de Zuckerberg. No sábado, Nick Clegg, vice-presidente de assuntos mundiais da empresa, escreveu uma mensagem de blog na qual denunciava a premissa da investigação do The Wall Street Journal. Ele disse que a ideia de que executivos do Facebook haviam ignorado repetidamente avisos quanto a problemas “era simplesmente falsa”.

“Essas histórias contêm descaracterizações deliberadas do que estamos tentando fazer”, disse Clegg. Ele não detalhou quais eram as descaracterizações.

Tradução de Paulo Migliacci

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