Descrição de chapéu

Cortar despesas parlamentares ajudaria a resolver impasse do teto de gastos

Instrumento foi criado para também explicitar prioridades e levar à ação compatível com as escolhas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Josué Pellegrini

Diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado

O teto de gastos da União foi introduzido no fim de 2016 para firmar o compromisso com a sustentabilidade fiscal na Constituição Federal e, na prática, limitar a forte expansão da despesa primária que havia subido de 14% para cerca de 20% do PIB, comparando-se 1997 e 2016.

A introdução da âncora fiscal foi decisiva para a posterior melhora das condições financeiras e recuperação da economia brasileira. A despesa caiu para 19% do PIB, em 2019. Contudo, a despesa primária não foi limitada pelo teto, pois ficou abaixo dele de 2017 a 2020 e, provavelmente, em 2021.

Quanto a 2022, havia boas chances de que a despesa continuasse a trajetória de queda, por força da alta inflação e do fim das despesas associadas à pandemia. Também seria o primeiro ano em que o teto efetivamente representaria um limite para a despesa da União.

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício
Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto - Câmara dos Deputados

As mudanças pretendidas com a Proposta de Emenda Constitucional nº 23, de 2021, em análise na Câmara dos Deputados, tornam uma grande incógnita o cenário fiscal futuro do país. A análise desse cenário fica para uma próxima oportunidade, mas os reflexos nas condições financeiras da economia brasileira já são evidentes, em prejuízo do crescimento econômico esperado para 2022.

A proposta altera a regra do teto para acomodar despesas que podem ultrapassar R$ 90 bilhões, no orçamento de 2022. O espaço é criado com a limitação do pagamento de precatórios e sentenças judiciais e a exclusão do teto do montante adiado. Ademais, a proposta antecipa a mudança na regra de correção do teto, prevista para 2026, de modo a ampliar o teto de 2022.

A motivação para a proposta, que parece contar com apoio, é a necessidade de acomodar no teto de 2022 as "inesperadas" despesas com precatórios, as despesas com a anunciada mudança no Auxílio Brasil e a forte demanda por emendas parlamentares, inclusive de relator, já que haverá eleições gerais em 2022.

De fato, com tais despesas extras, o ônus do ajuste não poderia recair sobre os R$ 98,6 bilhões em despesas discricionárias (sem emendas), notadamente investimento, já muito sacrificado desde 2016. Entretanto, seria possível, também, cortar despesas com emendas, especialmente as de relator, e excluir do teto R$ 16,2 bilhões em precatórios do antigo Fundef, conforme defendeu a Instituição Fiscal Independente.

O principal ponto a destacar, no entanto, é outro. Houve erro na concepção do teto ou faltou previdências complementares para sustenta-lo?

A versão inicial do teto não previu como acionar as medidas de ajustamento ("gatilhos"), quando o teto estivesse ameaçado. Não seria difícil corrigir esse problema. Dispositivo da Emenda Constitucional nº 109, de 2021, tentou, mas escolheu uma condição só alcançável quando o funcionamento da máquina pública já estivesse comprometido.

Quanto às medidas destinadas à sustentação do teto, não vieram. O teto visa limitar gastos, mas, também, explicitar prioridades e levar à ação compatível com as escolhas. Se, ao longo da vigência do teto, despesas menos prioritárias tivessem sido controladas e/ou o acionamento de "gatilhos" viabilizado, o investimento não teria sido tão sacrificado e, talvez, não se chegasse agora à "escolha de Sofia" para atender a população vulnerável.

Mais ainda. Foram tomadas medidas que dificultaram a sobrevivência do teto, em vez de sustenta-lo. Por exemplo, mudanças constitucionais elevaram o peso das emendas parlamentares dentro das despesas discricionárias, reduzindo ainda mais a margem de manobra da gestão fiscal.

Enfim, a situação atual do teto não é obra do destino. Resultou de um conjunto de ações e inações. A regra persistiu em sua essência enquanto não representou efetivo limite para as despesas, embora cumprindo importante papel na conformação de expectativas a respeito da sustentabilidade fiscal. Mas quando o limite chegou...

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.