Comerciantes de El Salvador defendem uso de bitcoin

FMI pediu a país que tirasse criptomoeda de circulação, indicando 'grandes riscos'

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Oscar Batres Carlos Mario Marquez
San Salvador | AFP

Karen Hernández, que vende artigos para telefones celulares em San Salvador, todos os dias espera animada por seus clientes, muitos dos quais pagam com bitcoins, a criptomoeda que, segundo diz, lhe trouxe muitos benefícios. E ela não quer que a retirem, como pede o FMI (Fundo Monetário Internacional).

"Foi uma experiência muito bonita [o uso das bitcoins] e aumentou nossas vendas, nos levou a outro nível de comércio", afirmou Hernández, 45, à AFP.

Com expressão alegre, Hernández é proprietária de uma pequena loja de artigos para telefones celulares no centro histórico de San Salvador, a capital de El Salvador, onde avisos feitos a mão anunciam "aceitamos bitcoin", por meio da carteira digital Chivo.

Vendedora segura sinal escrito "Aceitamos Bitcoin" em loja em San Salvador, El Salvador - Marvin Recinos - 26.jan.2022/AFP

A Chivo "wallet" é a carteira do governo criada para as transações em bitcoins, que tem validade legal desde 7 de setembro de 2021.

"Educação" para bitcoin

Diariamente, milhares de salvadorenhos circulam a pé pelas ruas lotadas da capital, onde restaurantes, lojas de ferragens, farmácias e até muitos negócios informais anunciam que aceitam pagamentos com a criptomoeda.

Situada em um antigo edifício, Elizabeth Arévalo, 25, trabalha como vendedora em uma loja de artigos para computadores, e diariamente precisa "ensinar" aos clientes como usar a carteira Chivo para que possam comprar em sua loja.

"Nós damos aos clientes uma rápida orientação para usar a carteira digital. Quando eles aprendem, compram. É uma questão de ganha-ganha. Nós ensinamos a usar a carteira e eles compram", explicou.
No centro de San Salvador funcionam duas caixas automáticas Chivo guardadas por policiais, e no meio da manhã poucos usuários efetuam alguma transação ou consultam algum dos assessores da Chivo Wallet que ficam a postos.

Mas muitos não estão de acordo, como Antonio Molina, que afirma não aceitar pagamentos em bitcoin em sua barraca, onde vende bananas.

"Para mim dá na mesma se tirarem ou não a bitcoin, para mim não traz nenhum benefício. Trabalho só com dólares, não aceito bitcoin", disse Molina.

Em El Salvador a bitcoin circula juntamente com o dólar americano, a moeda oficial há duas décadas.

"Grandes riscos"

Na terça-feira (25), o FMI pediu que El Salvador tirasse de circulação a bitcoin como moeda legal, indicando "grandes riscos" associados ao uso da criptomoeda —um golpe para o presidente Nayib Bukele, que a promove com entusiasmo.

Presidente de El Salvador, Nayib Bukele, discursa na cerimônia de encerramento da conferência Latin Bitcoin em El Salvador - Marvin Recinos - 20.nov.2021/AFP

O diretório executivo do FMI solicitou ao governo salvadorenho que deixe de usar oficialmente a bitcoin, citando perigos para "a estabilidade financeira, a integridade financeira e a proteção ao consumidor, assim como possíveis contingências fiscais".

Para comerciantes como Arévalo, a ideia de que a bitcoin deixe de ter curso legal é incabível.
"As vendas aumentaram desde que aceitamos a bitcoin, e pelo menos aqui na loja não concordamos que se cancele o uso da bitcoin, já estamos acostumados a usá-la e é uma opção de pagamento", afirmou.
Correndo de um lado para o outro em sua loja de produtos de tecnologia e perfumes no centro da capital, Juan Carlos Pérez, 40, diz que usa pessoalmente a bitcoin e está "de acordo" com a criptomoeda.

"Há riscos, sei que pode haver (...) vulnerabilidade no câmbio, [não há] um mercado financeiro que esteja controlando [a bitcoin]. Mas é prático", comentou Pérez enquanto revisava em seu telefone o aplicativo Chivo.

"Fragilidade"

O governo discute com o FMI um acordo no valor de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,9 bi) para sanar seus cofres.

"O lógico seria que o governo de El Salvador compreenda a fragilidade de sua situação e que tudo ao final das contas passa por esse acordo com o FMI", opinou o economista Luis Membreño.

Neste ano, segundo Membreño, o governo espera obter US$ 400 milhões (R$ 2,1 bi) do Banco Mundial, US$ 400 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e US$ 200 milhões (R$ 1 bi) do BCIE (Banco Centro-Americano de Integração Econômica).

Todos esses empréstimos estão sujeitos ao acordo de US$ 1,3 bilhão que o governo tenta com o FMI, diz Membreño.

Na terça (25), o diretório executivo do FMI reconheceu que os meios de pagamento digitais podem contribuir para a bancarização de El Salvador, mas pediu que o governo os controle.

Reação com meme

Na noite de terça (25), o presidente Bukele reagiu à recomendação do FMI com um meme dos Simpsons que diz: "Estou vendo, FMI. Muito bonito".

Durante sua gestão, foram adquiridas 1.630 bitcoins com fundos públicos.

Membreño advertiu que Bukele "não vai recuar em um projeto pessoal dessa envergadura".

Seu ministro da Fazenda, Alejandro Zelaya, limitou-se a destacar no Twitter a parte do comunicado do FMI em que se insiste na importância de promover a inclusão financeira.

"Parece que funciona para dar inclusão financeira, mas não deveria fazer isso. O futuro não espera por ninguém, #Bitcoin", escreveu Zelaya.

No ano passado, Bukele também anunciou a emissão de "bônus bitcoin" no valor de US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bi).

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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