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Luiz Fernando Figueiredo e Rafael Ihara

Inflação só deve retornar à meta em 2023

Cenário político depende de agenda econômica razoável dos presidenciáveis

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Luiz Fernando Figueiredo

Sócio fundador da Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do BC (Banco Central)

Rafael Ihara

Economista-chefe da Mauá Capital

A inflação fechou o último ano em 10,1%, taxa mais alta desde 2015, quando a inflação foi de 10,7%. Para analisarmos o comportamento prospectivo da inflação, precisamos antes entender quais são os principais vetores da inflação corrente.

A inflação de preços administrados, aqueles definidos por contratos ou regulados pelo governo, foi de 16,9%, também mostrando a maior variação anual desde 2015. Dentro deste grupo, as maiores contribuições vieram de gasolina (alta de 47,5% no ano) e energia elétrica residencial (alta de 21,2%).

Os preços de combustíveis refletem a variação do dólar, que teve alta de cerca de 10% em 2021, e do petróleo, que subiu mais de 50%. Com o mercado reduzindo o medo em relação à variante ômicron, devemos ver pressão no preço do petróleo no curto prazo, mas parece bastante improvável que vejamos uma alta da mesma magnitude do ano passado ao longo de 2022.

Preços de combustíveis em posto no centro de São Paulo - Filipe Araujo - 31.dez.2021/AFP

Em relação ao câmbio, o cenário atual é de dólar forte com os EUA liderando o crescimento global e o Fed cada vez mais hawkish. Porém, a nossa taxa de câmbio já embute um prêmio elevado e não é absurdo pensar que poderíamos ver até uma queda do dólar caso haja alguma sinalização de racionalidade econômica dos presidenciáveis. Já em relação à energia elétrica, a melhora no cenário hídrico deve representar um alívio na inflação deste item ao longo do ano.

Entre os preços livres, que refletem as condições de oferta e demanda, o destaque altista fica com inflação de bens, que fechou o ano em 12,0%, maior taxa da série recente. Esta pressão no preço de bens está diretamente ligada à pandemia, com questões de oferta, como a falta de insumos ou problemas de logística, e de demanda, pois dada a impossibilidade de consumir serviços, os consumidores aumentaram a demanda por bens.

Vale notar que os estímulos monetários feitos ao longo de 2020 e os auxílios concedidos turbinaram ainda mais essa demanda por bens. A normalização da cesta de consumo deve ocorrer ao longo deste ano. Além disso, a retirada dos estímulos, com a redução do auxílio e o aperto monetário em curso, deve contribuir para o arrefecimento da inflação de bens em 2022.

Já a inflação de serviços fechou 2021 em 4,8%. Considerando a variação de apenas 1,7% em 2020, temos a média desses 2 anos rodando em 3,2%, mesmo patamar dos dois anos anteriores. Este grupo é o mais sensível ao mercado de trabalho, que deve fechar 2021 com a taxa de desemprego um pouco abaixo de 12% – patamar muito acima da Nairu (taxa compatível com a estabilidade da inflação), que estimamos em 9,5%.

Importante ressaltar que o mercado de trabalho reage com defasagem ao ciclo econômico. Logo, o efeito da atividade mais fraca no segundo semestre de 2021, além do aperto monetário feito ao longo do último ano, só devem ter reflexo no desemprego deste ano.

Por último, a inflação de alimentos terminou 2021 com alta de 8,2%, patamar bastante elevado, mas ainda inferior ao visto em 2020 (18,2%). A inflação externa, medida pelo comportamento das commodities agrícolas em reais, tende a ajudar a dinâmica doméstica este ano. Além disso, apesar das notícias recentes de estiagem nas regiões Sul e Centro-Oeste, ainda existe a expectativa de uma safra favorável, que deve contribuir para preços de alimentos bem comportados ao longo do ano.

Olhando as medidas de núcleo, que tentam captar as tendências dos preços excluindo itens mais voláteis ou menos sensíveis ao ciclo econômico, já vemos um arrefecimento desde o pico em outubro do ano passado, quando a média móvel de 3 meses das medidas de núcleo preferidas do BC atingiram 10,6% (dessazonalizadas e anualizadas), para 9,4% em dezembro. Apesar de ainda estar rodando bem acima da meta, mantendo a tendência dos últimos meses e considerando o cenário exposto acima, devemos ver as medidas de núcleo se aproximando da meta ao longo deste ano.

Desta forma, a inflação deve encerrar 2022 próxima de 5,0%, acima da meta de 3,5%, mas mostrando uma desaceleração significativa em relação a 2021. Os ruídos políticos e fiscais têm colocado uma dificuldade monumental para o BC domar as expectativas de inflação, de tal forma que vimos aqui o ciclo de aperto monetário mais agressivo do globo no ano passado. Desta forma, só devemos ver a inflação retornando à meta em 2023, quando devemos ver também um ciclo de corte de juros. Naturalmente, estamos dependentes do cenário político na expectativa de uma agenda econômica razoável dos presidenciáveis.

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