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Guerra da Ucrânia Rússia

EUA atacam empresas da Rússia, mas liberam negócios de petróleo e comida

Preocupado com inflação e eleição, Biden evita mexer em mercados cruciais e mantém economia da Rússia viva

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São Paulo

Joe Biden anunciou mais uma vez sanções "sem precedentes" contra a Rússia. Bloqueou negócios dos maiores bancos e empresas russas nos bancos dos EUA, inclusive da Gazprom, a gigante estatal de petróleo e gás. Mas o governo americano abriu exceções. Essas grandes empresas banidas da finança americana são autorizadas, por exemplo, a fazer negócios relativos a energia (de exploração de combustíveis a produção, transporte etc.).

Há exceções também para produtos agrícolas (a Rússia é grande exportadora), fertilizantes (interessa muito ao Brasil), remédios, equipamentos médicos, organizações internacionais e certos tipos de dívida, entre outras "licenças".

Os mercados financeiros do mundo rico passaram a manhã em paniquito moderado. O barril de petróleo chegou perto de US$ 103 na metade do dia. Depois do discurso de Biden, de "paz na energia", caiu e fechou na casa dos US$ 95, em alta quase nenhuma em relação ao dia anterior. As Bolsas americanas, que despencavam, fecharam em alta, assim como os títulos da dívida do governo americano.

Biden, de terno escuro e gravata listrada azul, aponta o indicador direito para a câmara
O presidente dos EUA, Joe Biden, dá entrevista sobre a invasão da Rússia à Ucrânica, na Casa Branca - Brendan Smialowski /AFP

"Entendo a dor que os americanos estão sentindo no posto de gasolina", disse Biden nas duas vezes em que anunciou retaliações contra a Rússia, na terça (23) e nesta quinta-feira (25). Também falou em "maximizar" o prejuízo para os russos e "minimizar" os danos para americanos e aliados.

Biden e o "Ocidente" querem evitar que o petróleo e o gás da Rússia parem de fluir para o restante do mundo, o que provocaria alta ainda maior nos preços da energia, o que teria consequências econômicas e políticas graves.

O presidente dos Estados Unidos, pois, está dizendo que, além de não intervir com tropas americanas, não quer usar a arma de destruição em massa que tem nas mãos. Como deve estar evidente agora para todo mundo, manter o comércio de energia por ora é de interesse tanto da Rússia como do "Ocidente".

Tirar o petróleo e o gás russos do mercado é um cenário "MAD" ("Mutual Assured Destruction", destruição mútua garantida, sigla que forma também a palavra "louco", em inglês). Cenário "MAD", muito mal comparando, era aquele montado com armas nucleares: não podem ser usadas, pois a ruína geral seria certa, sem vencedores.

Claro que petróleo e gás nem de muito longe é bomba nuclear, desnecessário dizer. No limite, os Estados Unidos podem suportar uma inflação maior, juros mais altos, a derrota quase certa dos Partido Democrata de Biden na eleição do final do ano. Danos assim são fichinha, se comparados com o de guerra real, mesmo convencional.

No caso da retaliação na energia, a Rússia teria problemas gravíssimos e imediatos, financeiros e econômicos. O risco aqui é o "perdido por dez, perdido por mil": com a economia arrebentada, Putin pode ser mais agressivo, a não ser que o esquema de poder que o sustenta se revolte e o derrube, hipótese de que o Ocidente não faz ideia.

As sanções anunciadas nesta quinta-feira vão causar danos às maiores instituições financeiras e empresas russas. Em resumo, as instituições financeiras americanas não podem abrir ou manter contas para bancos russos fazerem pagamentos e transações.

A medida atinge os dois maiores bancos russos, o Sberbank e o VTB, que têm 50% dos ativos bancários do país, o Otkritie, o sétimo maior, o Sovcombank (privado, 9º maior). As empresas não podem fazer dívida mais longa do que 15 dias ou levantar capital (como dinheiro para participação na companhia ou em novo empreendimento) nos EUA.

A medida afeta também o Sberbank, dois bancos da Gazprom, a própria Gazprom, a Transneft (de oleodutos), a Rostelecom, a RusHydro (hidroelétricas), a Alrosa (mineração de diamantes), a Sovcomflot (transporte marítimo) e a Ferrovias da Rússia.

Quanta retaliação econômica o "Ocidente" e a Rússia podem aguentar? Isto é, quanta dor Estados Unidos, União Europeia e aliados podem causar aos russos sem que tenham de pagar um preço muito alto? Essa é a questão mais importante na mesa faz algumas semanas, em termos econômicos; horas depois da invasão, ainda era a dúvida maior.

Basicamente, trata-se de saber se o "Ocidente" vai tolerar um choque de preços de energia a fim de (tentar) conter Vladimir Putin e se Putin vai abrir mão de receitas recordes da venda de petróleo e gás mais caros.

A economia russa depende muito de energia, petróleo e gás, cerca de 47,5% do que exportaram em 2021. Quase 18% da receita do governo da Federação Russa vem de petróleo e gás. O governo passou a ter superávit em suas contas (arrecada mais do que gasta) no final de 2021 (no acumulado de 12 meses até novembro, dado mais recente do Ministério das Finanças.

Apenas neste ano, o preço do petróleo tinha aumentado cerca de 20% mesmo antes do começo da guerra. O país teve superávit nas contas externas (saldo em conta corrente) de 2,8% do PIB em 2021 (segundo dados do FMI), basicamente porque exporta muito mais do que importa, graças às vendas de energia. Se puder manter essas receitas, os russos podem se virar por muito tempo.

A Rússia tem cerca de 10% das exportações mundiais de petróleo; cerca de 20% do trigo. Quase 40% do gás que a União Europeia consome vem da Rússia.

O preço da gasolina e a inflação em geral ajudaram a derrubar a popularidade de Biden e de seu Partido Democrata, que têm uma perspectiva muito ruim para a eleição de final de ano, em que devem perder o controle de Câmara e Senado. Inflação maior e impotência diante do salseiro de Putin não vai melhorar a situação. Na União Europeia, a inflação da energia causa tanta gritaria quanto aqui no Brasil —agora há mais subsídios para atenuar o impacto da conta da energia, entre outras medidas.

Sanções que prejudiquem as importações de produtos de alta tecnologia do "Ocidente" podem de fato prejudicar o desenvolvimento e a indústria russos, embora esse dano seja difícil de quantificar. De resto, a China pode ajudar um pouco nisso.

As sanções mais daninhas seriam aquelas que de fato impedissem as transações das instituições financeiras russas, mesmo meros pagamentos, com o resto do mundo. No entanto, é possível que a Rússia consiga criar canais alternativos para receber seu dinheiro, nem que seja por meio da China.

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