Descrição de chapéu Financial Times Rússia

Entenda por que a Europa teme o bloqueio do petróleo da Rússia

Aumento do preço do barril e prejuízo aos consumidores domésticos impedem países da UE de se unir aos EUA

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Valentina Pop
Financial Times

Os Estados Unidos têm dito que estão conversando com aliados europeus sobre barrar as importações de petróleo russo, mas a União Europeia não está pronta para o jogo. A Alemanha abriu caminho nesta segunda-feira (7) ao explicar por que o bloco não está seguindo o exemplo –pelo menos por enquanto.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse no fim de semana que havia uma discussão "muito ativa" com aliados europeus sobre a possibilidade de proibição das importações de petróleo russo.

Por mais ativo que seja, esse diálogo não parece estar produzindo uma abordagem harmonizada. Enquanto o governo Biden tem sinalizado sua disposição a congelar as importações de petróleo russo, Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, rejeitou a ideia.

Trabalhador gira válvula no campo de petróleo Gremikhinskoye da UdmurtNeft, na Rússia - Sergei Karpukhin/Reuters

"Todos os nossos passos são projetados para atingir duramente a Rússia e ser sustentáveis em longo prazo", disse Scholz em comunicado na segunda. "Neste momento, o suprimento de energia na Europa para aquecimento, mobilidade, fornecimento de energia e indústria não pode ser garantido de outra forma. Por isso, é de fundamental importância para a prestação de serviços públicos e para a vida cotidiana de nossos cidadãos."

A posição da Alemanha, que está sendo espelhada no nível da União Europeia, marca uma divergência incomum após duas semanas de impressionante sincronização transatlântica das sanções. Mas reflete realidades políticas contrastantes em Washington e na Europa.

O governo Biden sofre intensa pressão no Capitólio por um bloqueio ao petróleo –inclusive por importantes democratas–, movimento que as pesquisas sugerem que teria apoio popular, apesar do aumento dos preços nas bombas. Dada a porcentagem das receitas orçamentárias russas que derivam da indústria do petróleo, os defensores da medida argumentam que ela atingiria uma importante fonte de financiamento para a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, infligindo danos significativos ao seu esforço de guerra.

Em Berlim, no entanto, os políticos estão muito cientes de que o país é muito mais dependente dos recursos naturais russos –mais de 55% do gás importado pela Alemanha vêm da Rússia, assim como metade de seu carvão e 35% de seu petróleo. A Alemanha não é de forma alguma a única na Europa que depende tanto dos combustíveis fósseis russos.

Se a UE e os EUA impusessem restrições simultâneas às importações de petróleo da Rússia, o aumento nos preços do petróleo bruto poderia ser extremo. Por isso, algumas autoridades argumentam que pode ser menos prejudicial para os EUA se moverem sozinhos, pelo menos neste estágio, descartando a ideia de que haja qualquer divergência transatlântica sobre a estratégia de sanções.

Há também um argumento para que a UE mantenha mais poder de fogo de sanções em reserva, guardando espaço para intensificar sua reação a Putin, se necessário.

Os danos colaterais das rodadas de sanções existentes já são suficientes para levantar preocupações sobre a força da recuperação econômica da UE, o que significa que muitas capitais veem argumentos para pausar e considerar o impacto do atual pacote de penalidades antes de se contemplar um ataque contra algo tão sensível quanto as exportações russas de energia.

Mark Rutte, primeiro-ministro da Holanda, alertou ontem sobre as "enormes ramificações" que resultariam de uma proibição imediata dos combustíveis fósseis russos. "A dolorosa realidade é que ainda dependemos muito do petróleo e do gás russos", disse ele.

O aumento nos preços do petróleo e do gás causado pelo conflito na Ucrânia e as medidas ocidentais para punir Moscou aumentaram a ameaça do pior choque estagflacionário a atingir as economias importadoras de energia desde a década de 1970.

Recarga rápida, mas desligada

A Comissão Europeia está publicando nesta terça (8) um plano para reduzir as exportações de gás russo para a UE em dois terços dentro de um ano, enquanto tenta reduzir a quantidade de dinheiro que vai alimentar a guerra de Moscou contra a Ucrânia.

Frans Timmermans, o comissário do Acordo Verde, argumenta que aumentar a energia renovável e reduzir a demanda por meio de economia de eficiência é o caminho mais rápido para atingir esses objetivos.

Os países da UE também terão que importar mais gás natural liquefeito, que é mais caro que os suprimentos canalizados da Rússia. Os consumidores que precisam enfrentar preços mais altos para diminuir a dependência de Moscou e reduzir o aquecimento global devem ser ajudados, ele deixou claro em uma entrevista.

"Se as pessoas acharem que vai ser caro para elas, não vão aceitar nossa análise", disse ele. "Não podemos fazer isso sem o apoio da nossa população."

O holandês tem experiência em primeira mão dos problemas de tornar-se verde. A entrevista foi adiada em 30 minutos porque seu Audi elétrico ficou sem energia no caminho de Bruxelas para Estrasburgo. Ele teve que reabastecer em Luxemburgo, ironicamente uma tática popular também para motoristas de diesel da França, Alemanha e Bélgica, atraídos pelo combustível mais barato lá.

Sua equipe relata a falta de instalações de recarga rápida na autoestrada entre Arlon e Estrasburgo. O Audi e-tron, com um alcance de cerca de 250 km (embora menos no frio), teve um problema semelhante a caminho de Paris na semana passada. "Há uma boa oportunidade de negócios em estações de recarga no norte da França", disse um passageiro frustrado.

Notável, citável

"Uma das coisas que estamos analisando é a possibilidade de usar mais hidrocarbonetos [combustíveis fósseis] nossos. Precisamos aumentar nossa autossuficiência", disse Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido

O premiê está se preparando para revelar uma nova "estratégia de fornecimento de energia" no Reino Unido após a invasão da Ucrânia pela Rússia, que pode envolver mais produção de petróleo e gás no Mar do Norte. O primeiro-ministro insistiu que não estava abandonando o compromisso do governo de reduzir as emissões de carbono, mas disse que o Reino Unido precisa de maior autossuficiência em suas fontes de energia.

Expresso para refugiados

Com o espaço aéreo da Ucrânia fechado e muitos refugiados tendo que caminhar a pé os últimos quilômetros até a fronteira, as companhias ferroviárias da Europa se tornaram um dos principais meios de transporte para os ucranianos que tentam chegar a um refúgio no exterior.

De viagens gratuitas de trem a um trem médico, as operadoras ferroviárias que são membros da CER (Comunidade Europeia de Empresas Ferroviárias e de Infraestrutura) –que inclui a alemã Deutsche Bahn e a francesa Eurostar– estão criando maneiras criativas de demonstrar solidariedade na crise dos refugiados.

"A população ucraniana está atualmente exposta a um sofrimento humano imensurável, com muitos forçados a deixar suas casas e seu país", disse o CER em comunicado. A Estrada de Ferro Ucraniana (UZ) transportou quase 1 milhão de pessoas que já foram evacuadas, com prioridade para crianças, mulheres e idosos, disse o grupo. Até ontem, mais de 1,7 milhão de ucranianos partiram para o exterior, segundo a agência de refugiados da ONU.

Os trens de evacuação podem circular de Kiev e outros centros ferroviários como Lviv, Uzhhorod e Chop para a Polônia, Hungria, Moldova, Romênia, Eslováquia e República Tcheca, em serviços diretos ou de conexão, acrescentou o CER.

Como as empresas ferroviárias estão ajudando?

A PKP da Polônia está organizando trens humanitários para refugiados diretamente da Ucrânia para os países vizinhos e levando ajuda humanitária ao país.

A ÖBB da Áustria está cooperando com sua subsidiária tcheca Rail Cargo Logistics em um trem noturno que serve como ponte terrestre entre Praga e Kiev, com espaço para 600 paletes de mantimentos e 400 leitos de passageiros.

A cooperação entre a ÖBB da Áustria, a CD da República Tcheca e a Deutsche Bahn da Alemanha está abrindo opções de viagem adicionais para mais estações. As viagens de trem dentro desses países podem ser reservadas gratuitamente por ucranianos.

As companhias ferroviárias também estão prestando assistência –desde linhas de ajuda de informações até acomodação, espaço para atendimento e aconselhamento e oportunidades de emprego. Elas também estão organizando outras formas de ajuda humanitária, como arrecadação de fundos e coleta de suprimentos essenciais.

Colaboraram Andy Bounds, Javier Espinoza e Sam Flemin

Tradução Luiz Roberto M. Gonçalves

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