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Escândalos em negócios saem dos livros e viram filmes e séries de sucesso

Desastres econômicos ganham forma sonora, televisiva e cinematográfica

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Andrew Hill
Londres | Financial Times

Houve uma época em que notícias de negócios eram encontradas principalmente nas páginas de economia dos jornais. Se essas histórias tinham alguma sobrevida, o mais provável é que se transformassem em um livro de negócios peso pesado, e não em um filme, quanto menos uma série de televisão.

No entanto, nos últimos cinco anos as histórias sobre triunfos ou (mais frequentemente) desastres de negócios deixaram os jornais e os livros de capa dura e ganharam forma sonora, televisiva ou cinematográfica. Os serviços de streaming proliferaram e, com eles, o desejo de material novo, a fim de alimentar o apetite da audiência pela nova série imperdível. A popularidade de séries de ficção como "Succession", sobre um império de mídia controlado por uma família, e "Billions", sobre o mundo dos fundos de hedge, alimentou o boom das adaptações para as telas de reportagens de negócios em formato longo.

"O negócio do streaming fez crescer a demanda por histórias e, embora isso possa contradizer o que a intuição apontaria, também alimentou a demanda por personagens de qualidade e histórias verossímeis, profundas e ricas", diz Elizabeth Wachtel, que trabalha em Beverly Hills para a agência de talentos WME. "Acredito que personagens complexos tenham se tornado especialmente atraentes e que haja uma preponderância [deles] no mundo dos negócios".

Amanda Seyfried como Elizabeth Holmes em cena da série "The Dropout"
Amanda Seyfried como Elizabeth Holmes em cena da série "The Dropout" - Divulgação

Wachtel é uma agente cuja especialidade são "pacotes literários", que lidam com os direitos de mídia de livros de não ficção que podem ser transformados em documentários, adaptações dramatizadas ou filmes. Um dos clientes da WME é Beth Macy, autora de "Dopesick", livro sobre a crise dos opioides e o envolvimento da Purdue Pharma e de membros da família Sackler no caso, que se tornou uma série no serviço de streaming Hulu, estrelada por Michael Keaton.

Outra série em desenvolvimento se baseia em "Billion Dollar Whale", o relato de Tom Wright e Bradley Hope sobre o escândalo de lavagem de dinheiro da 1MDB, da Malásia, que esteve na lista de pré-indicados ao Financial Times Business Book of the Year Award em 2018 (a edição 2022 do prêmio começa hoje.) Dan McCrum, repórter do Financial Times que expôs a fraude no grupo de tecnologia financeira Wirecard, também lançará um novo livro, "Money Men", em junho, baseado em sua investigação. A história está sendo transformada em uma série de documentários pela Netflix da Alemanha.

A experiência de Hope e Wright levou os ex-repórteres do The Wall Street Journal a criar o Projeto Brazen, que eles descrevem como um "estúdio de jornalismo" com o objetivo de "expor histórias empolgantes via podcasts, livros, documentários, programas de TV e filmes".

"Se você escreve um livro, chega um figurão de Hollywood com um grande sorriso, aperta sua mão e diz que vai transformar seu trabalho em um filme, e tira a história do controle de quem a escreveu", diz Hope. O Projeto Brazen planeja permitir que autores realizem trabalho jornalístico original e retenham mais controle sobre aquilo que criam.

Os podcasts estão se tornando uma porta de entrada cada vez mais frequente para a televisão e o cinema. A história da Theranos, a startup que produzia máquinas de exame de sangue e cuja carismática fundadora, Elizabeth Holmes, foi considerada culpada em janeiro de conspiração para fraudar seus investidores, se tornou uma série, "The Dropout". Um filme baseado em "Bad Blood", livro premiado de John Carreyrou, do Financial Times, sobre Holmes e a Theranos, também está em produção, com direção de Adam McKay e estrelado por Jennifer Lawrence. Já "The Dropout" tem por base um podcast popular da rede de televisão ABC. Da mesma forma, a série "WeCrashed", que está em cartaz, se baseia em um podcast da Wondery sobre Adam Neumann, o criador da operadora de espaços compartilhados de trabalho WeWork, e sua mulher, Rebekah.

O Projeto Brazen, de Hope, planeja começar com podcasts, porque é possível produzi-los internamente, "eles fazem boa parte do trabalho necessário" para estabelecer uma história, e incluem as "vozes originais" que os realizadores de filmes muitas vezes procuram.

A perda de distinção entre os diferentes formatos de mídia, e os pagamentos de centenas de milhares de dólares disponíveis para jornalistas que tenham sucesso em levar suas histórias a Hollywood, reordenaram o mundo da mídia. Reconhecendo que existe dinheiro a ganhar com o conteúdo dos cadernos de anotações de seus repórteres, organizações de mídia como a Condé Nast, que publica a revista "The New Yorker", estabeleceram divisões para desenvolver projetos de filmes baseados em suas reportagens originais.

William Cohan, autor de "The Last Tycoons", um livro sobre o banco Lazard Frères que conquistou o prêmio FT de melhor livro de negócios do ano em 2007, e de "House of Cards", sobre o banco Bear Stearns, que disputou o prêmio em 2009, diz que uma década atrás histórias sobre negócios não eram atraentes para os produtores de TV. As séries tinham de ser condensadas em episódios curtos, cada qual com um desfecho claro. Dramas judiciais, policiais e médicos dominavam. Hoje, ele diz, Hollywood "está disposta a dar mais crédito às audiências e à capacidade delas para manter a atenção quanto a eventos [de negócios] com duração superior a 35 minutos".

Manter a atenção das audiências requer, porém, alguma prestidigitação artística, quer na ficção, quer na não ficção. Roteiros sobre negócios precisam ser plausíveis o bastante para não perder a audiência dos especialistas, mas não podem se tornar técnicos a ponto de gerar rejeição da parte das audiências de massa. Cohan aponta que "Billions", embora se passe no mundo dos administradores de fundo de hedge, raramente mostra alguém diante das telas de operações onipresentes do setor financeiro. A dramatização por Adam McKay de "A Grande Aposta", baseada no livro homônimo de Michael Lewis que disputou o prêmio FT em 2010, tenta manter o interesse dos espectadores recorrendo a participações especiais de celebridades para explicar algumas das questões técnicas.

Ao concentrar sua atenção nos escândalos, os produtores de séries baseadas em narrativas de negócios não estão fazendo quaisquer favores ao capitalismo. Os figurões de Hollywood com seus sorrisos branquíssimos não estão exatamente correndo para encomendar minisséries de seis episódios sobre culturas empresariais saudáveis ou sobre a ajuda de executivos financeiros prestativos a pequenas empresas. Já histórias reais sobre travessuras financeiras são irresistíveis, por outro lado.

"As melhores histórias de negócios têm uma fase investigativa na qual alguém tenta revelar o escândalo, e em seguida a história se torna um drama, e talvez não haja coisa alguma mais shakespeariana que o dinheiro", diz Hope.

Será que o apetite por histórias de negócios prenuncia o fim dos livros de negócios propriamente ditos, já que os autores podem optar por buscar os holofotes e saltar da reportagem para o podcast e o cinema?

Absolutamente não, diz Wachtel, da WME. Em lugar disso, "o livro está ganhando posição de destaque ainda maior". Cohan diz que existe o risco de que jovens jornalistas busquem as bençãos de Holywood "como alguma espécie de afirmação de seu brilhantismo". Agentes apontam, porém, que há um longo caminho entre vender uma opção sobre um livro a um estúdio e ver o nome de seu autor nas fachadas dos cinemas. Muitas vezes, os filmes prometidos simplesmente não são feitos.

Além disso, na mídia como no mundo dos negócios, bolhas podem se formar. "A próxima correção financeira provavelmente vai pôr fim a esse tipo de coisa", adverte Cohan. "Ninguém vai querer assistir [a dramas sobre negócios] quando estiver sofrendo economicamente".

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