Descrição de chapéu petrobras

Entenda as regras que buscam blindar a Petrobras de interferência política

Estatal adotou série de medidas após a Lava Jato para minimizar interferência

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São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem criticado a política de preços da Petrobras e está em vias de fazer uma nova troca de presidente da empresa, o que sempre levanta dúvidas sobre a vulnerabilidade da estatal a influências políticas.

A confusão vem se acirrando desde a demissão do general Joaquim Silva e Luna, que se desgastou com Bolsonaro em razão do mega-aumento dos combustíveis. A decisão do governo foi interpretada como uma tentativa de pressionar pela revisão da política de preços.

​Nesta segunda (20), José Mauro Coelho renunciou à presidência da empresa após o governo intensificar a pressão sobre ele. O atual diretor de exploração e produção da companhia, Fernando Borges, assumirá a presidência interinamente. O substituto indicado pelo governo, Caio Paes de Andrade, ainda precisa ser avaliado por comitê interno que analisa as nomeações na estatal e ter seu nome referendado em assembleia de acionistas, cuja data ainda não foi agendada.

Mas os reajustes de combustíveis mesmo com as tentativas e pressões para segurá-los mostra que a margem para manobras na estatal é limitada e um dos motivos para isso são as regras de governança e conformidade adotadas pela companhia.

Por ser acionista controlador, o governo federal consegue mudar a gestão da estatal com uma certa facilidade. Tanto que Coelho foi o terceiro presidente em pouco mais de três anos de gestão Bolsonaro.

No entanto, a influência do governo é restrita —pelo menos no papel. Após a Operação Lava Jato, a Petrobras fez alterações em seu estatuto, implantando medidas para proteger o interesse dos acionistas.

Boa parte das novas regras internas foram no sentido de evitar casos de corrupção.

Além de criar comitês de controle de diretores, a estatal adotou um novo regime disciplinar, inaugurou um canal de denúncias operado por empresa especializada, e mudou o sistema de licitações para combater fraudes.

A Petrobras chegou até a proibir no código de conduta que seus empregados se encontrem com políticos sem a presença de testemunhas.

Novas mudanças no estatuto estavam previstas para serem discutidas em abril, mas o governo conseguiu adiar a votação a pedido do MME (Ministério de Minas e Energia), sob a justificativa de que não teve oportunidade para avaliar as medidas.

O pedido do governo foi criticado por acionistas minoritários favoráveis às medidas, que chegaram a propor reclamação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por abuso do poder de voto do governo durante a assembleia.

Entre outras mudanças, a Petrobras propõe transferir para o conselho de administração decisões sobre a política de responsabilidade social e estabelecer quórum qualificado para nomeação e destituição do diretor de Governança da estatal.

Em resposta, o diretor de Governança da Petrobras, Salvador Dahan, afirmou, no dia 14 de junho, que a companhia apresentou a diversas instâncias do governo a proposta de reforma do estatuto social que reforça a estrutura de governança da empresa.

Entenda abaixo as regras em vigor que buscam blindar a estatal de ingerência externa.

Lei das Estatais

As principais travas são baseadas na Lei de Responsabilidade das Estatais (13.303/2016), sancionada em 2016 pelo então presidente interino Michel Temer (MDB).

A legislação estabeleceu regras para a nomeação de diretores e conselheiros, proibindo a indicação de dirigentes partidários ou de políticos que tivessem disputado eleições nos 36 meses anteriores.

Outra exigência é que o escolhido tenha experiência de dez anos em cargos de empresas do setor ou quatro anos em companhias similares.

Sede da Petrobras, no Rio - Sergio Moraes/Reuters

Depois, a nomeação precisa passar por análises internas. Conhecida como "background check", a avaliação inclui não só o currículo dos candidatos, mas também investiga se eles são alvos de processos, se possuem dívidas financeiras ou tiveram atuação em partidos políticos.

O estatuto ainda veda a indicação de pessoas que fizeram negócios com o governo ou com a própria Petrobras nos três anos anteriores. A existência de familiares nessas condições também configura um impeditivo.

Estrutura de governança

De 2016 para cá, a petroleira também fez alterações em seu modelo de governança para aprimorar o processo decisório.

A assembleia geral de acionistas é o órgão composto por todos os acionistas. O conselho fiscal tem a atribuição de fiscalizar se a administração está em conformidade com a lei e com o estatuto social, bem como opinar sobre as demonstrações financeiras.

Já o conselho de administração é o órgão responsável por aprovar estratégias e nomeações para a diretoria da estatal, enquanto o presidente da Petrobras e os oito diretores executivos são responsáveis pela gestão da companhia.

É do conselho que podem sair mudanças na política de preços dos combustíveis. Há cadeiras ocupadas por indicados do governo, por acionistas minoritários e por representante dos funcionários.

Tanto a Lei das Estatais quanto o estatuto da Petrobras têm mecanismos para evitar operações com prejuízo —o que diminui as chances de represamento dos preços.

Regras do mercado financeiro

Por ser uma empresa de capital aberto, a petroleira é fiscalizada por órgãos de controle do mercado de capitais.

No Brasil, a companhia segue regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da B3. Já no exterior, cumpre as determinações de órgãos semelhantes, como o SEC (Securities and Exchange Commission), nos Estados Unidos.

No dia da demissão de Silva e Luna, as ações mais negociadas da petro caíram 2,17%. Mas, no dia seguinte, os papéis da companhia subiram 2,22%, levando a Bolsa a registrar o melhor resultado desde agosto de 2021.

Nesta segunda (20), as negociações de ações da Petrobras foram suspensas pela manhã e retomadas pouco antes das 11h. Às 12h28, as ações ordinárias da Petrobras (PETR3) subiam 0,40%, a R$ 30,04. Os papéis preferenciais (PETR4) ganhavam 0,37%, cotados em R$ 27,42. No intervalo entre as suspensões, por volta das 11h, ambas chegaram a cair mais de 4%.

O Ibovespa, índice de referência da Bolsa, devolvia as perdas do início da sessão e subia 0,34%, a 100.159 pontos. O dólar subia 0,05%, a R$ 5,1490.

Especialistas veem espaços para melhora na governança

Para especialistas em governança corporativa, as mudanças internas feitas pela Petrobras nos últimos anos, assim como a Lei das Estatais, melhoraram a conformidade da companhia. No entanto, algumas decisões ainda causam estranhamento.

Fabio Lucato, sócio do escritório Chediak Advogados e especialista em compliance e investigações, diz que a petroleira se tornou uma empresa mais preparada após a Lava Jato. Por outro lado, ele ainda nota uma constante interferência política.

"Uma coisa é o que está nos códigos e outra é o que vemos na prática. Ainda percebemos que há uma influência que acaba contaminando a atuação. Isso é corriqueiro", afirma.

Lucato lembra que a Petrobras é um player relevante na economia, impactando desde o preço da gasolina até o desempenho da Bolsa de Valores e a popularidade de candidatos.

"É claro que o presidente vai estar com o ministro da Economia 'pari passu' [no mesmo passo] para tentar tomar para si algum tipo de gestão. A empresa está suscetível a isso, embora o programa de integridade e prevenção à corrupção busque justamente trazer regras de governança e minimizar essas influências", diz.

Para Jonathan Mazon, sócio do Junqueira Ie Advogados e especialista em governança corporativa, a governança da Petrobras parece ser robusta no papel e as tentativas mal sucedidas de interferir na política de preços indicam um bom funcionamento.

No entanto, ele entende que o vaivém no comando da estatal é excessivo. "Dificilmente é possível continuar uma política consistente com tantas trocas de comando. Se fosse uma empresa privada, eu diria que há alguma questão de governança, ou uma desgovernança", afirma.

Tanto ele quanto Lucato concordam que nenhuma governança corporativa é infalível, pois os fatores humano e político não podem ser desconsiderados. "Sempre é possível haver um grau de interferência, ainda que seja simplesmente trocar as pessoas", afirma Mazon.

Jonathan Mazon, sócio do Junqueira le Advogados na área de governança corporativa - Karime Xavier/Folhapress
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