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BCE sinaliza primeira alta de juros em 11 anos

Banco está preparando terreno para primeira alta de juros em mais de uma década, e indica que aperto pode aumentar em setembro

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Martin Arnold Tommy Stubbington
Amsterdã e Londres | Financial Times

Christine Lagarde buscou, nesta quinta-feira (9), rebater as preocupações de que o BCE (Banco Central Europeu) não estava fazendo o suficiente para combater a inflação, que vem batendo recordes de alta, e anunciou planos de elevar a taxa de juros para acima de zero pela primeira vez em uma década, em setembro.

O BCE surpreendeu os mercados depois de sinalizar na quinta-feira, após reunião de seu conselho de política monetária em Amsterdã, que provavelmente elevaria os juros em meio ponto percentual em setembro, além do aumento de 0,25% já previsto para julho.

Frederik Ducrozet, diretor de pesquisa macroeconômica da Pictet Wealth Management, disse que "eles inverteram o ônus da prova: ou a inflação melhora ou eles decretarão um aumento de 50 pontos básicos" (0,5%).

A presidente do BCE, Christine Lagarde, durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira (9) - John Thys - 9.jun.2022/AFP

Críticos vêm acusando o BCE de estar defasado em suas medidas de combate, depois que a inflação atingiu a marca de 8,1% anuais –mais de quatro vezes acima da meta de 2% ao ano do banco central—, nos 12 meses até maio. Os planos mais recentes alinharão a política monetária da zona do euro mais estreitamente à do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, e à do Banco da Inglaterra, que já elevaram os juros diversas vezes este ano. Isso deixaria os bancos centrais do Japão e da Suíça como as duas últimas autoridades monetárias importantes a ainda manter taxas negativas de juros.

Lagarde e Philip Lane, o economista chefe do BCE, haviam declarado anteriormente que aumentos de 0,25% eram "o padrão" para as reuniões do comitê de política monetária em julho e setembro.

No entanto, a presidente do BCE enfatizou na tarde da quinta-feira que os riscos em termos inflacionários eram "principalmente de alta". Dirigentes do banco central estão cada vez mais preocupados com a possibilidade de que os aumentos dos salários e as dificuldades continuadas nas cadeias mundiais de suprimento levem a inflação a fincar raízes.

A decisão de anunciar com antecedência o aumento de julho na taxa de juros e o aumento provável de 0,50% em setembro foi tomada por unanimidade, e os defensores de uma linha mais branda se contentaram com evitar uma postura mais dura já para o primeiro aumento de juros, em troca de deixar a porta aberta a medidas mais fortes em setembro.

"Muitas das ferramentas de que dispomos se destinam a produzir mais inflação, mas agora estamos na situação oposta e precisamos fazer com que ela caia", disse Lagarde na quinta-feira, acrescentando que o BCE "manteria o rumo e a determinação".

A última vez que o banco central havia decretado um aumento nas taxas de juros foi em 2011, e sua taxa de redepósito no momento é de 0,5% negativo, depois de cair a zero em julho de 2012 e mergulhar em território negativo em 2014, quando a região enfrentou uma crise de dívida.

Os custos de captação dos governos subiram em resposta ao anúncio de uma política monetária mais dura. O título de dez anos do Tesouro alemão subiu em 0,09% ponto percentual, para 1,45%. Papéis de maior risco passaram por altas mais fortes de taxa, com o título italiano de dez anos registrando alta de 0,25% em sua taxa, para 3,62%.

Tal como planejado, o banco anunciou que encerraria seu programa de aquisição de 20 bilhões de euros em ativos por mês no começo de julho.

O BCE anunciou em comunicado que seu conselho de política monetária "pretende elevar as principais taxas de juros do banco central em 25 pontos básicos em sua reunião de política monetária em julho". O texto acrescentava que, se as perspectivas inflacionárias continuarem como estão ou se deteriorarem, "um aumento maior será apropriado na reunião de setembro".

Para além de setembro, o BCE anunciou que "antecipamos que um percurso gradual mas sustentado de altas adicionais nas taxas de juros será apropriado".

A onda de vendas nos mercados de títulos públicos sublinhou, no entanto, os problemas que o abandono do estímulo pelo BCE pode causar para países fortemente endividados, como a Itália.

Mario Draghi, antigo presidente do BCE e hoje primeiro-ministro italiano, declarou na quinta-feira, antes da reunião do conselho monetário, que a alta da inflação na União Europeia "não era completamente um sinal de superaquecimento, mas sim o resultado de uma série de choques de suprimento". Ele declarou que "continua a haver capacidade excedente na economia".

Os investidores, enquanto isso, estão ansiosos para que o BCE explique o que planeja fazer a fim de evitar o risco de repetir o desgaste sofrido pelos mercados financeiros, que levou à necessidade de resgate a diversos países, entre os quais Grécia, Portugal e Irlanda, durante a crise da dívida europeia de 2012, que quase destruiu o euro.

Lagarde disse que o BCE precisava garantir que manter posições cada vez maiores em títulos de dívida pública e que as taxas de juros mais altas não conduzam a uma "fragmentação" dos custos de captação por governos e empresas nos países membros individuais. "Sabemos como desenvolver e sabemos como colocar em operação novos instrumentos, se e quando necessário", ela acrescentou. "É algo que demonstramos no passado, e voltaremos a fazer".

A presidente do BCE declarou que o banco tinha completa flexibilidade para decidir quando e como colocar em operação suas ferramentas de "combate à fragmentação", entre as quais a capacidade de reinvestir os proventos dos títulos que estão por vencer, em um esquema de compra de títulos em valor de 1,7 trilhão de euros lançado durante a pandemia, acrescentando que "nós impediremos qualquer fragmentação".

Mas ela rejeitou apelos para que oferecesse mais detalhes sobre as circunstâncias que poderiam levar ao lançamento de uma nova ferramenta de compra de títulos, dizendo que "não existe nível específico de subida de taxa, ou de custos de empréstimo, ou de spread nos títulos, que possa deflagrar isso ou aquilo incondicionalmente".

A distância entre os custos de captação dos títulos de 10 anos da Alemanha e da Itália aumentou para 2,17 pontos percentuais —a maior diferença desde o começo da pandemia.

"É quase possível imaginar uma tomada de controle do BCE pela linha dura", disse Katharina Utermöhl, economista sênior da seguradora Allianz para o mercado europeu. "Se houve algum compromisso, ele foi no sentido de segurar a linha dura, e não a facção mais branda".

Os títulos italianos estão sendo atingidos por uma "combinação impalatável" entre a perspectiva de aumentos de juros mais fortes e uma falta de detalhes sobre novas ferramentas que ajudariam a segurar a alta nas taxas dos títulos soberanos, disse Richard McGuire, estrategista do Rabobank. "Já que não sabemos em que ponto a dor começa, o que temos é certamente um convite para que a pressão cresça".

Lagarde declarou na quinta-feira que a inflação "continuaria indesejavelmente elevada por algum tempo", depois que um total "sem precedentes" de três quartos dos itens que compõem a cesta de produtos usada para calcular a inflação registraram alta de preços de mais de 2% no mês passado.

O ritmo pelo qual as pressões de preço vêm se intensificando nos últimos meses deixou a linha dura preocupada por o BCE estar ficando para trás da curva no aperto da política monetária, e gerou apelos por medidas mais agressivas, em linha com a estratégia do Fed de elevar as taxas de juros em 50 pontos básicos a cada aumento.

Com a invasão da Rússia à Ucrânia levando a uma alta dos preços da comida e dos combustíveis para os consumidores europeus, também existe medo crescente entre os economistas de que, se o suprimento de gás natural for cortado, a zona do euro possa cair em recessão.

O BCE reduziu suas projeções de crescimento e elevou fortemente suas projeções de inflação. A inflação da zona do euro subirá dos 2,6% do ano passado para 6,8% este ano, antes de cair a 3,5% no ano que vem e a 2,1% no seguinte –e ficará acima da meta de 2% por todo o período da previsão.

Em março, o banco central tinha projetado inflação de 5,1% para este ano, 2,1% para o ano que vem, e 1,9% para o ano seguinte;

O crescimento deve ficar em 2,8% em 2022 e 2,1% em cada um dos dois anos seguintes, bem abaixo das projeções do BCE em março, segundo a instituição. Carsten Brzeski, diretor de pesquisa macroeconômica do banco ING, disse que as projeções continuavam "a ser otimistas demais, o que vai impedir que o BCE faça o que pretende" para combater a inflação.

Houve especulação sobre a rapidez com que o BCE seria capaz de começar a reduzir seu balanço, ao deixar de reinvestir os proventos de títulos que estão vencendo, no portfólio de 4,9 trilhões de euros que a instituição acumulou. Mas Lagarde disse que a questão não foi discutida esta semana e ficaria para uma próxima reunião.

O banco anunciou que reinvestimentos desse tipo continuariam "por um período prolongado, depois que as taxas centrais de juros do BCE começarem a ser aumentadas e, de qualquer jeito, por quanto tempo for necessário para manter condições de ampla liquidez e uma postura correta de política monetária"

(Tradução de Paulo Migliacci)

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