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'Para fugir de imposto, brasileiros viram empresas e aumentam desigualdade', diz economista

Livro do economista Manoel Pires mostra caminhos para uma tributação mais justa

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O Brasil é um dos países com a tributação mais regressiva do mundo, o que leva pobres a pagarem mais impostos, proporcionalmente, que os ricos. Nas últimas décadas, foram mínimas as tentativas de reverter o quadro, no sentido de uma tributação mais progressiva.

Para ajudar a qualificar tecnicamente esse debate, o economista e ex-secretário de Política Econômica Manoel Pires lançou o livro "Progressividade tributária e crescimento econômico", com a colaboração de vários autores.

A obra faz um profundo diagnóstico do sistema tributário e apresenta saídas, muitas baseadas nas melhores experiências internacionais. "O intuito é aprofundar a discussão para quando a oportunidade de uma reforma tributária aparecer", afirma Pires.

Manoel Pires - Economista, é coordenador do Observatório de Política Fiscal da FGV/Ibre e pesquisador da Faculdade de Economia da UnB; ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda
Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal da FGV Ibre e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda - Divulgação


O livro teve o apoio da Samambaia Filantropias e pode ser acessado gratuitamente no site do Observatório de Política Fiscal da FGV Ibre, coordenado por Pires.

O Brasil é famoso pela sua desigualdade de renda, mas ainda tem um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo. O que explica a falta de ações no sentido de uma maior justiça tributaria? Há um conjunto de elementos que culminam em um Basil muito desigual. O sistema tributário é um deles, além das dificuldades de avançarmos em temas como educação. Há os lobbies de grupos econômicos que geram benefícios para si e que acabam impedindo uma democratização maior do Orçamento. Há muitas explicações.

Fizemos o livro a partir desse cenário de desigualdade enorme, que após uma década e meia de alguma redução voltou a aumentar. Isso em um contexto de baixo crescimento.

O objetivo foi buscar elementos para uma reforma tributária progressiva que gere crescimento, pois é muito mais fácil distribuir renda com a economia crescendo.

Diferentemente da tributação sobre o consumo, em que já existem proposta amadurecidas e que geram pouca controvérsia técnica, no caso de um imposto de renda progressivo ainda há muita discussão, com muitas contradições sobre os efeitos dessa reforma.

Sobre qual seria o efeito econômico de tributar dividendos, ou como um imposto sobre grandes fortunas poderia se encaixar no sistema tributário.

Quais seriam os vetores para uma tributação mais progressiva e que aliviasse os impostos sobre o consumo, que pesa mais sobre os pobres? Do ponto de vista internacional, há toda uma discussão sobre como criar sistemas competitivos para as empresas. Se não acompanharmos essa tendência de redução da carga sobre o setor privado, perderemos competitividade.

Em alguns países, isso tem vindo acompanhado da ampliação da base de arrecadação, para que os governos não percam receita. O que há, tipicamente, é a tributação sobre lucros e dividendos. E o Brasil é um dos poucos países que não tributa isso, algo claramente associado à nossa desigualdade.

Em termos domésticos, a tributação da pessoa física no Brasil tornou-se muito regressiva no topo da renda. Quem está no topo paga menos [proporcionalmente] do que quem em está no meio da distribuição. Quem está no topo tem mais de 50% da renda associada a lucros e dividendos, e ela não é tributada.

Outra questão é que, dependendo da forma com você estrutura sua atividade profissional, existe o que chamamos de iniquidade horizontal: pessoas com a mesma renda sendo tributadas de forma diferente.
De certa forma, seria preciso atuar nessas duas dimensões, aumentado a progressividade do sistema e tratando os iguais de maneira igual.

Como o capital no Brasil está sendo menos tributado, as pessoas estão se tornando empresas. Isso produz uma reconfiguração do sistema e acaba gerando fontes de desigualdade, com pessoas que ganham mais sendo menos tributadas.

Uma reforma progressiva poderia gerar um crescimento maior, tributando um pouco mais quem está no topo e desonerando quem está na base.

Na tributação sobre o patrimônio, temos espaço para um imposto sobre herança [no Brasil, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação varia de 2% a 8%, dependendo do estado]. Países com maior tributação sobre patrimônio acabam verificando um crescimento econômico um pouco maior. Pois ele não distorce tanto as decisões econômicas das empresas e das famílias, à medida em que você tributa o estoque [o patrimônio, não o fluxo financeiro].

Outro item o é imposto sobre grandes fortunas. Poucos o adotam, e as simulações da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] mostram que dá para ter um bom nível de progressividade sem necessariamente usar esse imposto.

Pesquisa recente mostrou que, desde a Constituição de 1988, só 5% das propostas tributárias no Congresso foram no sentido da progressividade. Nossa voracidade tributária deu-se via consumo. Nem em um governo de esquerda e popular como o de Lula a progressividade foi adotada. O que explica? A discussão sobre impostos é sempre antipática, pois ninguém gosta de pagar. Por isso nosso intuito é aprofundar a discussão para quando a oportunidade de uma reforma tributária aparecer.

O que eu vi na discussão da reforma do Imposto de Renda no ano passado foi uma dispersão política e técnica muito grande sobre o que deveria ser o sistema tributário brasileiro.

Já as medidas que o governo Lula tomou foram no sentido de consolidar um ajuste fiscal na passagem de 2002 para 2003. Aquilo replicou o processo dos anos 1990, quando o país precisava financiar gastos crescentes. Foram medidas de caráter arrecadatório.

De certa forma, com a economia ganhando força a partir de 2005, a melhora da distribuição de renda, do mercado de trabalho e a ampliação do Bolsa Família acabaram atrasando o sentido de urgência dessa discussão.

As janelas de oportunidade para uma discussão como essa são construídas com muita dificuldade.

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