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Eleições 2022

Plano Lula 3 é sonho vago de reeditar Lula 2 e Dilma 1 em um país arruinado

PT e aliados divulgaram apenas diretrizes gerais, mas faltam realismo e ideias novas de esquerda

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São Paulo

Em um programa de governo já cabe muita coisa. O céu é o limite e o inferno lota de boas intenções quando se trata apenas de "diretrizes" de um programa, como essas que o PT e aliados divulgaram nesta terça-feira (21), "ponto de partida para um amplo debate nacional".

Na economia, as "diretrizes" são quase apenas um resumão vago de medidas dos governos petistas, em especial de Lula 2 e Dilma 1, várias das quais deram muito errado, mas agora com tempero verde e tecnodigital forte.

Alckmin e Lula em frente a grande painel vermelho com Brasil em amarelo
Geraldo Alckmin e Lula no lançamento do plano de governo da chapa encabeçada pelo PT à Presidência, em São Paulo - Amanda Perobelli/Reuters

Mais impressionante é a falta de diagnóstico preciso e de ao menos um delineamento de um plano de emergência para lidar com uma rara, se não inédita, crise econômica, fiscal e da administração pública. Se não houver um bom plano de choque para o primeiro ano, não haverá três anos seguintes.

Não há indício de prioridades (tudo caberá no orçamento) ou ideias novas. Para ser logo específico, considere-se o que dizem PT e aliados sobre o tumulto da hora: combustíveis.

Preço dos combustíveis

Lula da Silva quer "abrasileirar" (sic) o preço dos combustíveis. A política de preços vai levar em conta o custo nacional de produção, de modo a conter a inflação, e, ainda assim, vai estimular investimentos em mais capacidade de produzir diesel ou gasolina. A política de preços não pode ser "internacionalizada e dolarizada".

Está implícito que o custo nacional de produção mais baixo permitirá algum tabelamento de preços, fixados a um nível inferior ao do mercado internacional. Acredita-se, pois, que uma empresa vai vender seu produto com perdas, no mercado doméstico, e que vai investir em capacidade produtiva nova para ter perdas. Não parece possível.

Pode ser que o novo governo obrigue a Petrobras a fazê-lo, na marra ou por meio de novas leis, como o desejam Jair Bolsonaro e o centrão. A Petrobras teria então menos recursos e menos crédito para financiar investimentos em capacidade, além de render menos em impostos.

O governo colocaria dinheiro na Petrobras? De onde sai? De resto, resta sempre a questão: onde está a conta para mostrar que investir em refino é melhor (mais produtivo) do que usar o dinheiro em qualquer outra coisa?

inflação

Por falar em carestia, considerem-se as "diretrizes" para a inflação. Além de controle de preços e "estoques reguladores", deve-se recorrer a "políticas setoriais indutoras do aumento da produção de bens críticos" —o Estado gasta ou intervém para que se produza mais.

Ou seja, existiria uma inflação "estrutural", crônica ou recorrente, por escassez de produção nacional de certos bens. Para ser gentil, é discutível se o problema e/ou sua solução sejam esses.

A tentativa dos governos petistas de aumentar produção de "bens críticos" foi muita vez um fracasso. Estouros gigantescos de custos tornaram negócios ineficientes para sempre, faltou projeto, houve descaso ambiental ou corrupções (petroquímicas, refinarias, plataformas de petróleo, navios e hidrelétricas como Belo Monte, por exemplo).

juros e dólar

Como não lida com tal escassez, "o atual governo" ... "implementa uma política de juros altos, que freia a recuperação econômica e agrava o desemprego, mas com pouco impacto na inflação, gerada basicamente por um choque de custos". Ou seja, a política monetária (de juros) é "do governo", não do Banco Central e, ao menos neste caso, é ineficaz.

O governo também vai amenizar a inflação causada pelo câmbio, por causa do "preço do dólar". Talvez alguma mudança regulatória do mercado de câmbio atenue esses saltos do dólar. No mais, intervenção no câmbio deu em besteira histórica no Brasil, dos anos 1950 à desvalorização do Plano Real (1999). De resto, isso também é política do BC.

O governo vai dizer ao BC o que fazer? Vai mudar a lei de autonomia? Vai dar alguma diretriz por meio do Conselho Monetário Nacional?

teto de gastos

Um governo Lula vai revogar o teto de gastos e "rever o atual regime fiscal brasileiro, atualmente disfuncional e sem credibilidade" (fato).

O teto de gastos é ruim. Na prática, vigorou totalmente apenas em 2018 e 2019. Embora tenha contido desastre maior nesses anos, iria estourar e foi desmoralizado em 2021 por Bolsonaro. PT e aliados dizem que vão colocar algo no lugar, mas nem dão pista do quê. Mas esse será o problema crucial do primeiro ano de governo, que talvez defina seu destino.

O "regime fiscal" (regras para gastos e dívida do governo) será "crível", "sustentável" etc. Não se sabe bem como, pois haverá gasto público sem limite ou prioridade, dadas as "diretrizes".

salário mínimo, despesas, crédito

O salário mínimo vai aumentar e, com ele, os benefícios do INSS e assistenciais (a despesa do INSS continuou a aumentar desde os anos petistas e toma cada vez parte maior do Orçamento). Vão aumentar também as despesas com saúde (ora estão na mesma em relação aos anos petistas, como fatia do orçamento) e educação (que caíram), ciência e tecnologia etc. Vai também aumentar o investimento público em obras, em transporte, moradia, energia verde, internet para todos, em empresas estatais, em incentivos para a reindustrialização e até para o agronegócio (ainda mais incentivos?).

Haverá também crédito a juros baratos para a empresa nacional, além de intervenções para aumentar o "valor agregado", com apoio dos bancos estatais. Propõe-se renegociação de dívidas de famílias e empresas. Para empresa, já tem quase todo ano, o que causa uma perversão: é melhor não pagar imposto e esperar a renegociação periódica. No mais, bancos privados terão "incentivos" para renegociar (o governo vai bancar?).

Nos anos petistas, crédito baratinho não aumentou a produção industrial, que aliás estagnou nos anos Dilma, elevou a dívida pública e muita vez serviu apenas para baratear os custos da grande empresa e de fusões e aquisições, facilitando a vida de oligopólios. Quase não há menção a mudanças regulatórias (leis, normas etc.) para facilitar o investimento privado.

reforma trabalhista e tributária

Por falar em reformas, o governo quer rever a legislação trabalhista. O que se chamou de reforma foi de fato uma desregulamentação feita na marra, sem pensar em direitos (o que tende a aumentar a desigualdade). Voltar à CLT é estupidez. Ter novas leis do trabalho, não.

No entanto, quanto à reforma tributária, as "diretrizes" nem ao menos entendem o problema. Tratam de simplificar e de tornar a tributação socialmente mais justa, "cobrando de ricos" (tudo bem). Mas a reforma vai muito além.

É uma mudança para tornar mais funcional a economia de mercado. Isto é, uniformizar o quanto possível os tributos para diversos setores, sem favores, a fim de não distorcer o emprego de capital e trabalho. Para dar um exemplo simples: um investimento ineficiente pode ser feito apenas porque tem favores tributários: a empresa ganha, a economia do país, não.

PT e aliados não entendem de reforma tributária, pois. E não mencionam abertura comercial e aumento de competição (o que pode reduzir preços e custos no médio prazo).

No conjunto, fica-se com a impressão de que basta voltar aos "anos gloriosos" dos governos petistas, basta virar a chave de volta para o "bem". Tudo parece uma versão pedestre de nacional-desenvolvimentismo, com cheiro de cravo de um defunto faz quase 50 anos. É possível fazer reformas de esquerda e nada liberais. Por ora, o PT nem tentou.

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