Argentina vive semana de preços sem controle após troca de ministro

População corre para vender pesos e lojas remarcam preços em até 20%

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Buenos Aires

Supermercados com preços remarcados à mão e às pressas, lojas de equipamentos de informática trabalhando a portas fechadas, apenas para entregar encomendas já pagas em dias anteriores, sistemas de home banking travando em operações que envolvessem contas em dólares, oficinas de carros oferecendo o mesmo serviço pelo triplo do valor cobrado na semana anterior.

Após Martín Guzmán anunciar sua renúncia ao ministério da Economia, no último fim de semana, os argentinos correram para supermercados e lojas para se abastecer e viveram uma semana de preços sem controle, com reajustes de quase 20%.

A queda de braço entre o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, expôs duas visões de política econômica para a Argentina. Fernández a favor de manter a reestruturação da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e os compromissos que isso implica, como ajuste fiscal e controle da inflação. Cristina mostrando desprezo pela entidade e pedindo que Alberto "usasse a caneta" para exigir mais impostos e ajustes das empresas mais ricas do país, e que voltasse à política de emissão monetária disparada na pandemia que, se por um lado, ajudou a população mais pobre, hoje alimenta a inflação argentina, que já toca os 60% ao ano.

Mulher faz compras em supermercado de Buenos Aires, na Argentina - Luis Robayo - 6.jul.22/AFP

Guzmán havia chegado ao cargo com apoio de Cristina, mas quando passou a criticar a política de subsídios e a defender um aumento nas contas de eletricidade e gás, Kirchner se virou contra ele. As críticas vinham sendo tão duras que ele pediu demissão enquanto ela fazia um discurso no sábado passado.

Tida como um "meio-termo" entre as duas visões, a posse da sucessora, Silvina Batakis, não trouxe calma a todos. Para o FMI, sim, pois ela se comprometeu a cumprir o acordo assinado por seu antecessor. Já a população da argentina reagiu de modo distinto.

Acostumados com disparadas de preços, como na hiperinflação dos anos 1980 ou no pós-corralito de 2001, os argentinos correram para se desfazer de seus pesos. Os que podem —e são poucos– refugiam-se no dólar. Porém, desde o governo Macri só é possível comprar US$ 200 por semana de modo oficial. A opção é ir ao dólar paralelo, que aumentou mais que o dobro do oficial devido à procura. Enquanto a moeda norte-americana é vendida a 125 pesos no oficial, chega a 280 pesos no paralelo. O mercado, por sua vez, temendo e assistindo à alta do paralelo, remarca preços.

"As consequências são imprevisíveis. Se já vínhamos com uma inflação mensal alta (e anual tocando os 60%), não é agora que vai baixar. Antes tínhamos como justificativas a recessão, a guerra na Ucrânia, mas este problema é novo e inventamos nós mesmos", disse Claudio Caprarulo, da Analytica.

A reportagem havia deixado um computador no conserto na semana passada, por um valor de 60 mil pesos (US$ 470 no oficial, pouco mais de US$ 200 no paralelo). No dia combinado para a entrega, a loja estava fechada. No dia seguinte, porém, foram cobrados 75 mil pesos. A justificativa foi que o preço das peças na importação aumentou.

Em outro momento, um motorista contou à reportagem que chegou atrasado para a corrida porque precisava trocar uma correia e estava na oficina, mas acabou desistindo do serviço "porque ia sair mais que o dobro". O resto do caminho foi torcendo para a correia antiga não estourar.

Em épocas de insegurança cambiária como esta, os argentinos costumam comprar bens eletroeletrônicos e alimentos no atacado, para não ficarem na mão. Nem isso foi fácil. Lojas de eletrodomésticos também trabalharam apenas parcialmente nesses dias e com preços remarcados em até 20% —enquanto a inflação de julho, segundo as projeções, será de 6%.

O governo anunciou uma nova versão do programa Preços Cuidados, com uma lista de cerca de 1.300 itens que não poderão ser aumentados. É o bom e velho congelamento, muito criticado por economistas. "É sempre a primeira ideia do governo, e nunca funciona, mas sempre usamos, passa por colocar a culpa da economia nos donos dos supermercados e não nos responsáveis pela política econômica, claro que não funciona, é colocar um band aid em alguém que precisa de um transplante", diz o economista Fausto Spotorno.

Em sua primeira entrevista para um canal de televisão alinhado ao kirchnerismo, Batakis afirmou que haverá uma proibição de se comprar passagens aéreas para o exterior em parcelas, e pediu que as pessoas se voltem mais ao turismo dentro do país para evitar a saída de dólares.

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