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Wish vendia TV a R$ 5 sabendo que oferta era falsa para testar cliente

Site fez experimento com loja bestdeeal9, que oferecia preços inacreditáveis sem entregar produtos

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Tiffany Hsu Sapna Maheshwari
Nova York | The New York Times

Havia pechinchas inacreditáveis na loja "bestdeeal9", hospedada na plataforma de comércio eletrônico Wish, incluindo uma smart TV de US$ 2.700 (R$ 14,3 mil) sendo vendida por US$ 1 (R$ 5) e um computador para jogos anunciado por US$ 1,30 (R$ 6,9). Mas nenhuma das ofertas era real e a Wish sabia disso.

A empresa, um empório de novidades online que teve mais de US$ 2 bilhões (R$ 10,6 bilhões) em vendas no ano passado com descontos inacreditáveis, criou o "bestdeeal9" como um experimento. As ofertas que foram removidas por violar as políticas da Wish foram republicadas no "bestdeeal9" e usadas em parte para rastrear se os compradores reclamavam quando seus pedidos não chegavam.

Os funcionários que trabalhavam no projeto pressionaram repetidamente os executivos a fechar a loja, argumentando que era ilegal e antiética, segundo três funcionários familiarizados com o projeto que falaram sob a condição de anonimato. Mais de 213 mil pessoas fizeram compras na loja, conforme um documento interno visto pelo The New York Times, embora o documento não diga quantas receberam seus produtos.

Ilustração de itens a vendacom seus preços - Ariel Davis/The New York Times

​Tarek Fahmy, então vice-presidente sênior de engenharia e responsável pelo projeto, encerrou-o em 2020 depois de operar por vários meses, disseram os funcionários. Fahmy, que já deixou a Wish, não respondeu a pedidos de comentários. A Wish se recusou a comentar sobre o "bestdeeal9".

Vários funcionários disseram que o "bestdeeal9" é indicativo do tipo de prática –dar prioridade ao crescimento em curto prazo, e não ao atendimento ao cliente– que inicialmente transformou a Wish em um gigante da publicidade e do varejo, mas agora a faz tentar desesperadamente se corrigir.

Empresa atrai "metade invisível" dos americanos

Desde sua fundação em 2010, a Wish teve muitas das características de uma história clássica de sucesso do Vale do Silício: iniciada por um jovem programador e seu amigo de faculdade, ela supostamente recusou uma oferta de aquisição por US$ 10 bilhões (R$ 53 bilhões) da Amazon e foi descrita pela Recode como um aplicativo "que poderá ser o próximo Walmart".

Ela desenvolveu uma reputação como loja de pechinchas na internet, oferecendo bugigangas e coisas estranhas diretamente de fornecedores na China. Ela bombardeou os compradores com anúncios virais online de grampos para língua de plástico por US$ 1, "fraldas faciais de couro" de US$ 3 (R$ 15,9) para gatos e um punhado de minhocas por US$ 2 (R$ 10,6).

Durante algum tempo, a empresa foi a maior anunciante no Facebook e Instagram e uma das maiores no Google, gastando mais de US$ 1 bilhão em vendas e marketing no ano passado. O Los Angeles Lakers venceu o campeonato da NBA em 2020 com o logotipo azul da Wish em suas camisas, graças a uma parceria de marketing de vários anos.

A empresa contava com 1.218 funcionários no final de 2021; metade de seus seis escritórios estava na China. Na sede em San Francisco, havia almoços servidos por bufê, um bar para happy hours e festas e uma cafeteria com vista do chão ao teto do centro da cidade e da Ponte Golden Gate.

Peter Szulczewski, ex-CEO da empresa, uma vez comparou o sucesso da Wish à vitória eleitoral de Donald Trump em 2016, explicando que tanto a empresa quanto o candidato atraíram "a metade invisível" dos americanos que eram comumente ignorados por analistas políticos e as elites do Vale do Silício.
Mas a Wish desperdiçou sua promessa inicial, de acordo com entrevistas com nove ex-funcionários.

Experimentos enganosos como "bestdeeal9" afastaram os clientes, assim como o baixo padrão dos produtos e as entregas inconfiáveis. Quando o custo crescente dos anúncios a forçou a reduzir o marketing, a empresa teve dificuldade para atrair novos compradores.

A Wish agora está lutando para dar meia-volta. A empresa se recusou a liberar sua safra de executivos recém-contratados para entrevistas, mas disse em comunicado que "nos últimos seis meses a Wish passou por uma grande transformação."

"Já vimos uma tração significativa, e continuamos comprometidos em executar nossas prioridades e construir uma plataforma de crescimento em longo prazo", disse a empresa.

Mas fazer do crescimento a maior prioridade provou ser incapacitante em longo prazo para a Wish. Mesmo com controles de qualidade mais rígidos sobre produtos, comerciantes e entrega, a receita no último trimestre fiscal caiu 76% em relação ao ano anterior, informou a companhia em 5 de maio. Havia 27 milhões de usuários mensais no final do primeiro trimestre, em comparação com 101 milhões um ano antes. A empresa abriu o capital em 2020 a US$ 24 (R$ 127,3) por ação, que hoje é negociada a menos de US$ 2.

"As empresas devem evoluir e amadurecer", disse Christian Limon, que foi chefe de crescimento e diretor de marketing interino da Wish em 2016 e 2017. "A maneira mais fácil de dizer o que aconteceu é que o que funcionava para ela parou de funcionar e não evoluiu."

França barrou varejista pela venda de "aparelhos perigosos"

Os fundadores da empresa, Szulczewski e Danny Zhang, eram estudantes de matemática na Universidade de Waterloo e recrutaram seus primeiros dez funcionários no departamento de matemática da escola canadense. Em entrevista à sua ex-escola, Szulczewski descreveu a Wish como "muito inserida numa cultura de lógica". Ele e Zhang não responderam a pedidos de comentários para esta reportagem.

Depois de se formar, Szulczewski tornou-se engenheiro de software no Google e se inspirou no poderoso negócio de anúncios automatizados da gigante da tecnologia enquanto criava sua própria empresa, disse Limon.

Mas muitos desses anúncios eram apresentados a pessoas que não tinham interesse em próteses de pés ou chapéus em forma de peru assado. Era como se a Wish estivesse "jogando espaguete na parede para ver se colava", disse Jennifer M. Grygiel, professora associada de comunicação na Universidade de Syracuse.

Os consumidores reclamaram ao Escritório de Melhores Empresas sobre produtos da Wish que nunca chegaram ou estavam irreconhecíveis quando chegaram. A França, que era um dos maiores mercados da Wish, ordenou que os mecanismos de busca e as lojas de aplicativos móveis removessem a empresa de suas listagens online, citando a presença de aparelhos perigosos e outros produtos. Os comerciantes da Wish enfrentaram processos de empresas como a Peanuts Worldwide, que possui personagens da popular história em quadrinhos, alegando violação de marca registrada e falsificação.

Ainda assim, a Wish, que é administrada por uma empresa controladora chamada ContextLogic, se saiu bem no início da pandemia, já que as ordens para ficar em casa eliminaram a concorrência das lojas físicas. Mas no ano passado, à medida que os compradores começaram a sair mais e ficaram menos envolvidos com a Wish, a publicidade digital também se tornou mais cara, fazendo que a empresa reduzisse seus gastos. (Ela disse que planejava acelerar o ritmo neste verão.)

Quatro funcionários disseram que os longos prazos de entrega da Wish aumentaram ainda mais durante a pandemia, em meio a interrupções na cadeia de suprimentos. Sem informar aos clientes, a empresa começou a estender o prazo de entrega dos pedidos que estavam atrasados para evitar ter de pagar reembolsos, disseram os funcionários. Um documento interno citou o exempl o de um cliente que esperou mais de três meses por uma encomenda perdida antes que sua solicitação de reembolso fosse atendida.

A Wish anunciou recentemente mais medidas de responsabilidade para os comerciantes. Os vendedores existentes serão avaliados em métricas como avaliações de clientes, com vantagens como maior exposição para os de melhor desempenho. Os novos comerciantes (que a empresa disse que agora incluem mais vendedores fora da China) devem se qualificar para participar.

No inverno passado, a Wish contratou Vijay Talwar, ex-executivo da Foot Locker e da Nike, para assumir o cargo de CEO depois que Szulczewski deixou a firma. Funcionários disseram que Szulczewski, já uma figura distante no escritório, parecia ter praticamente desaparecido após a oferta pública inicial.

Vários funcionários disseram que trabalharam até 18 horas por dia durante a pandemia, enquanto Szulczewski, cuja mansão de US$ 15,3 milhões (R$ 81,2 milhões) em Bel Air tem vista para uma propriedade do magnata da mídia Rupert Murdoch, postava selfies sem camisa e fotos dele com figuras como o DJ Steve Aoki. A Wish e Szulczewski não comentaram.

Mas muitos veem motivos para ter esperança: Talwar entrava no escritório todas as manhãs no início de seu mandato para caminhar pelos corredores e conversar com as pessoas. Este ano, para aliviar o desgaste entre os funcionários, a Wish começou a oferecer um dia de folga a cada mês como um "dia de atualização global". A empresa também tem respondido a comentários negativos no Glassdoor, fórum online para avaliações anônimas de empregadores, com promessas de melhorar.

"Estamos passando por um novo grande crescimento", escreveu a Wish em uma avaliação, "e por muitas mudanças."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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