Descrição de chapéu dia dos pais

Licença maior para pais esbarra em falta de lei e traços culturais

Legislação prevê somente cinco dias de afastamento remunerado para os pais; cuidados com filhos ainda são atrelados a figura das mães

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São Paulo

Dos cinco dias de licença-paternidade previstos na lei trabalhista, o designer Rodrigo Menezes, 32, sente ter usufruído de apenas um. O filho, hoje com 8 anos, nasceu após uma gestação de risco e ficou internado ao nascer. De volta ao trabalho, o empregador quis descontar do salário os dias de ausência.

"Argumentei que era um direito, mas ele dizia que não. Não foi a única razão, havia outros problemas, mas com certeza pesou para que eu pedisse demissão."

Uma poupança permitiu que ele passasse os três primeiros meses dedicado aos cuidados com o filho, ao lado da esposa. O tempo compartilhado, diz, permitiu o reequilíbrio da rotina. Quando voltou ao mercado, pegou trabalhos temporários e colocações em home office.

Eric Mamoru Oishi, Miguel Koji e Joyce Aparecida
Eric Mamoru Oishi, Miguel Koji e Joyce Aparecida; ela está grávida, e ele terá uma licença mais longa pela primeira vez - Arquivo pessoal

"Com isso, participo de tudo. Levo e busco na escola, vou a reunião de pais, ao médico, e não imagino voltar para um empresa que não respeite isso", afirma. "Depois de ter sido pai, tenho ainda mais certeza de que a licença de cinco dias é insuficiente."

A relação conflituosa de muitos empregadores com a licença de pais tem origem dupla, segundo especialistas, e que se retroalimentam: uma cultural e uma financeira. Ambas sucumbem à desigualdade imposta pela legislação.

"É uma engrenagem. Há uma falsa percepção de que uma licença maior é apenas custo, mas as empresas que concedem igualdade de direitos transformam isso em investimento", diz Michelle Terni, CEO da consultoria Filhos no Currículo.

"O principal entrave [para a ampliação] é a mentalidade. Há muitos anos o cuidado cabe à mulher", afirma Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais da consultoria GPTW. "O custo é sim um entrave prático, mas o maior tem relação com nossa cultura de ver filhos atrelados à mãe."

A lei brasileira prevê 120 dias para mães e cinco dias para os pais. Esse período pode mudar se a companhia aderir ao Empresa Cidadã, que permite estender a licença-maternidade a 180 dias, e a paternidade, a 20 dias. Segundo a Receita Federal, 25.845 empresas estão no programa.

A economista e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) Cecilia Machado, que é colunista da Folha e estuda o efeito da licença-maternidade sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, defende que aumentar a licença para homens reduziria também o abandono de carreiras pelas mães;

Segundo a GPTW, que classifica as melhores empresas para se trabalhar, em 2006, 100% das companhias ofereciam aos funcionários só o mínimo previsto em lei. "Nada extraordinário e estamos falando das melhores empresas", diz Diniz.

Em 2021, o quadro muda, ainda que pouco, quando 5% das empresas disseram conceder entre um e três meses de licença-paternidade. Na GPTW, as licenças-maternidade e paternidade têm seis meses.

Mesmo nas empresas em que o direito ao afastamento já ultrapassou o mínimo obrigatório por lei, gestores de RH veem certa resistência entre os funcionários em usar o período. Relatório de 2019 do Instituto Promundo aponta que 68% dos pais não tiraram nem mesmo os cinco dias.

Na empresa NTT Ltd, somente 12, entre os cerca de 900 funcionários, pediram a licença estendida desde novembro, quando o benefício foi implantado. Lá, os funcionários podem tirar seis semanas de licença remunerada e mais dez semanas sem remuneração.

"Não nasceram só 12 crianças, claro. Sabemos que não são todos que estão usando", diz Daniela Gartner, diretora de RH.

Para ela, há na baixa adesão um pouco do perfil da NTT, que tem muitos novos funcionários, mas também o traço cultural do cuidado atribuído à mulher, vista como aquela a quem cabe lidar com a rotina pesada de um recém-nascido.

Tiemi, da Filhos no Currículo, defende, para as empresas que estudam ampliar as licenças, que elas deem exemplo a partir das lideranças, ou a mudança não sai do papel.

Para o especialista de controladoria Eric Mamoru Oishi, 36, o momento é de expectativa. Seu segundo filho deve nascer em janeiro de 2023, quando, pela primeira vez, poderá tirar uma licença maior. Serão 28 dias de afastamento remunerado e, na volta ao trabalho, dois dias serão de home office.

Eric Mamoru Oishi, 36, com o filho Miguel, 4; prestes a ter o segundo filho, ele vive a expectativa de passar mais tempo dedicado à família - Karime Xavier/Folhapress

"Acho que estarei mais tranquilo para voltar para minha rotina profissional depois de ter passado mais tempo com a família. Além disso, o modelo híbrido de trabalho, que não tive em minha primeira experiência, deve ajudar bastante."

Na Superdigital, onde trabalha há um ano, passou até por um curso para pais. "Eu e minha esposa já planejávamos ficar ‘grávidos’ novamente. Quando tive meu primeiro filho, teria ajudado bastante se tivesse tido a possibilidade de passar mais tempo em casa, principalmente se já tivesse acesso ao conteúdo do curso preparatório."

Juliana Abreu, diretora-executiva e sócia do BCG (Boston Consultin Group), avalia que as licenças prolongadas passarão a ter cada vez mais peso na retenção de funcionários e na redução da rotatividade. No BCG, homens e mulheres têm direito a seis meses.

O próximo debate a ser colocado, diz a gestora, é a diferenciação que a legislação brasileira faz entre as licenças, perpetuando a noção de que a responsabilidade pelo cuidado é das mães.

Para a advogada Caroline Marchi, sócia trabalhista do escritório Machado Meyer, a busca por diversidade nas equipes também acentuou a necessidade de paridade nos benefícios. No meio empresarial, muito dessa demanda vem da agenda ESG, sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança.

Grandes empresas como Twitter (20 semanas de licença), Merck Brasil (60 dias), Diageo (26 semanas) e Grupo Boticário (120 dias) adotaram políticas diferentes para os afastamentos parentais.

Marchi considera que a legislação não consegue acompanhar as transformações, transferindo para as empresas a responsabilidade de ajustar suas políticas. "O governo está sempre atrasado, não vê o que vai mudando na sociedade e segue impondo discriminação."

Licença-paternidade pelo mundo

  • Estados Unidos

    Não há; cabe às empresas conceder ou não

  • Japão

    Até um ano, com redução de salário

  • Suécia

    240 dias (7 meses); pais e mães solo tiram 15 meses

  • Reino Unido

    Um ou duas semanas, com redução salarial

  • Portugal

    Cinco dias após o nascimento e mais 15 dias, consecutivos ou não, nas seis semanas seguintes

A advogada Marcella Ferreira e Cruz, do Machado Meyer, diz que hoje o ônus de equalizar a duração das licenças é assumido integralmente pelas empresas, mas que a jurisprudência avança para ampliar os direitos e obrigar o INSS a contemplar outros tipos de afastamento, como a concessão de 180 dias para duas mães adotivas.

Atualmente, quem concede períodos maiores para cuidados secundários (como estão sendo chamados mães e pais que não geraram ou que não são enquadrados como titulares da licença-maternidade) lança esses afastamentos como licenças remuneradas no eSocial (sistema de escrituração), uma vez que não há previsão de outro tipo de enquadramento.

A regra do INSS para adotantes prevê 120 dias de licença, sejam homens ou mulheres. Ainda assim, um servidor federal precisou ir à Justiça para garantir o direito a 180 dias de licença. Ele foi pai a partir de uma fertilização in vitro e registrou sozinho os filhos.

Para o STF (Supremo Tribunal Federal), a jurisprudência legitima novas configurações familiares, "sempre com a finalidade da proteção integral da criança e do adolescente", disse o ministro Alexandre de Moraes na decisão.

Estudo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho diz que investimentos em licenças remuneradas para pais e mães e em serviços de cuidados com crianças e idosos poderiam gerar quase 300 milhões de postos de trabalho até 2035. Segundo o relatório, 1,2 bilhão dos homens em idade reprodutiva vivem em países onde o direito à licença-paternidade não existe.

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