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Terapia financeira: quando o dinheiro encontra os sentimentos

Ponte criada entre terapeutas e educadores financeiros ajuda pessoas com problemas emocionais ligada ao dinheiro

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Charlotte Cowles
Nova York | The New York Times

Nos primeiros dias da pandemia, Nora Herting decidiu experimentar a terapia financeira. "Eu nem sabia o que era, exatamente", disse ela. "Ouvi falar a respeito e pensei: 'Parece algo de que preciso já'."

Dona de uma pequena empresa cuja receita tinha sido dizimada pelos lockdowns, ela enfrentou escolhas terríveis entre a própria segurança financeira e a da empresa, incluindo seus 14 funcionários.

"Na época, minhas finanças pessoais e empresariais estavam inextricavelmente ligadas", disse Herting, que mora em Nova York. "Eu precisava de ajuda –não no sentido comercial, mas mais no sentido pessoal. Tipo, que decisões se alinham com meus valores? São decisões com as quais eu posso conviver?"

Colagem com a imagem da pessoa que estampa as notas de Real. A imagem da pessoa está duplicada, uma no sentido original e uma de ponta-cabeça, elas estão unidas pelos topos das cabeças. A moça no sentido original tem um feixe de luz azul que sai do seu olho e vai para o lado esquerdo da imagem aumentando conforme se afasta do rosto; a moça de cabeça para baixo tem um feixe de luz vermelha que sai de seu olho e vai para o lado direito da imagem. O fundo é amarelo claro com pequenas manchas pretas.
Ilustração - Edson Ikê

Ela procurou Amanda Clayman, terapeuta financeira com consultório particular em Los Angeles. Clayman não ofereceu aconselhamento financeiro; em vez disso, instruiu Herting a fazer uma "linha do tempo" de seu relacionamento com o dinheiro. Durante várias sessões, elas discutiram a história familiar de Herting, sua carreira e como ela se comunicava sobre dinheiro com o namorado. Então elas criaram um plano.

Primeiro, Herting reservou uma parte de suas economias para emergências e a aposentadoria. Em seguida, determinou quanto gastaria para autofinanciar sua empresa, que cria elementos visuais para reuniões.

"Eu concordei com a quantia que aceitava possivelmente perder na empresa, porque conversamos sobre isso", disse Herting. A empresa acabou se recuperando e agora opera plenamente, com todos os funcionários.

Durante anos, a terapia financeira ocupou um nicho pouco conhecido e vagamente definido. Uma de suas primeiras praticantes, Clayman tornou-se uma assistente social clínica autorizada em 2006, com o objetivo de integrar o bem-estar financeiro ao emocional.

"Eu via uma clara necessidade disso, mas não existia um caminho institucional ou um sistema para atender a essa necessidade", disse ela. "Os professores do meu mestrado não sabiam o que fazer comigo. Eu perguntava: 'Por que isso não existe?'"

Clayman finalmente descobriu que não era a única. Brad Klontz, um planejador financeiro e psicólogo, pesquisa a sobreposição entre as duas disciplinas desde o início dos anos 2000. Mas não houve reconhecimento oficial do campo até a crise financeira de 2008, quando um punhado de profissionais de saúde financeira e mental se uniram para formar a Financial Therapy Association (Associação de Terapia Financeira), que visava difundir a conscientização sobre as conexões entre psicologia e finanças pessoais.

O momento deles estava maduro. "A crise financeira ajudou a profissão de saúde mental a entender que o dinheiro é uma área de profunda preocupação para nossos clientes", disse Klontz. O problema era que muitos terapeutas não estavam preparados para falar sobre isso.

"A maioria das pessoas na comunidade de saúde mental é treinada para perguntar aos clientes sobre seu estresse conjugal, se eles conseguem dormir à noite", disse. "Não somos treinados para dizer: 'Então, e o seu dinheiro?'"

Necessidade de saber compreender as emoções

Os consultores financeiros estavam enfrentando o problema oposto. "Durante a Grande Recessão, todos os planejadores financeiros tinham clientes derretendo e emocionalmente perturbados durante as sessões", disse Megan McCoy, que lidera o programa de pós-graduação em terapia financeira da Universidade Estadual do Kansas.

"Os profissionais financeiros adoram números, respostas e soluções claras, e não sabiam como lidar com essas emoções confusas. Eles precisavam de mais ferramentas."

Hoje, essas ferramentas existem. Em 2019, a Associação de Terapia Financeira lançou um programa de credenciamento para profissionais de saúde financeira e mental para serem certificados em terapia financeira.

O curso, que dura de três a seis meses para ser concluído remotamente, abrange temas financeiros (como planejamento e orçamento imobiliário), bem como técnicas terapêuticas (como identificar comportamentos e atitudes que podem prejudicar o progresso financeiro).

Para ganhar a certificação, os alunos têm de passar num exame e prometer respeitar um código de ética, que inclui um padrão fiduciário e a proibição de vender ou ganhar comissão com produtos financeiros. A associação também formou um comitê disciplinar que faz cumprir suas regras e pode revogar ou suspender a certificação se forem violadas.

Se a crise de 2008 acendeu a chama da terapia financeira, a pandemia a encharcou de combustível. "Quando veio a Covid, havia muita incerteza e ansiedade em torno das finanças", disse McCoy. "A pandemia também diminuiu parte do tabu em torno da discussão sobre saúde mental. O resultado combinado é que a terapia financeira floresceu."

O número de alunos em seu programa de pós-graduação quadruplicou, mesmo com a queda das matrículas no ensino superior. A Universidade da Geórgia e a Universidade Creighton, em Omaha, estado de Nebraska, incorporaram recentemente a terapia financeira em seus currículos de planejamento financeiro e terapia familiar.

Traci Williams, psicóloga certificada em Atlanta, na Geórgia, tornou-se terapeuta financeira credenciada este ano. Ela se inspirou para fazer isso depois de ver como as disparidades financeiras afetaram seus pacientes no hospital durante a pandemia.

"Havia uma diferença gritante entre os que tinham e os que não tinham dinheiro, e como eles conseguiam lidar com isso", disse ela. "Quando comecei a ver a situação, não consegui desviar o olhar."

A demanda também desempenhou um papel. "Há apenas mais uma terapeuta financeira em Atlanta, e ela tem uma lista de espera de três meses", afirmou Traci.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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