Sem auxílio do governo, famílias dos EUA entram em crise

Poupança acumulada na pandemia rareia enquanto preços galopam e economia dá sinais de recessão

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Jeanna Smialek Ben Casselman
The New York Times

Kat Johnston não esperava que a pandemia a deixasse menos estressada com sua vida financeira. Afinal, ela perdeu o emprego na biblioteca onde trabalhava.

Mas, como muitos americanos, encontrou alívio inesperado para as preocupações com dinheiro: meses em casa limitaram seus gastos, e ela recebeu seguro-desemprego e dois cheques de ajuda do governo americano.

"Quando voltei ao trabalho, tinha provavelmente US$ 2.200 em economias. Sei que não é muito, mas é mais do que eu tive em um bom tempo", disse ela.

O montante, no entanto, não foi páreo para a inflação que se alastrou desde então. "Essa poupança praticamente já sumiu. Como as coisas ficaram tão caras, a vida tem sido quase de salário em salário."

Fed está tentando esfriar a economia americana aumentando as taxas de juros - Getty Images via AFP

Johnston, 31, mora na região de Dallas (Texas) em uma quitinete, e esperava fazer um upgrade para um quarto –seu gato às vezes usa sua cama como caixa de areia, então seria bom poder fechar a porta. No entanto, o aluguel está aumentando tanto a ponto de ela pensar em morar com outra pessoa.

A gasolina está tão cara que Johnston está abastecendo só um quarto de tanque por vez. Johnston gostaria de encontrar um emprego mais bem remunerado, mas não tem certeza sobre deixar um cargo seguro e embarcar numa busca extenuante num momento em que economistas e investidores alertam para uma recessão iminente.

Milhões de americanos se sentem igualmente presos à medida que suas poupanças estão baixas e o custo de vida, mais alto. Agora a economia parece prestes a desacelerar –talvez acentuadamente– de maneiras que poderão limitar o crescimento salarial e causar perda de empregos, mesmo que os preços permaneçam altos.

Mas, em vez de correr para impulsionar a atividade dando dinheiro aos americanos, como fizeram em março de 2020, as autoridades planejam uma desaceleração. Antes o problema era a pandemia; agora é uma inflação teimosamente alta, e a principal maneira que o governo conhece para resolver isso é infligir algum sofrimento econômico.

Quando a primeira rodada de programas de ajuda pandêmica começou a expirar, em 2020, os economistas alertaram para um precipício iminente que ameaçava tanto os americanos que ainda precisavam de ajuda do governo quanto a economia abalada pela pandemia, que ainda não estava pronta para se sustentar por conta própria.

Eles repetiram esses avisos quando o Congresso permitiu que os benefícios de desemprego expirassem para milhões de trabalhadores, e novamente em janeiro, quando os pagamentos mensais para famílias com filhos chegaram ao fim.

A perda desses programas foi dolorosa para muitas famílias, mas para a economia como um todo, os precipícios mais pareceram buracos. Os consumidores continuaram gastando, em parte porque trilhões de dólares em ajuda do governo permitiram que muitos americanos acumulassem pelo menos uma pequena reserva financeira –como fez Johnston– e em parte porque uma recuperação recorde no mercado de trabalho deu aos trabalhadores um aumento de renda que compensou em parte a perda da ajuda do governo.

Agora, à medida que as poupanças secam e os consumidores lutam sob o peso de preços altos e taxas de juros crescentes, as rachaduras iniciais começam a aparecer –e provavelmente aumentarão a partir daqui.

Os ganhos salariais estão abaixo da inflação há meses. Os saldos de cartões de crédito, que caíram no início da pandemia, estão subindo para um recorde. Os tomadores de empréstimos subprime –aqueles com pontuação de crédito fraca– estão cada vez mais atrasados nos pagamentos, de automóveis em particular, segundo dados de agências de crédito. Os indicadores de fome estão aumentando, mesmo com o desemprego ainda baixo e a economia geral ainda forte.

"Já é um quadro sombrio", disse Elizabeth Ananat, economista do Barnard College que estudou o efeito da pandemia em famílias de baixa renda. "A situação das famílias é muito pior do que alguns meses atrás."

Em 2020, e em menor grau em 2021, as necessidades das famílias e as necessidades da economia em geral foram alinhadas: cheques de estímulo e outras formas de auxílio do governo ajudaram trabalhadores desempregados e suas famílias a evitar despejos, ao mesmo tempo que ajudaram empresas a evitar a falência, proprietários a evitar a execução de hipotecas e cidades e estados a evitar um colapso em suas receitas fiscais.

Hoje esse alinhamento foi quebrado. Dar dinheiro às pessoas agora pode ajudá-las a pagar suas contas, mas também pode piorar a inflação ao aumentar a demanda, já que as empresas não conseguem mais produzir bens e contratar trabalhadores suficientes.

Em vez disso, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está tentando esfriar a economia aumentando as taxas de juros, tornando mais caro pedir dinheiro emprestado para comprar uma casa ou expandir uma empresa. A atividade comercial mais fraca vai desacelerar as contratações, levando a um crescimento salarial mais lento e, provavelmente, mais demissões. Também pode permitir que os bens e serviços dos Estados Unidos –limitados por mais de um ano por problemas na cadeia de suprimentos e escassez de mão de obra– alcancem a demanda, freando o aumento dos preços.

Os formuladores de políticas do Fed argumentam que essa estratégia é necessária para colocar a economia num caminho mais sustentável. Mesmo que as condições piorem, entretanto, a inflação provavelmente vai demorar um pouco para desacelerar, e as autoridades do Fed acreditam que ainda será elevada no final do ano.

Muitos progressistas inicialmente resistiram aos pedidos para que o Fed aumentasse as taxas, argumentando que o forte mercado de trabalho –e o raro poder de barganha que ele dava aos trabalhadores– valia um breve período de rápidos aumentos de preços. Isso começou a mudar à medida que a inflação piora. Alguns economistas que se dedicam a questões trabalhistas agora dizem que o Fed está certo em tentar contê-la, mas que o governo deve simultaneamente oferecer apoio às famílias que mais precisam.

"A fome das crianças não é um custo necessário a ser pago para reduzir a inflação", disse Ananat, de Barnard.

Enquanto isso, os republicanos culparam o governo Biden –e em particular o Plano de Resgate Americano de US$ 1,9 trilhão que os democratas aprovaram no início do ano passado– por agravar a inflação. Muitos economistas, também democratas, concordam que os gastos impulsionaram pelo menos parte da inflação, tornando a política de ajuda econômica ainda mais complicada.

A economia continua forte por enquanto, mas os primeiros sinais de retração estão surgindo. O crescimento do emprego, embora rápido, está diminuindo. Os pedidos de seguro-desemprego, ainda baixos, cresceram. Os despejos aumentaram em algumas cidades onde as proibições expiraram, e as vendas no varejo caíram em maio.

"Acho que estamos começando a ver indícios de que os bons tempos estão chegando ao fim para algumas pessoas", disse Karen Dynan, ex-economista-chefe do Departamento do Tesouro que agora está na Universidade Harvard. "Haverá um sofrimento generalizado."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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