Amassado, datado, fora de linha? Na loja de resgates, é negócio

As lojas de resgate de alimentos há muito são uma atração para os frugais e os aventureiros. Mas a inflação, o ambientalismo e alguns rebrandings inteligentes estão expandindo a base de fãs

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Kim Severson
Asheville | The New York Times

Em um mundo onde um pote de manteiga de amendoim custa US$ 1 a mais do que no ano passado e o preço de um litro de leite convencional chega a US$ 1,59 em algumas cidades, pagar US$ 1,49 por uma caixa gigante de flocos de arroz crocantes pode parecer uma boa ideia, mesmo que seja agosto e o cereal seja tingido de vermelho e verde para o Natal.

Na loja de resgates, negócio é negócio.

Com os preços nos supermercados dos Estados Unidos 13,1% mais altos do que um ano atrás, segundo o índice de preços ao consumidor de julho, um novo grupo de clientes descobriu as alegrias e as armadilhas de fazer compras em lojas de resgate de alimentos, onde uma caixa amassada nunca é um problema, as datas nas embalagens são meras sugestões e tentativas de marketing questionáveis saem de vista (cápsulas de café com sabor de bolinho de chocolate com creme?).

Molly Nicholie, com seu filho Charlie, 10, cuidando do carrinho, faz compras na Dickies Discount Food em Woodfin, na Carolina do Norte. Ela gasta o dinheiro que economiza em produtos locais no mercado dos agricultores - Mike Belleme - 6.ago.2022/NYT

As lojas, que trafegam no que os principais varejistas de alimentos chamam de "invendáveis", operam numa zona cinzenta entre bancos de alimentos para pessoas de baixa renda e grandes redes de descontos como a importadora alemã Aldi ou a Dollar General, que cresceu para mais de 18 mil lojas.

Com nomes como Sharp Shopper, Dented Can e Stretch-a-Buck, as lojas de resgate de alimentos têm sido uma salvação para famílias com orçamentos apertados e as naturalmente parcimoniosas. Compradores aventureiros em busca de pechinchas as usam para caçar tesouros culinários. Agora, os cansados da inflação estão se somando a eles.

Maggie Kilpatrick, uma blogueira e professora de culinária em St. Paul, em Minnesota, que tem doença celíaca, visitou uma loja de resgate de alimentos pela primeira vez em junho, depois que o custo de seus produtos sem glúten favoritos disparou. Alguém em um grupo "sem glúten" do Facebook mencionou uma loja de resgate a mais de 30 quilômetros de distância.

Algumas lojas de resgate, como Sharp Shopper em Ephrata, Pensilvânia, se parecem muito com mercearias convencionais - Steve Legato/The New York Times

"Fiquei chocada", disse ela. "Havia muitas coisas sem glúten, orgânicas e de alta qualidade que você nunca pensou que encontraria nessa pequena loja em Fridley, Minnesota."

Um pacote com duas baguetes de uma marca que ela adora costuma ser vendido por cerca de US$ 6,99. Ela pegou três por US$ 5. A manteiga vegana custava US$ 1,99, cerca de US$ 5 a menos do que ela pagaria no Whole Foods Market.

"Entendo por que as pessoas ficam viciadas nisso", disse ela.

Muitas dessas lojas são pequenas e algumas não usam scanners de preços no caixa nem aceitam cartões de crédito, por isso, ter uma visão geral das vendas em todos os EUA é um problema. Uma análise de 405.101 recibos enviados por consumidores ao aplicativo de recompensas Fetch mostrou que o número de famílias que compraram em lojas de resgate no primeiro semestre deste ano foi mais de 8% maior que no ano anterior.

O gerente da Dickies, pequena rede da Carolina do Norte, disse que as vendas aumentaram 36% em relação ao verão passado. Outros gerentes de loja relataram aumentos de dois dígitos. "Tenho visto entrar muita gente que nunca esteve aqui antes", disse Nicholas Duke, 27, gerente do que até recentemente se chamava Price Is Right nesta região turística nas montanhas Blue Ridge.

Os proprietários recentemente rebatizaram a loja de Uplifting Deals (Negócios Animadores). É parte de um plano de rebranding que eles esperam que atraia novos compradores, inclusive pessoas que antes poderiam torcer o nariz para lugares que vendem tubos de carne moída congelada por US$ 2 o quilo, limões amarelados e uma mistura de artigos, de tomates enlatados a vidros de molho de chef famoso por US$ 0,99.

"Estamos tentando melhorar a imagem e mostrar às pessoas que pode ser uma experiência de compra real", disse Duke.

Em outra reviravolta, as lojas de alimentos recuperados estão atraindo consumidores ambientalmente conscientes decididos a fazer o possível para reduzir os US$ 161 bilhões em alimentos que o Departamento de Agricultura estima serem despejados todos os anos em aterros sanitários.

Nicholas Duke, gerente de Uplifting Deals em Woodfin, Carolina do Norte, descarregando uma entrega de pão. Ele desenvolveu um apreço por lojas de resgate influenciado por sua avó, que as amava. - Mike Belleme/The New York Times

É por isso que Lynne Ziobro iniciou há dois anos o site Buy Salvage Food (Compre comida resgatada). Ela mantém um mapa nacional de lojas de alimentos recuperados e oferece orientação sobre maneiras de reduzir o desperdício.

"A maioria das pessoas que visitam meu site está procurando maneiras de economizar dinheiro em mantimentos, e espero poder conscientizá-las sobre o desperdício alimentar enquanto estão lá", disse ela.
A ideia surgiu depois que ela ficou frustrada ao ajudar um amigo a encontrar um varejista para vender suas nozes saborizadas, que a Amazon estava retirando da plataforma à medida que a data de validade se aproximava. As visitas ao seu site, disse Ziobro, mais que triplicaram desde o ano passado e hoje giram em torno de 11 mil por mês.

Um punhado de novas empresas preocupadas com o desperdício adotaram o conceito de loja de resgate online, enviando promoções em carnes e laticínios, estouros de estoque e alimentos de agricultores que poderiam ser descartados.

"Acho que a mentalidade do guerreiro contra o desperdício de alimentos anda de mãos dadas com os que buscam valor", disse Abhi Ramesh, que fundou a empresa de entregas em domicílio Misfits Market em 2018. A empresa está crescendo rapidamente e já enviou mais de 14 milhões de encomendas desde que começou.

Como qualquer comprador de resgate inteligente sabe, as datas nas embalagens de alimentos geralmente não significam muito. Seja "vender até", "consumir antes de" ou "expira em", elas se destinam a ajudar as lojas e os fabricantes a controlar o estoque e a informar aos consumidores quando um produto está com qualidade máxima.

O governo dos Estados Unidos não exige ou regula datas em nenhum alimento, exceto fórmulas infantis. A maioria dos estados tem regras sobre datas de validade de alimentos, mas elas variam muito.

No ano passado, o Congresso começou a considerar uma regra nacional uniforme que usaria apenas duas frases: "Melhor se usado até" para indicar qualidade e "usar até" para indicar quando um alimento pode se tornar impróprio para consumo. A Refed, organização que pesquisa o desperdício de alimentos, disse que um padrão universal acabaria com a confusão que leva as pessoas a gastar US$ 29 bilhões em alimentos seguros e comestíveis a cada ano.

"Não há nada de errado com alimentos recuperados ou algo que já passou da data", disse Sarah Kaplan, 29, que administra as quatro lojas de alimentos de sua família em Asheville. "Fui criada com isso toda a minha vida e não morri."

Veteranos das compras de resgate sugerem que os recém-chegados conheçam a loja e os funcionários, que podem indicar as verdadeiras pechinchas.

Confie em si mesmo e não em rótulos, dizem eles. Descubra em quais dias a mercadoria é entregue na loja e chegue cedo para obter a melhor seleção. E certifique-se de escolher uma boa loja. Elas variam de redes com cujas lojas poderiam estar em bairros ricos a mercearias com prateleiras desordenadas e legumes amassados.

"Eu disse a muitos dos meus amigos e colegas de trabalho: 'Você precisa estar disposto a verificar as coisas que não estão boas para descobrir o que está", disse Molly Nicholie, diretora executiva da Projeto de Agricultura Sustentável dos Apalaches, com sede em Asheville.

Embora ela aprecie as economias, Nicholie gosta de procurar. Durante sua incursão mais recente, encontrou meio quilo de manteiga tipo europeu embrulhada em papel alumínio por US$ 2,50. A caixa de transporte, que continha 16 quilos, foi aberta e uma embalagem rasgada, então o distribuidor vendeu a caixa inteira para um corretor de alimentos resgatados.

As corretoras de alimentos podem ser pequenas –algumas pessoas ambiciosas com um caminhão e algumas conexões em um armazém de distribuição para restaurantes. Outras são operações sofisticadas que trabalham diretamente com gigantes de alimentos como Hormel ou Mondelez.

Os produtores precisam descarregar grandes quantidades de estoque extra porque reformularam um produto ou modificaram a embalagem. Às vezes, as previsões de vendas mudaram. Os fabricantes vendem para lojas ou corretores que concordam em manter os alimentos fora do varejo normal para que a estratégia de preços e a imagem da marca não sejam prejudicadas.

Alguns donos de lojas de resgate têm relacionamentos diretos com cadeias de supermercados que precisam se livrar de alimentos que não conseguiram vender com desconto ou que se aproximam do prazo de vencimento. Alguns proprietários compram pão diretamente da pessoa que dirige uma rota de entrega local.

É um sistema imprevisível, cuja moeda é reputação, conexões e correria. E tem sua parcela de maus atores.

"Eu conheci pessoas que apagavam datas da maionese", disse David Fox, presidente da Java Holdings, liquidatária de alimentos e mercadorias em Los Angeles. Ele começou há 31 anos trabalhando para uma empresa que vendia latas amassadas de vegetais de fábricas de conservas do norte da Califórnia que foram atingidas pelo terremoto de 1989.

Hoje sua empresa tem 11 funcionários, vários centros de distribuição e a capacidade de reembalar e rotular mercadorias excedentes para esconder os nomes de marcas nacionais. Quando a pandemia interrompeu as viagens, deixando linhas de cruzeiros e companhias aéreas com toneladas de refeições congeladas e tonéis de suco de laranja, ele encontrou compradores. Quando a PepsiCo aposentou a marca Aunt Jemima em 2021 por causa de suas conotações racistas, ele liquidou 50 caminhões de melado e massa para panquecas.

"Estou viciado", disse ele. "Meu melhor amigo chama isso de cassino."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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