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Meirelles apoia Lula, mas cobra respeito ao teto de gastos

Em entrevista, ex-ministro da Fazenda ataca governo Bolsonaro e aponta risco de recessão

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Brasília

Ex-presidente do Banco Central durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ex-ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer (MDB), Henrique Meirelles já disputou uma eleição presidencial e declarou apoio ao petista nesta segunda-feira (19) dizendo ser a melhor opção caso haja responsabilidade fiscal.

Meirelles, hoje conselheiro global da Binance, a maior corretora de criptomoedas do mundo, participou de evento de campanha de Lula e Fernando Haddad (PT) em São Paulo. Ele disse esperar do presidenciável respeito ao teto de gastos e reformas macroeconômicas.

Em entrevista à Folha feita na semana passada, e atualizada nesta segunda após o evento, Meirelles falou que não recebeu convite para ser ministro da Economia de Lula.

O ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles defende apoio ao ex-presidente Lula em evento de campanha - 19.09.2022-Roberto Casimiro /Fotoarena/Folhapress

Lula é o líder das pesquisas e busca um ministro da Economia com interlocução no Congresso. Caso ele seja eleito e o senhor seja convidado, aceitará? Não perco nem um minuto tomando decisões sobre hipóteses.

Foi sondado? Não.

O senhor apoia qual candidato? Lula. A experiência que eu tive no BC [Banco Central] no governo Lula foi positiva. Apesar de declarações equivocadas [de Lula], eu espero que a realidade [das medidas a serem tomadas para a Economia] prevaleça e, prevalecendo, tenderia a achar que, se houver indicações de que ele vai seguir naquela direção [de seus mandatos passados], eu acho que é uma boa opção.

Quem tem a melhor proposta para a Economia, Lula ou Bolsonaro? As propostas variam entre serem genéricas e negativas. Pelo que está nos programas, a situação é preocupante porque eles não contemplam o que o país precisa. O próximo governo deveria basicamente fazer uma reforma administrativa bem feita e a tributária, para aumentar a produtividade do país.

Seria necessário, em primeiro lugar, uma declaração inequívoca de que, ao contrário do que está sendo dito, haverá respeito ao teto de gastos [regra que corrige o gasto de um ano pela inflação do ano anterior].

Para haver o respeito ao teto, será necessário fazer reformas fundamentais, principalmente a administrativa, para reduzir o custo da máquina federal e, também, fechar estatais que perderam sua finalidade. A partir disso você gera recursos dentro do teto para viabilizar programas sociais e investimentos mínimos.

Aí, dizem: ‘isso não é viável politicamente’. No momento em que você acha que fazer as coisas certas é inviável, então não tem solução para o país. Só acho que é viável.

Lula e Bolsonaro prometem reativar a economia por meio de avais com dinheiro público para lastrear empréstimos, algo que já ocorre via Pronampe. Este é um bom caminho? O que [os candidatos] propõem é mais uma versão eleitoreira, é aquilo de ver o governo como fonte mágica de recursos. [A proposta] é risco-governo em última análise, uma forma diferente de injetar dinheiro público. Depois, se o banco empresta com uma garantia do governo e, por alguma dificuldade, o tomador não paga, quem arca é a União. O banco não assume o risco.

O problema é que isso tem custo para todos, porque sobe inflação, taxa de juros. Se isso for feito do jeito que foi desenhado, e espero que não seja, acho que os resultados não serão muito diferentes do que já foi no Brasil, que é a recessão.

O governo diz que as medidas tomadas na pandemia permitiram um crescimento maior que o de outros países. O senhor concorda? A economia sempre se expande quando há expansão fiscal em um primeiro momento. Houve grande dispêndio de recursos não só na pandemia, mas também quando a economia já estava em plena retomada. Vamos ver o crescimento puxado pelo consumo das famílias em primeiro lugar e, em consequência disso, o crescimento da indústria.

A questão é definir quanto dura esse momento, porque o problema da expansão fiscal acima da capacidade de arrecadação, de endividamento equilibrado do país, é que, em determinado momento, sobe o risco-país, taxa de juros, a própria inflação. E isso tem efeito na economia no instante seguinte.

A equipe econômica comemora as supostas falhas nas projeções do PIB feitas pelo mercado. Os analistas não contavam com essa injeção acima do previsto de recursos públicos, nem com a concordância explícita expressa pelas áreas econômicas do governo feita abertamente para ter um resultado eleitoral melhor em função disso. A questão toda é a partir de 2023, porque não será viável a manutenção desse gasto.

Será muito difícil para o próximo presidente cortar o Auxílio Brasil, por exemplo, principalmente porque a economia ainda não retomou o pleno emprego. Está muito longe disso, apesar de uma certa melhora.
Quem está no governo e faz parte de um processo eleitoral tem julgamento quase eufórico [dessas medidas]. Quem está fora vê um problema fiscal gerando inflação e corroendo o poder de compra.

Nenhuma grande reforma foi realizada sob Bolsonaro, mas houve medidas econômicas consideradas estruturantes. Elas surtiram efeito? Algum efeito fizeram, mas não é suficiente. Houve alguma mexida no IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] e no IR [Imposto de Renda]. Mas isso não é uma reforma ampla.

Existe proposta de reforma tributária no Congresso, objeto de um acordo unânime e inédito pela primeira vez em 30 anos entre os estados e que não mexe na arrecadação e confere produtividade à economia.

As propostas dos candidatos não contemplam isso. Contemplam benesses, o que, no processo eleitoral, é compreensivo. Precisaríamos estar vivendo outro momento político e social para um programa eleitoral sério, bem-feito, com o que de fato precisa ser feito. Mas isso não seria popular e não venceria as eleições. Disputei uma eleição, apresentei uma proposta elogiada pelos analistas, mas que não era uma proposta popular. Obtive 1,7% dos votos válidos.

Qual sua avaliação sobre a redução de ICMS sobre combustíveis e serviços essenciais? É aquela história: eu resolvo fazer um sacrifício sério, mas quem vai executar é o vizinho. O vizinho corta os gastos, e eu não faço nada.

O ICMS é a principal fonte de receita dos estados, que são responsáveis por investir, com esse dinheiro, em saúde, educação e segurança. Como não podem emitir títulos de dívida, como faz o Tesouro, quando acaba o dinheiro, têm de cortar despesas, seja onde for.

O corte do ICMS foi basicamente isso. Teve efeito de queda de inflação neste ano, mas ele não atingiu a maior parte da população. Foi específica para combustíveis, com efeito limitado na economia. O
preço de grande parte das mercadorias de consumo, que afeta a população, não foi afetado [pelo ICMS]. A população segue sentindo uma inflação fortíssima.

O que pode ocorrer se o teto for flexibilizado, como apontam os dois candidatos? Os indicadores econômicos antecipam o que está acontecendo no presente. A economia já está dizendo o que acha [das propostas dos candidatos] e a avaliação é extremamente negativa.

Quando entrei no ministério [da Fazenda], o país estava numa recessão e o governo gastando muito. Mandei fazer uma avaliação correta de todas as despesas que deveriam estar no Orçamento. Isso resultou num déficit primário de R$ 170 bilhões, em 2016, que mostrava insustentabilidade. O risco-país não parava de subir.

No momento em que se começa a dizer coisas simpáticas eleitoralmente ou, pior, assumir e fazer essas coisas [gastos fora do Orçamento], o resultado é o aumento do risco. Ocorre queda de confiança, diminuição de investimento, aumento da taxa de juros, a inflação sobe e o desemprego aumenta.

Hoje temos juros elevados e a inflação acumulada até agosto é de quase 9%. É um problema da atual diretoria do BC ou as condições são muito ruins? Estamos com inflação elevada, o BC sobe os juros, contraindo a atividade econômica. Como surtiria efeito? Se, neste momento, os candidatos anunciassem que obedecerão ao teto e farão a reforma administrativa.

A política fiscal [feita pelo governo, que determina gastos ou redução de despesas] funcionando na mesma direção da política monetária [feita pelo BC, que arbitra parâmetros econômicos, como juros e inflação] faz com que a monetária seja mais eficaz. Se cada uma for para uma direção, fica complicado porque, de um lado, o BC tenta segurar e, de outro, o executivo fica empurrando. Aí fica essa situação de resultado negativo que temos.

O senhor integrou um governo do PSDB em São Paulo. Como avalia a erosão política do partido? Não acho surpreendente que um partido com a força e importância do PSDB tenha perdido um pouco o protagonismo nessa polarização.

Hoje não temos PT versus PL [partido do presidente Bolsonaro]. É Lula ou Bolsonaro. São líderes populares, duas versões de populismo. O partido não tem importância.

Isso é ruim para o processo democrático? No Brasil, o sistema partidário não é tão forte como nos países onde há voto distrital [como nos EUA].

Não estou dizendo que o voto distrital, principalmente o puro, seria viável no Brasil, com um sistema semipresidencialista. Mas esse sistema leva ao fortalecimento de partidos. [O sistema distrital] não é viável para os próximos anos, mas não há dúvida de que um sistema de votação distrital leva ao fortalecimento de partidos e isso, no longo prazo, é positivo para o país, porque evita essas distorções e diminui a criação de líderes populistas.

A Binance, maior corretora de criptomoedas do mundo, tem sido criticada por ser veículo para crimes financeiros. Por que o senhor aceitou integrar o conselho global dessa empresa? A Binance é a maior corretora de criptomoedas do mundo e criou um conselho para trabalhar por uma regulamentação [desse negócio]. A ideia é manter as moedas digitais eficientes, permitindo o controle da origem de dinheiro, como ocorre com o real ou o dólar.

O real e o dólar não foram sempre assim. Para emitir moeda, um banco tinha de ter ouro depositado nos seus cofres. Quando começou a existir moeda sem lastro, chegou a ter descontrole, houve hiperinflação na Alemanha, por exemplo.

No Brasil esse descontrole da moeda ocorreu entre os anos 1980 e início da década seguinte. Foram criados mecanismos para regulamentar a expansão da moeda. Teve metas de inflação, de flutuação cambial, de resultado fiscal, tudo isso junto é que deu estabilidade às moedas, inclusive o real.
A proposta da Binance foi exatamente fazer isso: criar uma regulamentação. Fui chamado pela minha experiência, não só no BC, mas também como membro do conselho diretor do Banco Central de Basileia, o BC dos BCs, onde discutimos a regulamentação do sistema financeiro internacional após as crises de 2007 e 2008.

Acho um trabalho importante porque não adianta fechar os olhos para o futuro. Há fake news pela internet e nem por isso fechamos os olhos para a internet.


RAIO-X

Henrique Meirelles, 77
Formado em engenharia civil pela USP, com MBA em Administração na UFRJ e Advanced Management Program na Harvard Business School, além de doutor (título honorário) pelo Bryant College. Atuou no BankBoston durante 28 anos, onde chegou à presidência global nos EUA; eleito deputado federal por Goiás em 2002; presidente do Banco Central do Brasil (2003-2011); presidente da Autoridade Pública Olímpica (2011-2015); ministro da Fazenda (2016-2018) e secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo (2019-2022).

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