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Guedes deu tiro no pé ao trabalhar por minha queda, diz presidente deposto do BID

Maurício Claver-Carone afirma que foi demitido após pressão do governo Biden por ser aliado de Trump

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Washington

O ministro da Economia, Paulo Guedes, dá um tiro no pé ao apostar em um brasileiro para a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), afirma Maurício Claver-Carone, chefe da instituição até setembro, quando foi deposto acusado de se envolver com uma subordinada —o que ele nega.

Claver-Carone afirma que caiu após negar cargos pedidos por Guedes na instituição. Na terça, Guedes rebateu as acusações (que já haviam sido feitas por Carone à TV colombiana no mês passado) e chamou o ex-presidente do BID de desqualificado.

À Folha, Claver-Carone afirma que o Brasil perdeu um aliado no banco e que não conseguirá indicar nenhum outro presidente, já que os países da região, em sua maioria liderados por governos de esquerda, não vão apoiar um candidato proposto pela gestão Jair Bolsonaro (PL).

Procurado nesta quinta-feira (13), o Ministério da Economia brasileiro afirma que o contrato de Claver-Carone foi terminado após recomendação unânime da diretoria do organismo, "referendada em votação dos governadores do banco, em resposta às conclusões de investigação independente conduzida a respeito de graves violações éticas enquanto ocupou a presidência da instituição".

Por meio de sua assessoria, a pasta declinou comentar as demais declarações feitas à Folha.

Aliado do ex-presidente dos EUA Donald Trump e diretor de assuntos para o hemisfério ocidental no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Claver-Carone chegou à presidência do BID em 2020, após o republicano pedir diretamente a Bolsonaro que apoiasse o americano.

Ele diz que sua deposição só ocorreu porque é próximo de Trump e que houve pressão da Casa Branca.

O ex-presidente do BID, Mauricio Claver-Carone - Gabriel Bouys - 11.nov.2021/AFP

O sr. afirmou que caiu por retaliações do Brasil ao negar cargos no BID para o ministro Paulo Guedes. Ele afirma que as acusações são falsas e que o sr. ofereceu cargos para se salvar. O que é verdade nessa história? Eu nunca planejei concorrer à presidência do BID. Quando eu estava na Casa Branca, no governo Trump, estavam procurando bons candidatos. Em dezembro de 2019, encontrei Guedes na Câmara de Comércio dos EUA e disse a ele para sugerir um nome, porque estávamos totalmente a favor de um candidato brasileiro. Uma das minhas funções era melhorar as relações entre Brasil e EUA.

Mas ele demorou muito. Não estava muito familiarizado com as regras internacionais e demorou muito, não sugeriu nenhum candidato.

Chega 2020 e nós dissemos que isso precisava acontecer, que estávamos perdendo tempo. Em março, ele sugeriu Marcos Troyjo. O problema com Troyjo é que ele era muito identificado com a China, por isso hoje ele está no Novo Banco de Desenvolvimento [banco dos Brics]. Nós dissemos que não nos sentíamos confortáveis com isso e pedimos outro nome.

Aí houve o encontro em Mar-a-Lago [entre Trump e Bolsonaro] e ele [Guedes] não foi. Dissemos que precisávamos de um candidato logo porque, se não, os argentinos iriam se candidatar. Finalmente no fim de abril ele indicou o banqueiro Rodrigo Xavier, que era uma excelente pessoa, obviamente qualificado, mas ninguém o conhecia. Como você vai conseguir eleger alguém assim? Principalmente em meio a tensões com a Argentina e no meio da Covid-19, onde não era possível viajar.

Com essas duas opções, muitos países pediram que eu concorresse. Guedes continuou pressionando por seus candidatos, mas o presidente Trump pediu a Bolsonaro para me apoiar, o que ele fez.

Eu assumi em outubro de 2020. Desde que assumi, eu tinha a intenção de ter alguém do Brasil no meu time. Eu sugeri Alexandre Tombini [presidente do Banco Central no governo Dilma Rousseff]. Guedes disse que de modo algum. Eu disse que sabia que ele tinha servido no governo Dilma, mas que era um tecnocrata, não era ideológico. Guedes negou e disse que sugeriria outros nomes.

Ele demorou muito de novo e me sugeriu dois nomes. Um foi Carlos da Costa [ex-BNDES], que ele insistiu muito, e eu sinceramente não me sentia confortável. Quando eu disse não, ele me sugeriu Martha Seillier [secretária do Programa de Parcerias e Investimentos do governo]. Nós começamos a conversar, eu achei que funcionaria e ofereci a vaga, mas ela não quis abrir mão do cargo que tinha no governo brasileiro, o que seria contra as regras do BID, mesmo para um período sabático, porque seria conflito de interesses.

Aí eles a nomearam como representante do Brasil no banco e abriram guerra contra mim. Guedes deixou muito claro. Eu me lembro quando fui a São Paulo [em junho de 2021] e ele me disse: "Se eu não tiver essa vaga para essa pessoa, essa vaga para essa pessoa e essa vaga para essa pessoa, não vamos te apoiar". Eu disse que não fazia troca de favores.

Além de Guedes, como era a sua relação com outros membros do governo? Por que o Brasil apoiou sua eleição? Era ótima. Eu me dava bem com todos, o presidente Bolsonaro, todos os ministros, o presidente do Banco Central. Mas Paulo Guedes, não.

O sr. não se dava bem com Guedes, nem com os argentinos e com os mexicanos. Por que o sr. fez tantos inimigos? Eu não fiz. Há 26 países na região. Eu tinha o apoio de 23. O Brasil, a Argentina e o México, por 62 anos, controlaram o banco. Eu queria apoiar os países menores. Então nomeei um vice-presidente do Equador, um do Paraguai, um de Honduras. A maioria dos países do banco são pequenos e não tem poder nenhum.

A realidade é que o Brasil não precisa do banco, é a maior economia da região. O México também não. A Argentina infelizmente precisa, porque fez uma gestão ruim da economia. Mas onde o banco pode ter um impacto grande e de fato ajudar é nos países pequenos, que sempre foram ignorados.

Como o sr. descreve seu mandato? Eu sou um economista liberal que acredita no livre mercado, como Guedes. Meu mandato no BID foi o mais bem-sucedido da história do banco. No ano passado, conseguimos US$ 23,5 bilhões em financiamento. Antes disso, o máximo havia sido US$ 17 bilhões. Consegui isso sem aumento de capital, apenas otimizando o balanço patrimonial, com mais eficiência e mobilizando mais recursos do setor privado. Os resultados falam por si só e ninguém poderá tirar isso de mim.

O que me incomoda quanto ao Paulo Guedes é que, como um liberal defensor do livre mercado, eu sempre achei que ele era intelectualmente honesto. E ele sempre tentava me ameaçar dizendo que se não conseguisse isso ou aquilo, procuraria financiamento na China. Ele deveria ter sido um aliado, mas, em vez disso, mostrou-se uma pessoa com uma visão bem limitada, e tudo o que ele queria eram cargos.

O Brasil não votou pela minha deposição porque discordava de mim, das minhas políticas ou do meu jeito de pensar. Votou porque queria ter um presidente brasileiro. Mas a realidade que Guedes não entende é que ele está fazendo um desserviço para o presidente Bolsonaro. Porque um candidato brasileiro não tem chance de ganhar.

A eleição para o BID será em novembro. Independentemente de quem ganhe em 30 de outubro no Brasil, você ainda terá a maioria dos países da região com presidentes de esquerda, socialistas. Por que eles apoiariam um candidato do Bolsonaro? Argentina, México, Chile, Colômbia, Peru, nenhum país vai apoiar um candidato de Bolsonaro. E, se Lula vencer, não assume antes de 1º de janeiro, quando as eleições para o BID já vão ter passado. No fim das contas, foi um tiro no pé.

Eu fui o maior aliado do Brasil. E agora eles terão um presidente do BID que não é brasileiro e que não concorda com as políticas econômicas do governo Bolsonaro.

E as acusações de que o sr. teve envolvimento com uma pessoa do seu gabinete? O relatório não encontrou evidências de um relacionamento atual entre mim e minha chefe de gabinete. O que o relatório diz é que houve antes de eu entrar no banco, quando as regras nem se aplicavam a mim, baseado em documentos apresentados pelo ex-marido dela no divórcio, que foram provados mentirosos. Mais importante, as regras do banco proíbem uma relação atual, e o relatório não traz nenhuma relação atual.

O sr. ainda é próximo do ex-presidente Trump? Claro.

Isso pode ter sido importante na sua deposição? Sim. Por todos os lados, há muitas histórias de más condutas dos meus antecessores. Histórias reais, não histórias difamatórias como a minha. Se eu não tivesse trabalhado antes no governo Trump, ninguém se importaria.

Esse é um banco que, 20 anos atrás, teve um escândalo histórico de pagamento de propinas para projetos de infraestrutura. Esse banco é atormentado por corrupção, clientelismo, eu já tive que interromper projetos por problemas de integridade. Essa é a única instituição financeira do mundo que em 2008 e 2009 estava exposta às subprimes, porque era gerida de uma forma muito ruim.

E agora me demitem sem justa causa, sem provar uma única regra que eu violei. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse trabalhado com o presidente Trump.

O sr. acredita que o governo Biden teve papel na sua demissão? Com certeza. Eles lideraram os esforços. Quando eu concorri à presidência do BID, Biden estava em campanha pela presidência dos EUA e eles já se manifestavam contra mim, trabalharam contra mim durante todo o tempo. Um dia, eles telefonaram para alguns dos países que eram meus principais aliados e os pressionaram contra mim.

O que o sr. vai fazer agora? Eles não podem dizer que me demitiram porque eu fiz um trabalho ruim. Meu contrato diz que eu poderia ser demitido sem justa causa, foi o que aconteceu. E você pode me demitir porque não gosta de mim, porque sou americano e você acha que um americano não deveria comandar o banco, porque eu trabalhei para o presidente Trump, porque eu sou um republicano, porque sou um cubano-americano anticomunista de Miami. Está tudo bem. Mas ninguém tem o direito de me difamar. É por isso que eu estou nesta luta, e continuarei. Meus advogados estão preparando um processo na Justiça, vou aos tribunais. Não vou deixar o banco se livrar disso. No fim do dia, os fins não justificam os meios.

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