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Financial Times

Liz Truss tornou-se uma primeira-ministra zumbi em tempo recorde

Demitir Kwarteng pode lhe comprar espaço para respirar, mas seus parlamentares ainda não confiam nela

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Robert Shrimsley

Comentarista político e editor do Financial Times no Reino Unido

De que serve Liz Truss agora? Isto não pretende ser um insulto, mas uma pergunta séria. A primeira-ministra conquistou a liderança do partido com uma agenda econômica radical que agora teve que abandonar. Além daqueles votos negativos contra seu oponente, foi essa plataforma de baixo imposto e menor Estado que garantiu a vitória. Se isso acabou –e acabou–, qual é o propósito de um governo Truss?

Ainda há a desregulamentação. Ela ainda espera ver a reforma do planejamento. Ela reafirmou seu desejo de reduzir o tamanho do Estado, mas terá dificuldades para convencer os parlamentares a aceitar cortes de gastos impopulares. Truss tem algumas posições em política externa; ela é um falcão comprometido contra a China. Sua agenda de crescimento a deixa aberta à liberalização da imigração.

Quaisquer que sejam os méritos dessas outras ideias, porém, Truss perdeu toda a autoridade, sobretudo no seu próprio partido parlamentar. Ao abandonar seus planos de conter o imposto sobre as corporações, ela agora foi forçada a adotar a estratégia econômica de seu rival Rishi Sunak –que ela denunciou absolutamente apenas algumas semanas atrás. Ela não mencionou outras possíveis reversões, sobre a redução da alíquota principal do Imposto de Renda, por exemplo, e resta saber se fez o suficiente para convencer os mercados. Ela não desistiu de seus principais pontos de vista. Nem, de modo revelador, se desculpou.

Primeira ministra britânica, Liz Truss - Peter Nicholls - 08.set.22/Reuters

É difícil ver esse reinício dar certo, porque seus deputados não confiam mais na avaliação dela. Em um partido amotinado e dividido, esse é talvez o único fato unificador. Isso significa que ela terá dificuldade para fazer qualquer coisa difícil ou impopular. Em tempo recorde, ela se tornou uma primeira-ministra zumbi.

A escala de sua derrota é ainda maior quando se considera a posição das instituições econômicas que Truss e seus aliados desprezaram. Os órgãos da ortodoxia econômica, o Banco da Inglaterra, o OBR (Escritório de Responsabilidade Orçamentária) e o Tesouro, que ela pretendia dobrar à sua vontade, agora foram fortalecidos. Tendo demitido o secretário permanente para trazer alguém menos convencionalmente focado na ortodoxia fiscal, Truss foi forçada a substituí-lo por um próximo do Tesouro. O OBR, excluído do "mini" orçamento, agora está consagrado como árbitro da disciplina. É muito difícil imaginar que qualquer governo o despreze novamente.

Isso sem mencionar o medo econômico, mais obviamente o impacto nas hipotecas. É difícil pensar em um orçamento recente que provou ser um ato maior de automutilação política e econômica. E mesmo com esse recuo ainda há trabalho a fazer para preencher o buraco de 60 bilhões de libras identificado pelo Instituto de Estudos Fiscais.

A própria inversão de rumo tornou-se cada vez mais inevitável, mas deveria ser bem-vinda. Houve sofrimento apenas para o governo e, mais importante, para o país ao continuar resistindo. Pode-se pelo menos agradecer a Truss por não lutar mais.

Ela não teve escolha a não ser demitir seu amigo e ministro, Kwasi Kwarteng, embora seja difícil pensar num começo mais desastroso para um mandato de primeiro-ministro. Uma reviravolta dessa escala não seria levada a sério com ele permanecendo como chanceler. Quando você é humilhado pelos mercados, exige-se uma penitência muito clara. Mas todos sabem que ele foi apenas o coautor dessa farsa.

E agora? O primeiro trabalho do novo chanceler, Jeremy Hunt, é restaurar a fé na economia do Reino Unido e livrar a Grã-Bretanha desse lugar onde os mercados de títulos a tratam como uma exceção entre as principais economias ocidentais. Truss tem que apoiar isso totalmente. O que significa que ele é efetivamente mais poderoso que ela.

Isso também é do interesse dos conservadores. O partido foi destruído. Suas posições atuais nas pesquisas de opinião sugerem que a eliminação eleitoral o aguarda. Felizmente, os interesses do país e os deles próprios agora se alinham ao exigir um governo sensato e fiscalmente prudente. O pensamento de que Hunt (um adulto reconhecido e apoiador de Sunak) está no comando pode acalmar os nervos, embora ele nunca tenha servido em um ministério econômico. E também há a possibilidade de instabilidade se os números 10 e 11 brigarem no futuro. [Downing Street 10 e 11 são os endereços dos gabinetes e residências oficiais do primeiro-ministro e do chanceler do Tesouro da Grã-Bretanha.]

Provavelmente é tarde demais para resgatar a reputação de competência econômica do partido —certamente deveria ser—, mas dois anos é muito tempo. Nesta fase, transformar uma derrota nas eleições gerais em mera falha seria uma conquista política.

Quanto à própria Truss, parece inimaginável que consiga se recuperar. O país e seus parlamentares puderam ver, e parece improvável que mudem de ideia. Ela é uma comunicadora ruim, sua estratégia está em cinzas e ela demonstrou uma avaliação terrível. Mesmo que fosse substituída, o eleitorado tem o direito de formar uma opinião sobre o partido que a escolheu.

Sacrificar Kwarteng pode lhe dar algum tempo (embora não necessariamente), mas é muito difícil que seus parlamentares a deixem liderá-los na próxima eleição. Seu desempenho na entrevista a jornalistas foi muito fraco e deixou muitas perguntas sem resposta. A trama continua, embora as complexidades tanto de demiti-la quanto de garantir que a pessoa certa assuma o controle possam retardar o processo.

Mas a menos que consiga encontrar rapidamente uma resposta para o que ela traz à mesa, Truss não vai durar. O momento pode não estar claro, mas o final parece inevitável.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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