Discurso de Ilan Goldfajn no BID se alinha ao de Lula nas áreas social e ambiental

Economista disputa a presidência da instituição, mas candidatura foi prejudicada por petistas e não recebeu apoio do presidente eleito

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Brasília

Combater a fome, promover a cooperação entre países, fomentar crescimento com inclusão social, diversidade e preservação ambiental. A defesa desses temas ancoraram o discurso e a apresentação do economista Ilan Goldfajn para o conselho de governadores do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

A exposição faz parte do processo da eleição do presidente do banco, que será concluído no próximo domingo (20).

Ex-presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn; economista concorre à presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) - 22.01.19 - Ueslei Marcelino/Reuters

O BID é considerado o maior e mais antigo organismo financeiro multilateral do mundo e financia projetos de desenvolvimento econômico, social e institucional na América Latina e no Caribe. Tem 48 países membros e sede em Washington (EUA). Foi fundado em 1959, por iniciativa de alguns países latino-americanos, liderados por brasileiros durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). O Brasil, no entanto, nunca presidiu a instituição.

Ilan, que foi presidente do BC (Banco Central) na gestão de Michel Temer, é o primeiro brasileiro com chances de conquistar a vaga. Apesar de as suas propostas serem alinhadas com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo eleito não apoia a candidatura, que foi apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e se mobilizou para tentar adiar a eleição.

O BID não acatou o pleito e manteve a data original.

A Folha teve acesso ao texto da apresentação de Ilan, que foi antecipado pelo jornal Valor Econômico. As propostas do economista são convergentes com as dos petistas em todos os pontos.

"É fundamental alcançar um crescimento equitativo, sustentável e inclusivo. Esta é a única maneira de atingir simultaneamente sustentabilidade econômica e social, e enfrentar os desafios da migração", afirmou Ilan em seu discurso.

"O banco deve fomentar o desenvolvimento, ancorado em reformas estruturais e investimentos em infraestrutura física e digital sustentável, com foco na integração econômica e com o objetivo de tornar a região mais competitiva, ao mesmo tempo em que reforça o tecido social e preserva o meio ambiente", afirmou.

Logo no começo de seu discurso, Ilan destacou o papel da instituição para preservar "o espírito de cooperação" na América Latia e Caribe e da região com o resto do mundo. Também destacou que "a insegurança alimentar é um tema urgente".

"A ênfase deve ser colocada na prosperidade regional compartilhada e considerar a diversidade e experiências únicas na região", afirmou ele.

O economista reafirmou em diferentes momentos o papel social do BID.

"Combater a pobreza, melhorar a educação e os serviços de saúde fazem parte do mandato central do Banco", afirmou. "Isso é particularmente importante em uma região onde as sociedades têm a percepção de que não estão recebendo serviços do setor público, como destacou a pandemia."

Parte da apresentação foi reservada à discussão de gênero. Segundo Ilan, o BID ocupa uma posição estratégica para apoiar políticas públicas voltadas à igualdade e diversidade, particularmente em educação, saúde e acesso a empregos formais.

"Para isso, são necessárias ações customizadas voltadas para a inclusão de mulheres, indígenas e comunidades tradicionais, afrodescendentes, pessoas com deficiência e LGBTQI+", disse ele. .

Outro tema abordado com destaque foi a defesa do crescimento econômico ambientalmente sustentável e a importância de o banco ampliar ações na agenda climática, inclusive com apoio à integração regional de energia verde.

"O BID deve assumir um papel de liderança em ajudar os países a abordar as questões da mudança climática e estar pronto para enfrentar de forma ágil o impacto dos recorrentes desastres naturais na região", afirmou.

"Isso pode ser alcançado por financiar a transição para uma economia de baixo carbono e apoiar a implementação de esforços liderados pelos países para alcançar os objetivos do Acordo de Paris."

Ilan reforçou que o BID é estratégico para a inserção da região no atual contexto global, pois, com o devido apoio, os países podem "fornecer energia acessível, confiável e verde e contribuir para a segurança alimentar regional e internacional, enquanto conserva os seus abundantes recursos naturais e biodiversidade. Mas esse papel não é garantido, tem que ser conquistado."

Houve uma ênfase também na importância de a instituição atuar para mitigar a distância tecnológica entre nações mais desenvolvidas e alguns emergentes.

"Defendi o uso da tecnologia como uma fonte importante de prosperidade em minhas funções públicas anteriores. Desta vez, se me sinto honrado em ser eleito, não será diferente", destacou ele na fala.

"O Banco tem um papel importante a desempenhar no apoio desenvolvimento tecnológico, incluindo a expansão dos serviços digitais e a promoção de uma economia digital regional."

Ilan deixou claro que o apoio a questões sociais e ambientais não exclui o papel do banco em apoiar o setor privado, e reforçou que o BID tem instrumento para fomentar um espaço saudável aos negócios.

"O banco deveria promover novas oportunidades para o desenvolvimento do setor privado, incluindo parcerias público-privadas, e apoiar um ambiente favorável ao investimento", afirmou. "Respeitar o Estado de Direito é fundamental para atrair investimentos e alcançar desenvolvimento e inclusão social."

Segundo o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o governo eleito não tem nada contra Ilan, mas discorda da forma como o governo de Jair Bolsonaro (PL) encaminhou o nome do economista.

O ex-ministro confirmou à Folha que enviou um email à secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, pedindo que o pleito fosse adiado por 45 a 60 dias. A iniciativa foi antecipada pelo Brazil Journal.

"O Bolsonaro lançou uma candidatura quando estava próximo ao segundo turno, podendo perder, e perdeu. E quis impor um nome sem buscar apoio de outros países", disse Mantega. O ex-ministro participava do grupo de transição de governo como voluntário. Nesta quinta-feira (17), renunciou, alegando que sua presença criava dificuldades para a nova gestão de Lula.

Na terça-feira (15), o economista e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que apoiou a eleição de Lula e é cotado para ministro da Economia, disse que governo eleito deveria apoiar Ilan.

"O nome do Ilan teve aceitação muito grande dos países latino-americanos de forma geral, e acho que seria uma grande adição para o Brasil", disse em conversa com jornalista em evento em Nova York (EUA)

"Defendo a ideia de que o novo governo deve apoiar o Ilan, que é um nome excelente, e não entrar numa questão de filiação partidária de ‘vamos nós escolhermos’. É um nome que representaria muito bem o Brasil no governo Lula".

Para ser eleito, o candidato a presidente precisa do apoio de países que representem mais de 50% dos direitos de voto e também da maioria entre os membros da América

A negativa do governo eleito em apoiar o economista criou uma saia justa com os países membros do BID que não querem se indispor com Lula. Conforme relatos ouvidos pela Folha, no entanto, os apoiadores de Ilan intensificaram contatos para fortalecer a candidatura nessa etapa final e acreditam que o brasileiro preserva o favoritismo.

Também estão na disputa Cecilia Todesca Bocco, nomeada pela Argentina; Gerard Johnson, indicado por Trindade e Tobago; Gerardo Esquivel Hernández, via México; e Nicolás Eyzaguirre Guzmán, pelo Chile.

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