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Chico Whitaker

Carta às vítimas do golpe do consignado da Caixa

Será que estamos todos no Brasil tão carentes da capacidade de indignação?

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Chico Whitaker

Arquiteto e urbanista e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

Estamos todos quase acostumados, no Brasil, a nos defender de centenas de modalidades de pequenos e grandes golpes —pela internet ou sequestrados para esvaziar nossas contas num terminal bancário. É um processo de invenção continua, por espertinhos e grandes espertalhões organizados, às vezes com técnicas extremamente sofisticadas, de novas modalidades para tirar dinheiro dos incautos, a cada dia que passa.

Somos continuamente surpreendidos por pedidos de atenção com novos golpes —quem não recebe avisos da polícia, e até de bancos, e não desconfia que também esses avisos são novos golpes? Não é portanto de estranhar que, de repente, tenha tomado forma um tremendo golpe dado pelo próprio governo!

Fila em agência da Caixa no bairro Bonsucesso, na zona Norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/ Folhapress


Falando então com as vítimas do espertalhão-mor de nosso país: quem avisa amigo é. Muita gente nos diz que este golpe vai deixar muitos brasileiros desesperados com a dívida que dele resultará quando pararem de receber o Auxilio Brasil. Mas dizem também que o objetivo de Jair Bolsonaro (PL) e de seus cúmplices neste golpe é vergonhosamente imediato: fazer com que os que se considerem beneficiados tenham a gratidão de reeleger, neste domingo (30), o atual presidente da República. Se tiver resultado, terá sido o mais gigantesco estelionato eleitoral que já vimos por aqui!

Muitos de vocês seguramente receberam com alegria a notícia da concessão, pela Caixa Econômica Federal, de "empréstimo consignado" aos beneficiados pelo Auxilio Brasil –aliás, também impunemente antecipado. Segundo a Caixa, seu aplicativo para recebê-lo teve, entre os dias 11 e 20 de outubro, 206 milhões de acessos! O banco teve até que suspendê-los, no dia 21, para "manutenção do sistema", totalmente afogado... E também porque, naturalmente, em terra de golpes, um chama o outro, e começaram a se multiplicar as reclamações pela cobrança de taxas não esperadas e vendas casadas.



Quem entrou nas filas que se formaram certamente ficou feliz com a perspectiva de receber dinheiro (até R$ 2.582!) para saldar dívidas, comprar coisas que esperavam a vez e até a comida que já estava faltando. Mas parece que nem todos perceberam que não se tratava de um auxílio sem contrapartida, mas de um empréstimo, que poderá ser de até R$ 3.840. Ou seja, algo pesado a reembolsar. Pelo que terão pago para quitá-lo (em 24 parcelas de R$ 15 a R$ 160), também R$ 1.259 de juros.

Tudo com um pequeno detalhe: essas parcelas serão descontadas automaticamente do Auxilio Brasil. Mas a distribuição deste auxílio está previsto de agosto a dezembro deste ano. Ou seja: depois, sem esse auxilio a partir de janeiro de 2023, a quitação deverá sair, evidentemente, do bolso do "beneficiado".


Será que estamos todos no Brasil tão carentes da capacidade de indignação —dos que estão assim claramente vitimados por essa "operação eleitoral" ainda em curso aos que se pretendem acima de sofrimentos como o desemprego e a fome e se ocupam com a necessária defesa da democracia— que já não somos capazes de denunciar esse golpe a todo o país e votar em massa, no dia 30 de outubro, contra a continuidade no poder de uma verdadeira quadrilha?

Sem precisar ir tão fundo como condenar o atual presidente e seus comparsas pela política de mentira, violência, morte e ódio que instauraram em nossa terra —que neste último domingo (23) foi claramente demonstrada por um de seus asseclas mais furiosos—, será que não vemos mais como punir pelo menos pelo voto os crimes de Bolsonaro frente à pandemia, ou a multiplicação de golpes de toda a sua família, como ao acumular dinheiro para comprar 150 imóveis? Será que nos deixamos dominar pela banalização do inaceitável e já não temos força para gritar um estrondoso "basta"?

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