Eduardo Leite prepara privatização do saneamento em meio a disputa jurídica e ameaça de greve

Justiça do Trabalho suspendeu o processo nesta quinta em resposta a ação de sindicato

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Porto Alegre

Em meio a um imbróglio jurídico que interrompeu o processo pela segunda vez nesta semana, o Governo do Rio Grande do Sul recebeu nesta quinta-feira (15) as propostas de compra da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), empresa pública estadual que presta serviços de abastecimento de água e saneamento a 317 dos 497 municípios gaúchos.

Horas depois de o governo receber as propostas, a Justiça do Trabalho suspendeu o processo em resposta a ação do sindicato dos trabalhadores do setor, o Sindiágua-RS. Se não for revista, a decisão vale por 90 dias.

A entidade já havia obtido liminar interrompendo a privatização junto ao Tribunal de Justiça gaúcho, a qual havia sido derrubada na quarta-feira (14).

Assim, é incerto o leilão marcado para 20 de dezembro na B3, em São Paulo. O edital prevê a venda de um lote único de 630 milhões de ações por um valor mínimo de R$ 4,1 bilhões.

Homem de cabelos curtos castanhos, barba castnha, paletó escuro e camisa branca
O governador reeleito pelo Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), durante o evento em São Paulo - Marcelo Chello - 8.dez.2022/Folhapress

Caso o leilão se confirme, o Sindiágua ameaça entrar em greve, o que pode comprometer serviços de abastecimento entre o Natal e o Ano Novo. Mesmo que o leilão aconteça, a assinatura do contrato só poderá ser firmada após o julgamento dos recursos do sindicato pela Justiça.

Desde a campanha eleitoral, o governador Eduardo Leite (PSDB) defende que a Corsan —assim como as já privatizadas CEEE-D, de energia elétrica, e Sulgás, de gás natural— é uma das empresas cuja "privatização se impunha ao estado" por ser incapaz de cumprir obrigações legais de prestação de serviço e investimento.

No caso da Corsan, elas estão previstas no Marco Regulatório do Saneamento Básico, lei de 2020 que determina que, até o final de 2033, 90% da população tenha coleta e tratamento de esgoto. Conforme o Governo do RS, esse número para os municípios atendidos pela Corsan gira em torno de 20% e, para atingir a meta, seriam necessários R$ 13 bilhões em investimentos.

Ao não cumprir as metas, a estatal estaria sujeita a rompimentos de contrato com as prefeituras, prejudicando ainda mais a saúde financeira da empresa.

"No último governo, ampliamos de 16% para cerca de 20% do tratamento. Ou seja, o atestado de que a meta é inatingível com a capacidade de investimento da empresa vem de um dos governos que mais investiu", declara o secretário da Casa Civil, Arthur Lemos Júnior, que será mantido no segundo governo Leite e capitaneia o processo.

Outro complicador do marco para a busca de investimentos, conforme o governo, é a impossibilidade das empresas públicas de buscarem financiamento de agentes como o BNDES.

O Sindiágua-RS, entidade que ingressou na Justiça contra o leilão e obteve a liminar derrubada na quarta-feira (14), contesta o cenário apresentado pelo Governo do Estado.

Segundo o sindicato, os números do Piratini ignoram obras em andamento ou previstas, parcerias e programas já desenhados pela Corsan em governos passados —como o de implementação de fossas sépticas individuais em localidades distantes— que poderiam atingir 77% de tratamento até 2033. A meta de 90%, portanto, seria factível se houvesse busca de investimentos.

"O que nós estamos assistindo é uma estatal sendo embalada para vender e fazer caixa para financiar um mandato de sucesso. O futuro da prestação de serviço de distribuição de água e tratamento, assim como a exploração de um recurso natural do estado estão completamente em segundo plano", diz Arilson Wunsch, presidente do Sindiágua.

O sindicato alerta também para uma potencial debandada de prefeituras que hoje são clientes da Corsan, que estariam apenas aguardando a concretização da privatização para justificar as rescisões com a estatal e buscarem eles mesmos novos parceiros na iniciativa privada. Conforme o sindicato, há pelo menos dois consórcios de municípios —nas regiões do Litoral Norte e no Planalto Médio— articulando negociações conjuntas pós-privatização.

Para manter a Corsan atrativa a potenciais compradores, o estado ofereceu aos municípios clientes da companhia a extensão do tempo de contrato dando em troca as ações da própria empresa às vésperas de ela ser vendida. Foram assinados 76 aditivos de contrato. O número é pequeno diante dos mais de 300 municípios hoje atendidos pela Corsan, mas correspondem a cidades responsáveis por 52% do faturamento atual da empresa e incluem nove dos 10 maiores municípios atendidos pela estatal.

Segundo o sindicato, mesmo os aditivos são passíveis de contestação na Justiça, dado que não teriam sido aprovados pelas câmaras municipais das cidades em questão. O Sindiágua alega ainda que a privatização coloca aumentos de tarifa inevitáveis no horizonte.

A companhia deixaria de usufruir de isenção fiscal e não poderia mais fazer uso de ferramentas como o "subsídio cruzado", quando a tarifa mais cara paga por usuário em uma região mais fácil de ser atendida subsidia a de outro, cujo serviço é mais difícil e oneroso. O governo discorda.

"O cálculo da tarifa não tem relação com o serviço ser prestado por uma empresa pública ou privada. Não é isso que mais incide [sobre a tarifa], mas sim a eficiência da empresa. Ela poderá oferecer uma tarifa melhor por ser mais eficiente, especialmente na gestão, e o poder público terá a obrigação de cobrar a boa execução do serviço", diz Lemos Júnior.

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