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Por que as big techs se apaixonaram pelas Bolsas?

Acordo da Microsoft com a Bolsa de Londres segue os movimentos da Amazon e do Google

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Nikou Asgari Kaye Wiggins Richard Waters
Londres e San Francisco | Financial Times

As big techs estão se aproximando dos mercados de capitais. A parceria anunciada nesta semana entre a Microsoft e a LSEG (Bolsa de Valores de Londres) é a terceira aliança formada em pouco mais de um ano.

Em novembro de 2021, o Google gastou US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) e assinou um contrato de computação em nuvem por dez anos com a CME, de Chicago.

A AWS (Amazon Web Services) e a Nasdaq de Nova York fecharam um acordo semelhante no mesmo mês e, na semana passada, a Nasdaq concluiu a transferência de uma de suas Bolsas de opções dos EUA para a AWS.

Para as Bolsas, as vantagens são claras. "Estamos construindo produtos juntos, vamos comercializar juntos", disse David Schwimmer, executivo-chefe da Bolsa de Londres. "Trata-se de nossa capacidade de dados e análises."

Logo da Bolsa de Valores de Londres exibida em tela de smartphone e, ao fundo, o logo da Microsoft - Dado Ruvic - 12.dez.2022/Reuters

O grupo de software dos EUA Microsoft ajudará a LSEG a levar sua infraestrutura para sua nuvem, o que lhe dará maior poder de processamento e permitirá que a empresa agregue seus dados com maior rapidez e flexibilidade.

"Ir para a nuvem é muito importante, pois eles precisam se capacitar para a próxima geração de recursos de computação", disse Niki Beattie, diretora-executiva da consultoria Market Structure Partners. Ela acrescentou que, sem isso, "será difícil avançar no ritmo".

O negócio de dados e análises da LSEG é o alicerce da empresa, gerando 2,4 bilhões de libras (R$ 15,5 bilhões) em receitas no primeiro semestre de 2022. Seus clientes, que incluem gerentes de fundos, analistas, traders e banqueiros de investimento, usam seus dados para tomar decisões. A LSEG diz ter dados sobre empresas que representam 99% da capitalização do mercado mundial, bem como preços e números econômicos de 165 países.

"A Microsoft tem inteligência artificial e algoritmos, eles têm dados exclusivos e a infraestrutura para manipular e criar produtos com isso. É razoável presumir o crescimento da receita", disse um dos 20 maiores investidores do LSEG.

A parceria também poderia desenvolver um "assassino da Bloomberg"? Mais de 40 anos depois que Michael Bloomberg fundou sua empresa de dados, seu terminal homônimo continua presente em todos os pregões. O produto rival Eikon, adquirido pela LSEG por meio da aquisição da Refinitiv por US$ 27 bilhões (R$ 142,5 bilhões), está perdendo popularidade.

Uma função apreciada do terminal Bloomberg é seu aplicativo de mensagens. A Microsoft e a LSEG pretendem criar uma nova plataforma unificada de bate-papo e dados, combinando o sistema de mensagens Teams da Microsoft com a análise da bolsa.

"As pessoas usam o Bloomberg principalmente por causa da função de bate-papo e da criação desse ecossistema comunitário... essa é uma parte importante dos mercados financeiros institucionais", disse Ben Quinlan, executivo-chefe da consultoria Quinlan and Associates. Mas ele acrescentou que os clientes da Bloomberg são fiéis, e há muito tem sido difícil conquistar sua participação de mercado.

Uma pessoa próxima ao LSEG disse que seria errado pensar nisso como a próxima fase da guerra terminal. "Claro que a Microsoft melhorará a interface do usuário do Eikon, mas esse não é o grande prêmio, essa guerra nunca será vencida", disse a pessoa, observando que o Eikon gera uma proporção relativamente pequena da receita da Refinitiv, cerca de US$ 1 bilhão.

Em vez disso, essa fonte disse que a visão interna da LSEG é que as vendas por terminais cairiam porque há menos operadores humanos. A luta futura seria o "encanamento de dados" por meio da nuvem, alimentar com dados os programas computadorizados que fazem a negociação –e alimentar com dados os sistemas sob medida que os bancos constroem para si mesmos.

Aqui, a Microsoft tem a vantagem de outro produto que existe desde o início dos anos 1980: seu aplicativo de planilha Excel. Ao integrar os dados financeiros do LSEG ao Excel, as empresas pretendem usar algoritmos para ajudar os analistas a criar modelos financeiros, gráficos e apresentações em um só lugar dentro do Microsoft Office.

"É um conjunto de propostas bastante ambicioso", disse Ian White, analista da Autonomous Research, acrescentando que "seria uma oferta de tecnologia competitiva e melhor integrada que aborda parte dos empecilhos".

Então, o que há para os grupos de tecnologia? Existe o aspecto financeiro. A Microsoft espera gerar US$ 5 bilhões (R$ 26,4 bilhões) em receita por meio da parceria de dez anos, com um gasto mínimo de US$ 2,8 bilhões (R$ 14,7 bilhões) garantido pelo LSEG. A Microsoft também está comprando uma participação de 4% no LSEG e assumindo um assento no conselho.

Os provedores de nuvem também veem a proximidade com as Bolsas como uma ajuda para garantir negócios com milhares de empresas financeiras relacionadas. A Nasdaq, por exemplo, tem muitos clientes de infraestrutura que dependem dela para negociação, compensação e liquidação, o que significa que eles também contarão com a AWS.

"Haverá oportunidades para realmente formarmos novos relacionamentos", disse Scott Mullins, diretor-administrativo de serviços financeiros mundiais da AWS. "Existem alguns mercados onde ainda não temos infraestrutura, e teremos a oportunidade de expandir", acrescentou.

Beattie, da MSP, disse: "Os provedores de nuvem definitivamente querem aprender mais sobre mercados financeiros, e a compensação é que eles consigam estipular um gasto mínimo em suas plataformas, garantindo assim receitas futuras. Provavelmente foi crítico para a Microsoft conseguir esse tipo de acordo quando suas concorrentes já tinham algo fechado".

As parcerias não são exclusivas –os analistas dizem para evitar ser apanhado na mira dos reguladores. Espera-se que os legisladores observem de perto o crescente interesse das big techs pelos mercados de capitais globais, especialmente porque um punhado de empresas de computação em nuvem administra a maior parte do mercado. Os serviços de computação em nuvem da Amazon, Microsoft e Google tiveram uma participação de mercado combinada de 66% globalmente no terceiro trimestre deste ano, segundo o Synergy Research Group.

O Banco Internacional de Compensações alertou em julho que uma crescente dependência das instituições financeiras do software de computação em nuvem fornecido por algumas grandes empresas tecnológicas poderia ter "implicações sistêmicas para o sistema financeiro".

"A nuvem alterou a ideia do que é um [fornecedor] estratégico", disse Lee Sustar, analista da empresa de consultoria Forrester Research. "Quando a nuvem se torna o veículo para toda a sua TI, é um tipo de desafio qualitativamente diferente."

As empresas do Reino Unido que terceirizam seus dados para provedores de nuvem devem cumprir as regras da FAC (Autoridade de Conduta Financeira), inclusive ter um plano caso a empresa de computação em nuvem sofra um apagão.

Alguns estão preocupados que a crescente presença das empresas de tecnologia dos EUA na infraestrutura que sustenta os mercados financeiros globais possa evoluir para um desafio maior, inclusive elas se tornarem as próprias Bolsas.

Por enquanto, elas procuram ganhar dinheiro com a venda da infraestrutura de nuvem, "portanto, não pretendem competir com seus clientes, mas em longo prazo elas desejam dominar o conhecimento" e, portanto, podem expandir, disse Beattie.

Em outubro, a FAC do Reino Unido começou a buscar opiniões sobre o papel das big techs nas finanças.

Sheldon Mills, diretor-executivo de consumidores e concorrência da FCA, está avaliando as ameaças competitivas e disse: "Isso é vital quando consideramos o papel das grandes empresas de tecnologia no fornecimento de infraestrutura tecnológica essencial, como serviços em nuvem".

É uma avaliação que aponta como as bigs techs poderão futuramente tentar aproveitar esse novo interesse pelas Bolsas e seus dados. "No momento, eles precisam um do outro, mas em longo prazo o fornecedor amigável poderá se tornar uma grande ameaça", disse Beattie.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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