Aliados de Lula recuam em valor da PEC da Transição para tentar aprovar texto

Relator da proposta deixa brecha para liberar emendas ainda em 2022

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Brasília

A equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aceitou reduzir o impacto da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição —principal aposta para o pagamento do Bolsa Família— em R$ 30 bilhões, além de encurtar o prazo para envio de um novo arcabouço fiscal.

A proposta foi colocada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) após conversa com o relator do texto, Alexandre Silveira (PSD-MG), e Lula. O relatório apresentado por Silveira reduz o prazo de vigência da PEC de quatro para dois anos, mas autoriza o gasto de até R$ 198 bilhões.

"Eu fui conversar com o presidente eleito e dizer pra ele quais eram as proposições que estavam aqui. As nossas inquietações, as nossas divergências, estão basicamente em três pontos. O envio do novo arcabouço fiscal, que já foi concordado e nós reduzimos em seis meses, até o final de junho", afirmou Wagner.

O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, o relator-geral do Orçamento, Marcelo Castro, e o senador Alexandre Silveira durante entrega da minuta da PEC - Pedro Ladeira - 16.nov.22/Folhapress

"Concordamos com a redução de R$ 30 bilhões. Evidentemente que a equipe nova preferia que a redução não fosse de R$ 30 bilhões, fosse de R$ 20 bilhões. Eu estou aqui já assumindo a responsabilidade na tentativa de chegarmos a um acordo de aceitar R$ 30 bilhões", completou.

O senador afirmou que não há acordo, no entanto, sobre a duração da PEC —parte dos senadores quer que o programa fique de fora do teto de gastos apenas no ano que vem, ante os dois anos apresentados por Silveira.

O relator apresentou uma segunda versão do relatório após o intervalo da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) incluindo o vale-gás na lista de programas que ficam dispensados de compensação fiscal no ano que vem. O benefício no valor de R$ 110 para a compra do gás de cozinha acaba neste mês.

Em acordo com líderes do Congresso e o PT, o relator deixou uma brecha para que a PEC também possa abrir espaço no Orçamento de 2022. Com isso, há margem para que o governo de Jair Bolsonaro (PL) libere emendas parlamentares que estão bloqueadas por causa do aperto fiscal.

A articulação para usar a PEC de Lula para destravar as emendas de aliados de Bolsonaro foi revelada pela Folha em novembro.

A PEC foi proposta pela equipe de Lula, que espera aprovar o texto no plenário do Senado nesta quarta (7). Diferentemente do texto original, que previa colocar o Auxílio Brasil (que será rebatizado de Bolsa Família) fora do teto de gastos, Silveira propôs um aumento de R$ 175 bilhões na limitação de despesas.

A ideia é que esse valor seja usado para manter o benefício social no valor de R$ 600 e pagar mais R$ 150 por criança até seis anos.

No entanto, o texto do relator não coloca um carimbo no valor de R$ 175 bilhões. Portanto, se Lula gastar menos com o programa social, poderá usar a sobra desse montante em outras áreas.

Esse modelo é de interesse do PT, que já vê dificuldade em implementar nos primeiros meses o benefício adicional de R$ 150 por criança no Bolsa Família.

Outro dispositivo permite investimentos adicionais quando houver receitas extraordinárias, até o limite de R$ 23 bilhões —na prática, pelo texto inicial, o extrateto seria de R$ 198 bilhões. O relator retirou a trava de que essa medida valeria apenas a partir de 2023.

Com isso, segundo técnicos e líderes partidários, há espaço para que o dispositivo comece a valer já neste mês e libere recursos no Orçamento para as emendas de relator –controladas pela cúpula do Congresso e usadas como moeda de troca em negociações políticas.

Antes da sessão da CCJ, Silveira negou que tenha participado de negociações para destravar emendas de relator. Segundo ele, a antecipação foi incluída para que o governo atual consiga fechar as contas —como mostrou a Folha, o Ministério da Economia teme o risco real de que falte dinheiro inclusive para o pagamento de aposentadorias.

"Eu não tive nenhuma participação nessas negociações sobre o que chamam de orçamento secreto, e eu chamo de emendas de relator. O que tem no relatório, na verdade, é para se discutir na CCJ valores para fechar o exercício deste ano porque há um déficit. Esse governo não tem números para fechar o país do ponto de vista fiscal e isso é muito sério."

Antes da conversa com Lula, Silveira apontou que o governo eleito pretendia apresentar um novo arcabouço fiscal até o final de 2023 "com o objetivo de garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico". Segundo Wagner, o prazo será reduzido para seis meses.

"Trata-se da previsão de uma lei complementar para instituição de regime fiscal sustentável (um novo arcabouço fiscal), inspirada na PEC nº 34, de 2022, que deverá ser encaminhada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional até 31/12/2023", escreveu.

"Importante destacar um ponto que vai atrair a convergência nesse projeto. Eu me debrucei completamente e com muito afinco sobre os números do Orçamento de 2022 e 2023. Se nós repetirmos exatamente a execução orçamentária de 2022, nós precisamos de R$ 148 bilhões para executar os mesmos investimentos em 2023", disse.

"Ou seja, nós não estamos saindo daquilo que foi o governo Bolsonaro em 2022. Se ele tivesse ganhado a eleição, ele teria que fazer a mesma coisa. Ou então teria que passar o aperto que está passando agora no final do ano. E ainda assim precisando achar soluções porque não consegue fechar as contas públicas."

A PEC prevê a liberação de espaço no Orçamento para que Lula consiga cumprir promessas de campanha, como o valor mínimo de R$ 600 para beneficiários do Bolsa Família e o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo.

Inicialmente, a equipe de transição do novo governo defendia que o programa de transferência de renda fosse excepcionalizado do teto de forma permanente (sem prazo definido). O texto protocolado pelos aliados de Lula no Senado previa a exclusão do Bolsa Família do teto por quatro anos.

Mesmo com o recuo, líderes do Congresso resistiam a dar esse cheque para Lula gastar durante todo o mandato. A avaliação da maioria dos partidos era de que a medida enfraqueceria o poder de barganha da Câmara e do Senado com o novo governo.

Por isso, como mostrou a Folha no fim de novembro, o PT já admitia ceder para o prazo de dois anos após a cúpula do Congresso e líderes partidários concluírem que a PEC só teria chances de passar nesse formato.

Uma ampliação de despesas na magnitude pretendida pelo PT (R$ 198 bilhões), sem compensação com elevação de receitas ou corte de outros gastos, teria como consequência a elevação do déficit das contas em 2023.

O Orçamento projeta oficialmente um rombo de R$ 63,5 bilhões, mas o atual governo atualizou essa estimativa para um número menor, embora ainda negativo em R$ 40,4 bilhões.

A existência de déficits públicos indica que o governo está financiando despesas por meio de emissão de um volume maior da dívida brasileira. O custo fica próximo da taxa básica de juros da economia, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

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