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A vida pós-demissão de profissionais de tecnologia no Brasil

Empresas desligaram mais de 1.300 empregados em janeiro

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São Paulo

Acostumados a trocar de trabalho por opção, muitos profissionais brasileiros do setor de tecnologia se viram, pela primeira vez, na posição de demitidos, na onda de mais de 1.300 cortes em startups do país.

O desafio pessoal reflete um novo momento da área no Brasil e no mundo. Enquanto durante a pandemia houve um boom de negócios de tecnologia, com consequente aumento da demanda de mão de obra qualificada para a área, o cenário agora é mais pessimista.

"Nunca me aconteceu isso. Eu sempre acabei mudando para uma outra oportunidade que surgia que fosse mais adequada à minha realidade", diz o especialista em segurança da informação Céu Balzano, 27.

Céu Balzano, um homem trans, usa um notebook da Apple em sua casa. Aparece em primeiro plano e sem foco a parte de trás de uma tela. Ao fundo, há uma rede na varanda, com uma árvore de natal dourada ao lado do portal.
Desligado do Nubank, Céu Balzano continuou a trabalhar na própria empresa, enquanto procura outra vaga CLT na sua área - Danilo Verpa/Folhapress

Segundo dados da pesquisa de emprego Caged, relativa ao mercado formal, o número de postos em informação e comunicação cresceu 23,9% desde 2020 —a categoria apresenta a quarta maior geração proporcional de empregos, entre outras 19.

No entanto, em dezembro de 2022, o saldo de vagas no setor recuou pela primeira vez desde o início da série histórica, em 2020. No mês, houve perda de 3.630 postos, em um estoque de 1,13 milhão.

Até essa onda recente de desligamentos, a notícia era que o Brasil não tinha profissionais suficientes para a área. A Folha conversou com alguns profissionais de tecnologia que, pela primeira vez, se viram desempregados.

Céu Balzano, especialista em segurança de dados

O coordenador de segurança da informação Céu Balzano recebeu a notícia da demissão do Nubank em 12 de janeiro. Além de gerir a sua área, ele —um homem trans— apresentava os vídeos da série SOS Nu, publicada no canal da fintech, com dicas para evitar fraudes e golpes na internet.

"Fui desligado em uma ligação de telefone com meu gestor, que durou cinco minutos", diz o especialista em segurança. "Não teve um feedback do que eu produzi nesses mais de dois anos ou qualquer chance de reconsiderar a decisão da empresa".

Balzano não ficou desamparado, já que tem uma empresa que presta serviços de segurança da informação. Produziu, por exemplo, uma campanha de conscientização para uma rede social.

A maior preocupação do engenheiro após a demissão é voltar a ter plano de saúde, já que passou por cirurgia bariátrica em 2022 e é pai de uma criança com deficiência visual. O Nubank estendeu a cobertura médica do ex-funcionário por um mês além do dia do desligamento.

Procurado, o banco digital respondeu que não comenta casos específicos em respeito ao sigilo de seus funcionários. "Os eventuais desligamentos não interferem no nosso ritmo de contratações, reiterando que a empresa segue contratando no ritmo adequado para seus planos de negócios em 2023", afirmou em nota.

Nesta terça-feira (31), o Nubank anunciou a demissão de 40 funcionários. Na ocasião, afirmou que aumentou seu quadro de funcionários de 6.000 para 8.000 pessoas em 2022 —os cortes seriam ajustes de acordo com as necessidades do negócio e de seus clientes.

Embora diga que não tenha recebido a demissão humanizada que esperava, Balzano afirma que foi acolhido por colegas da instituição, que o ajudaram com indicações.

O especialista em segurança da informação também publicou relato sobre o fim do vínculo no LinkedIn, visualizado meio milhão de vezes.

O reconhecimento de seu trabalho nas redes sociais rendeu a Balzano sete processos seletivos, inclusive em empresas tradicionais. Ele disse que a experiência do desligamento o fez valorizar mais a estabilidade de um negócio mais consolidado.

A única restrição do engenheiro para novos empregos se refere a ambientes transfóbicos. Balzano reconhece que no Nubank pôde assumir a identidade masculina e se orgulha de seu trabalho na startup, que ainda considera disruptiva. "Meu relato diz respeito somente ao desligamento".

O novo posto veio ainda nesta semana: foi contratado por uma firma uruguaia, para a qual trabalhará remotamente.

Nicholas Baraldi, desligado em corte global

A Rappi desligou, em 10 de janeiro, os cinco membros da equipe de analistas de dados com foco em gestão que mantinha no Brasil. As dispensas foram todas comunicadas por videoconferência, já que o time operava em trabalho remoto.

Ao todo, o corte atingiu 84 pessoas, na operação brasileira de 1.779 funcionários, segundo dados do LinkedIn. Os demitidos conseguiram dimensionar a redução de postos, pois a empresa enviou o email de dispensa sem ocultar os destinatários em cópia. Um deles era Nicholas Baraldi, 26, desligado pela primeira vez.

Baraldi é um homem branco, de cabelo curto e barba aparada. Veste camiseta preta. A foto é de busto para cima.
Analista de dados desligado da Rappi, Nicholas Baraldi, 26, busca posto de engenheiro de dados - Arquivo pessoal

A lista de emails permitiu que os ex-empregados da Rappi organizassem um banco de talentos dispensados pela startup, com nome, cargo, tempo de experiência na empresa, perfil no LinkedIn e portfólio.

Procurada por email e telefone, a Rappi não respondeu aos questionamentos da Folha.

Assim como Balzano, Baraldi tem conseguido avançar em processos seletivos. Formado em engenharia mecatrônica, ele cita diversas competências no currículo e tenta encontrar uma vaga de engenheiro de dados, posto que, em média, remunera melhor do que seu antigo cargo.

Segundo o engenheiro, a própria Rappi não auxiliou seus profissionais a se recolocarem. Ele diz que tem recebido ofertas no LinkedIn, de onde veio a proposta do emprego anterior, e já participou de três processos seletivos. "Um tinha salário maior, o outro pagava mais ou menos quanto eu recebia como analista para ser engenheiro de dados".

Baraldi espera encontrar uma vaga de celetista. Não faz questão de que a empresa seja conhecida ou do porte da Rappi, apenas quer continuar trabalhando com tecnologia. "Migrei para essa área porque gostava do que estudei na graduação, mas faltou identificação com o serviço no chão de fábrica".

Felipe Linhares, demitido durante intercâmbio

A passagem pelas empresas de tecnologia e startups também pode impulsionar o currículo, como foi para o especialista em marketing digital Felipe Linhares, 36.

Ele acabou na seguradora digital Pier, após experiências como social media de bandas, como Skank, e produtor na BH FM, rádio mineira do Grupo Globo.

Na seguradora, Linhares começou administrando as redes sociais, mas foi, na sequência, deslocado para a área de relações públicas. "Trabalhando em startup eu descobri novas competências", relata.

Homem branco, vestido com calça jeans e blusão azul, com listras à altura do peitoral. Ao fundo, há vista para a cidade de Nova York
O comunicador Felipe Linhares trabalhava na seguradora digital Pier até ser dispensado no início deste ano. Ele está em intercâmbio nos Estados Unidos - Arquivo pessoal

O comunicador, entretanto, diz ter sido surpreendido pela demissão, já que está em intercâmbio no estado norte-americano do Missouri. "Eu tinha me planejado em torno desse emprego, e a empresa sabia da minha situação".

Conforme Linhares, a Pier tem garantido todos os direitos trabalhistas, estendeu o plano de saúde por mais dois meses e ofereceu uma orientação de progressão de carreira para os profissionais desligados —foram 111, cerca de 39% da folha de pagamento da seguradora.

Procurada, a Pier afirmou que a reorganização do seu quadro de colaboradores é fundamental para uma nova fase de crescimento da companhia, para garantir alta rentabilidade e reduzir despesas. Adicionou que também estendeu o acesso à plataforma de saúde emocional Zenklub e ao Gympass por dois meses.

Com a indicação da Pier e de ex-colegas, Linhares participa de processos seletivos e até recebeu uma oferta de emprego. O problema foi o modelo presencial do trabalho numa agência de publicidade paulistana. "Minha prioridade agora é concluir o curso em Saint Louis".

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