Acionistas sinalizam aporte de R$ 7 bi na Americanas e reunião com bancos termina sem acordo

Valor a ser injetado pelos bilionários Lemann, Telles e Sicupira foi considerado insuficiente por credores

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São Paulo

A reunião dos bancos credores com a Americanas, na manhã desta quinta-feira (16) em São Paulo, terminou sem acordo. Antes mesmo das 11h da manhã, as instituições financeiras deram sinal negativo para as conversas, diante do impasse no valor a ser aportado pelos acionistas de referência –os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.

Donos de 31% do capital da varejista, os fundadores da empresa de private equity 3G Capital sinalizaram que iriam aportar R$ 7 bilhões –R$ 1 bilhão a mais do que havia sido indicado por Sergio Rial, ex-presidente da Americanas, na reunião que conduziu com os bancos em 13 de janeiro, representando o trio de bilionários.

O valor, contudo, é considerado insuficiente pelos bancos para tapar o rombo contábil de R$ 20 bilhões nos balanços da Americanas, que entrou em recuperação judicial em 19 de janeiro com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões. As instituições financeiras acreditam que um aporte de R$ 15 bilhões por parte do trio, que até o final de 2021 controlava a Americanas, seria suficiente.

três homens brancos e grisalhos, de terno
O trio de bilionários da 3G Capital, Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. - Divulgação

Havia uma expectativa de avanço nas negociações desta quinta-feira, já que, pela primeira vez, um representante dos bilionários participaria da reunião –Roberto Thompson Motta, sócio do trio na no 3G Capital. Mas a única mudança foi um incremento de R$ 1 bilhão sobre a proposta trazida por Rial.

A maior dívida da varejista está nas mãos dos bancos privados. Os débitos com as instituições financeiras somam R$ 19,5 bilhões, sendo o Bradesco o maior credor (R$ 5,1 bilhões), seguido por Santander (R$ 3,6 bilhões), BTG (R$ 3,5 bilhões), Itaú Unibanco (R$ 2,7 bilhões) e Safra (R$ 2,5 bilhões). Também estão na lista os bancos públicos Banco do Brasil (R$ 1,6 bilhão) e Caixa (R$ 500 milhões).

Em fato relevante divulgado no início desta tarde, a Americanas confirma a realização de reuniões com bancos e outros credores financeiros. A Folha apurou junto a uma fonte a par das negociações que a reunião com os bancos foi a primeira do dia –e envolveu apenas banqueiros, não os respectivos advogados. Mas a varejista continuou em negociações com outros credores nesta tarde.

"Rothschild & Co, seu assessor contratado para interagir com esses credores, apresentou proposta contemplando, principalmente, um aumento de capital em dinheiro, com suporte de seus acionistas de referência, no valor de R$ 7 bilhões de reais (considerando o financiamento DIP já aportado que seria convertido em capital), recompra de dívida por parte da companhia da ordem de R$ 12 bilhões e a conversão de dívidas financeiras no montante total de cerca de R$ 18 bilhões, parte em capital e parte em dívida subordinada", diz o comunicado.

A Americanas reconhece, porém, que não houve acordo "até o momento". "A companhia espera continuar mantendo discussões construtivas com seus credores em busca de uma solução sustentada que permita a continuidade de suas atividades."

Dívida subordinada é a última que recebe

Não por acaso os bancos teriam ficado indignados com a proposta da varejista. A ideia de converter parte dos R$ 18 bilhões em dívidas subordinadas envolve um risco bem maior, uma vez que que este tipo de dívida fica em último lugar na lista de prioridades de pagamento, em caso de insolvência. Por isso, os juros cobrados pelos bancos para aderir a esta modalidade são maiores.

A proposta fala ainda em recompra de R$ 12 bilhões em dívidas. A Americanas lançaria um programa para adquirir de volta títulos emitidos por ela no mercado, que estão nas mãos de fundos e investidores. Mas a empresa teria que estabelecer condições e valores para essas recompras, que precisam ser aceitas pelos detentores dos papéis.

Na visão dos bancos, os acionistas devem injetar um capital relevante na Americanas e não propor um empréstimo.

Os acionistas aportaram, efetivamente, R$ 1 bilhão por meio do empréstimo DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), e esperavam captar a mesma quantia com credores ou outros interessados no mercado financeiro, o que não aconteceu. Neste tipo de empréstimo, só concedido em recuperações judiciais, se a empresa sai do processo, o investidor se torna um acionista. Caso contrário (se vai à falência), o investidor é privilegiado, recebendo antes de todos os outros credores da recuperação judicial.

Para as instituições financeiras, da forma como foi proposto, o financiamento parece uma forma de os acionistas aportarem dinheiro às custas dos credores. No DIP, a empresa costuma dar uma garantia para atrair investidores. Mas, no caso da Americanas, foi proposta apenas uma remuneração de 128% do CDI, sem qualquer garantia.

Uma fonte a par das negociações informou à Folha que os bancos estão muito incomodados por perceber a estratégia do trio de bilionários: conduzir as negociações de tal forma que as instituições financeiras sejam responsabilizadas no caso de um acordo não acontecer –o que, inevitavelmente, levaria à falência da empresa.

O desenhista das operações de risco sacado

Novidade na mesa de negociação desta quinta-feira, Roberto Thompson não é apenas sócio dos maiores acionistas da Americanas, a quem conhece desde 1986, quando foi trabalhar no banco Garantia (que pertencia a Lemann).

Thompson é membro do conselho da Ambev e da RBI (dona do Burger King), outros negócios do trio de bilionários.

Na Americanas, o executivo teve posição relevante, dando a última palavra na área financeira. Participou por décadas de comitês internos e do conselho de administração da varejista, do qual se desligou em 2020.

Segundo uma fonte que trabalhou próxima ao executivo nesta época, Thompson respondia por todas as operações da Americanas que envolviam bancos –contratação, definição das taxas etc. Partiu dele o desenho das operações de risco sacado fechadas com os atuais bancos credores.

Também chamadas de "adiantamento a fornecedores", ou "forfait", uma prática comum no varejo, as operações de risco sacado estão no cerne do escândalo contábil da Americanas.

Para as instituições financeiras, não há dúvidas que houve fraude contábil para inflar os balanços da varejista e, consequentemente, o valor das ações da empresa –o que beneficiou diretamente acionistas e diretores cuja remuneração variável estava atrelada a ações, uma prática muito comum nas empresas administradas pelo trio de bilionários.

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