Lira cria grupo para reforma tributária na Câmara e debates devem começar após Carnaval

Debates devem começar após o Carnaval e servirão como teste de fogo para articulação do governo Lula

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Brasília

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), formalizou nesta quarta-feira (15) a criação do grupo de trabalho para discutir a reforma tributária, com a indicação de seus 12 membros e a fixação de um prazo de 90 dias para as negociações, prorrogáveis por igual período caso haja solicitação do colegiado.

O tema é uma das prioridades do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que aposta na medida para melhorar o ambiente de negócios e impulsionar o crescimento.

A agenda também servirá como um teste de fogo para a articulação política do governo, num momento em que a equipe econômica busca desfazer ruídos e ampliar a confiança do mercado.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que instituiu grupo de trabalho para debater reforma tributária - Pedro Ladeira - 31.jan.2023/Folhapress

Embora a necessidade de uma reforma tributária seja consenso entre lideranças políticas e empresariais, ainda há uma série de fios desencapados nessa negociação, com setores fazendo pressão contra parte das propostas defendidas pelo Ministério da Fazenda.

Mesmo com a instalação do grupo, a primeira reunião do grupo só deve ocorrer na segunda-feira após o Carnaval, no dia 27 de fevereiro. Só então o coordenador, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), e o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), discutirão um cronograma de trabalho.

O ato assinado por Lira cria o colegiado e designa 12 integrantes, um de cada partido —todos eles homens. O objetivo é "analisar e debater" a PEC (proposta de emenda à Constituição) 45, apresentada em 2019 pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

A tramitação usual de uma PEC é passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que analisa se ela é admissível, e por uma comissão especial, que discute o mérito da proposta. Depois, ela precisa ser votada no plenário da Câmara em dois turnos, e então segue para o Senado.

A PEC 45 propõe a unificação de cinco tributos —PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS— e já passou pela CCJ e pela comissão especial, mas não houve apoio político do então governo Jair Bolsonaro (PL) para seu avanço.

Com a retomada da pauta, a opção de Lira foi instituir um grupo de trabalho, em vez de uma nova comissão especial. Esse expediente é usado com alguma frequência pelo presidente da Câmara e segue regras mais flexíveis.

Em uma comissão, os membros são designados de acordo com a proporção de representantes de cada partido na Câmara. Há também um número regimental de reuniões a serem feitas antes de se votar um parecer.

No grupo de trabalho, essas regras não precisam ser seguidas. O PT, que elegeu 68 deputados, tem um único representante, assim como o PSC, que tem cinco parlamentares na Câmara.

Reginaldo Lopes, que representa o PT e vai presidir o grupo, minimiza essas questões e afirma que o amadurecimento do tema no Congresso permite a adoção da via mais célere. "O grupo de trabalho tem mais um papel de articulação, de coordenar os debates e apresentar um texto ao plenário com condições de aprovação", diz.

Como o grupo de trabalho não tem poder regimental e há restrições para alterar uma PEC no plenário, o texto consolidado a partir dessas negociações precisará ser protocolado em forma de uma nova PEC e apensado à proposta de 2019. O texto do grupo de trabalho ganharia a preferência na hora da votação.

Um dos nós a serem desatados pelo colegiado envolve a Zona Franca de Manaus, que teria sua manutenção ameaçada diante da proposta de unificação de tributos e extinção de benefícios fiscais.

Com apenas oito deputados na Câmara, a bancada do Amazonas emplacou três indicações no grupo de trabalho da reforma, num indicativo de que haverá forte pressão para manter os benefícios da Zona Franca.

"O governo precisa se entender entre eles mesmos. O presidente Lula, das vezes que ele foi ao Amazonas, se comprometeu não apenas em manter a Zona Franca de Manaus, mas a ampliar o benefício. Já o Ministério da Fazenda fala totalmente o contrário, que vai acabar com incentivos fiscais, imposto único com cobrança no destino e não na origem, e isso é o mesmo que acabar a Zona Franca, pode fechar o estado do Amazonas", diz o deputado Saullo Vianna (União Brasil-AM), integrante do grupo de trabalho.

O parlamentar defende a previsão de um crédito presumido para os produtos elaborados na Zona Franca de Manaus —assim, eles poderiam abater o crédito do valor do tributo a ser pago.

A bancada de São Paulo, por sua vez, está representada por quatro parlamentares. O estado é o mais rico do país e, por isso, exerce grande influência no debate.

Um dos entraves são as grandes cidades, inclusive paulistas, que têm no ISS (Imposto Sobre Serviços) uma grande fonte de arrecadação e, por isso, resistem à unificação dos tributos e à migração da cobrança para o destino (ou seja, onde a transação ocorre, e não na origem, onde o prestador de serviço está instalado).

O deputado Jonas Donizette (PSB-SP), que já presidiu a FNP (Frente Nacional dos Prefeitos), afirma que o grupo precisará dialogar com os prefeitos e também com o setor de serviços, que teme aumento de carga tributária.

"Vou servir de um canal de diálogo. Vou pedir para os prefeitos fazerem uma proposta, e vou fazer uma mediação do governo, pois também tenho papel de vice-líder do governo", diz Donizette. "A intenção é fazer acontecer a melhor reforma possível possível. Sempre lembro de uma frase: o ótimo não pode ser inimigo do bom. Já começamos com descrédito, toda vez que teve uma tentativa, não deu resultado satisfatório", afirma.

Apesar das resistências, ele não vê a discussão sobre o ISS como algo intransponível. "O governo está interessado e quer abrir diálogo. E é primeiro ano de governo. A hora é agora, o momento é esse, acho que está bem amadurecida a ideia de todo mundo querer a reforma", diz.

O relator, Aguinaldo Ribeiro, demonstrou otimismo com a aprovação da proposta. "Toda estratégia vai ser estabelecida na conversa de segunda-feira após o Carnaval. Estou muito otimista", afirmou.

"Vamos estabelecer o plano de trabalho em consonância com aquilo que será determinado pelo presidente da Casa, Arthur Lira, que certamente estará articulado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e com o Executivo, o ministro Haddad, o próprio secretário [extraordinário da Reforma Tributária] Bernard Appy, para que se defina esse calendário e como nós vamos trabalhar", disse.

O advogado Fernando Saboia, que já foi secretário-geral adjunto da Mesa Diretora da Câmara, afirma que um grupo de trabalho tem mais flexibilidade e pode ser mais facilmente controlado pelo presidente da Casa, enquanto uma comissão tem seus integrantes indicados pelos líderes dos partidos e eleição para a presidência.

As reuniões da comissão são públicas, enquanto as do grupo de trabalho podem ser ou não.

Apesar do ganho de agilidade, ele se diz cético sobre a entrega de resultados concretos pelo grupo. "Tem mais chance de não funcionar, pois os partidos que não foram ouvidos vão sempre querer discutir tudo de novo", afirma.

Donizette, por sua vez, garantiu que o grupo vai trabalhar para dar transparência às discussões e dialogar com os setores e com os demais parlamentares. "Esse debate não vai ser feito entre quatro paredes. As sugestões dos deputados serão bem-vindas."

Veja o nome dos integrantes do grupo de trabalho da reforma tributária

  • Reginaldo Lopes (PT-MG)
  • Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)
  • Saullo Vianna (União Brasil-AM)
  • Mauro Benevides Filho (PDT-CE)
  • Glaustin da Fokus (PSC-GO)
  • Newton Cardoso Junior (MDB-MG)
  • Ivan Valente (Psol-SP)
  • Jonas Donizette (PSB-SP)
  • Sidney Leite (PSD-AM)
  • Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
  • Vitor Lippi (PSDB-SP)
  • Adail Filho (Republicanos-AM)
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