Fazenda negocia flexibilizar condições de pagamento na MP do Carf

Ministro costura alternativa para evitar derrota em medida que integra série de iniciativas de ajuste fiscal

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Brasília

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) recebeu sinal verde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para articular mudanças na MP (medida provisória) publicada pelo governo há pouco mais de 15 dias que altera regras do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais).

As mudanças são negociadas diante da constatação dentro do próprio PT de que há risco de derrota no Congresso caso o Executivo insista na proposta original. Entre os motivos, está o fato de que os parlamentares deliberaram a favor das regras vigentes até o começo do ano em lei aprovada e sancionada há pouco tempo (em 2020) e, portanto, teriam pouca disposição para referendar uma alteração em sentido contrário.

O Carf é um órgão da Fazenda formado meio a meio por representantes da União e dos contribuintes, e julga (na esfera administrativa) as contestações de empresas a cobranças de impostos da Receita Federal. O órgão acumula atualmente um estoque de R$ 1 trilhão em processos a serem decididos.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista em Brasília
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Desde 2020, o Congresso aprovou em lei a determinação para que os julgamentos que terminassem empatados no Carf passassem a ser considerados favoráveis aos contribuintes. Ou seja, extinguiu-se o até então existente "voto de qualidade" (que decidia para um lado ou para outro nesses casos).

O Ministério da Fazenda vê a alteração feita em 2020 como excessivamente penosa para as contas públicas e, em meio à necessidade de procurar medidas de ajuste fiscal diante da expansão de gastos contratada para 2023, retomou o voto de qualidade por meio de uma MP —que tem força imediata de lei, mas precisa ser referendada pelo Congresso em quatro meses (caso contrário, caduca).

Diante do risco de derrota, Haddad deve começar a articular já a partir desta segunda-feira (6) junto ao Congresso uma flexibilização na MP. O ministro discutiu o tema na quinta-feira (2) com Lula no Palácio do Planalto, em encontro que contou com a presença do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e recebeu aval para encaminhar um acordo com empresários que altera a proposta.

Houve outra reunião com o grupo nesta sexta-feira (3), e uma negociação nesse sentido deve ser fechada na segunda. A proposta, encabeçada pelo empresário João Camargo, do grupo Esfera Brasil, e pela Abrasca (associação de companhias abertas, que reúne gigantes como Ambev e Americanas), prevê que, em caso de empate, a empresa possa pagar a dívida sem multas e juros, apenas com a correção monetária —a contrapartida é que não judicialize o processo.

O risco de revés paralisou os julgamentos no Carf agendados para a próxima semana. Na pauta constavam casos tributários envolvendo empresas como Petrobras, BRF, Santander, Ford e Ambev. Além de negociarem com a Fazenda, grandes empresas levaram o tema ao ministro Dias Toffoli (STF), que deu três dias para o governo prestar informações sobre a MP.

A MP é parte de um plano do ministro para melhorar as contas públicas neste ano. Haddad apresentou um pacote de medidas que somam R$ 242,7 bilhões em ajuste fiscal, mas grande parte precisará de aval do Congresso.

A medida voltada ao Carf se baseia em três iniciativas principais: a volta do voto de qualidade, a denúncia espontânea —em que a empresa reconhece e paga a dívida sem penalidades— e a elevação do patamar para que o processo seja julgado pelo Carf (de 60 salários mínimos para mil salários mínimos).

Na entrevista em que anunciou o pacote, Haddad afirmou que as mudanças envolvendo o Carf poderiam gerar R$ 50 bilhões em receitas em 2023 —sendo R$ 35 bilhões de extraordinárias e R$ 15 bilhões com efeito permanente. A Fazenda ainda não tem cálculos de quanto a flexibilização negociada com os empresários poderia afetar o plano econômico do ministro.

"A medida provisória tem um equívoco de nascimento, que é uma falta de conversa, de interlocução com o Congresso Nacional, principalmente porque quem fez a alteração anterior foi a Câmara federal", critica o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP). Outro ponto criticado pelos parlamentares é o aumento do patamar para que o processo seja levado ao Carf, medida que "elitizaria" o órgão.

Líder do Cidadania na Câmara, o deputado Alex Manente (SP) disse que o partido preparou uma emenda para retirar do texto o restabelecimento do voto de qualidade. "Quando você tem um empate, o voto de qualidade não pode beneficiar o Estado e empurrar o cidadão a procurar a Justiça, que é isso que ocorre. Na nossa avaliação, não há sentido em retomar o voto de qualidade."

O deputado Reginaldo Lopes (MG), que ocupou a liderança do PT na Câmara até o fim de janeiro, defende a MP do governo. "O voto qualificado no Carf pró-governo é super importante porque o erário é afetado por uma eventual tentativa de sonegação do contribuinte", afirma.

Em meio às resistências, a Receita tem argumentado que a não-aplicação do voto de qualidade faz os empates favoreceram poucos contribuintes, com valores bilionários em questão.

"Dos R$ 24,8 bilhões resolvidos em favor de contribuintes, R$ 22,2 bilhões se referiram a apenas 26 empresas. É muito importante esclarecer que a derrubada do voto de qualidade interessa a essas empresas, grandes devedoras do Fisco, não à população brasileira", diz o Fisco.

No mundo jurídico, as opiniões divergem. Para o advogado Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada, a MP tem pontos negativos ao "desvirtuar a natureza do Carf" e transformá-lo "em órgão arrecadatório". "O governo corre sério risco de ver as medidas que propôs serem derrubadas pelo Congresso", diz.

Daniel Menezes, diretor jurídico da Anafe (Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais), por outro lado, vê a MP como positiva. "O conselheiro não está ali para defender posição do contribuinte nem da Fazenda. Você presume que o auditor da Receita Federal agiu conforme a lei [e] se o contribuinte se sentir prejudicado, ele continua podendo discutir judicialmente", afirma.

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