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Assédio sexual em escritório de advocacia resulta em indenização de R$ 50 mil

'Seu orgulho é maior que a sua bunda', diz ter ouvido advogada; OUTRO LADO: acusado não deu entrevista; na ação, diz ter tido interesse pela funcionária, mas 'não chegou a paquerar'

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São Paulo

A Justiça do Trabalho concedeu uma indenização de R$ 50 mil a uma advogada que acusou um dos sócios do escritório em que trabalhava de assediá-la sexualmente.

Na ação, a que a Folha teve acesso, ela relaciona mensagens de WhatsApp recebidas de Thiago Pradella, um dos donos do escritório Carvalho Pradella, de São Paulo (SP), com conotações sexuais.

Numa dessas mensagens, enviada às 21h, ele diz que não consegue dormir, porque fica sonhando com ela: "Seu namorado ganhou na loteria. Inteligente e com uma beleza rara".

Ela diz ter ouvido de Thiago Pradella comentários sobre seu corpo em diversas situações. De acordo com depoimentos da advogada, numa delas seu ex-chefe afirmou: "Seu orgulho é maior que a sua bunda".

Com o tempo e as recusas da advogada em corresponder às tentativas de intimidade, há uma mudança de tom nas mensagens enviadas pelo aplicativo, com alusões à carreira da funcionária: "Imaginei que fosse mais responsável e comprometida com a equipe que você integra. Mas vejo que tá pouco se lixando"

A advogada, hoje com 35 anos, levou o caso à Justiça do Trabalho, que considerou comprovada a existência de assédio sexual praticado pelo superior hierárquico. Ela autorizou a divulgação de sua história, mas pediu para que seu nome fosse omitido. Os diálogos reproduzidos neste texto constam nos autos, relatórios e transcrições incluídos na ação apresentada por ela.

A indenização, fixada inicialmente em R$ 20 mil pela 15ª Vara do Trabalho de São Paulo, foi ajustada para o dobro do valor no TRT-2 (Tribunal Regional da 2ª Região).

Assédio Corporativo
Casos de assédio sexual crescem na Justiça do Trabalho - Catarina Pignato

Outros processos trabalhistas apresentados por antigos funcionários também trazem relatos de assédio moral por parte de Pradella. Em um dos casos, uma testemunha disse que o advogado comparava um funcionário a uma "boneca Barbie"; em outro, que ele teria chamado a subordinada de "burra, incompetente".

Thiago Pradella e o escritório Carvalho Pradella foram procurados pela Folha por email, WhatsApp e por telefone, mas não responderam. Na ação, ele afirmou que "teve interesse" na funcionária, mas que "não chegou a paquerar" e "não chegou a convidá-la para sair", segundo relatório de audiência da ação.

Ele defendeu ainda que ela não era sua subordinada, pois respondia diretamente a outra advogada do escritório e argumentou que as mensagens anexadas no processo estavam fracionadas e fora de contexto.

A relatora do recurso na 2ª Turma do TRT-2, desembargadora Marta Casadei Momezzo, considerou que a indenização deverá ser "suficiente à reparação do dano experimentado pela vítima".

Na decisão do fim de 2022, ela escreveu, ao discutir a manutenção ou não do segredo de justiça do caso, que o advogado acusado de assédio "não apresentou insurgência quanto à condenação relativa ao assédio sexual".

Para ela, o dono do escritório, "valendo-se de tal posição na estrutura empresarial, mandava mensagens por meio do aplicativo de celular WhatsApp para a reclamante com conteúdo impróprio, que causavam constrangimento à obreira."

O advogado Marcelo Martins, sócio do escritório Granadeiro Guimarães, que representou a trabalhadora na Justiça, diz que o conjunto de mensagens apresentado na ação torna "absolutamente seguro dizer" que a advogada, em nenhum momento, deu indícios de que retribuiria às investidas.

"Ele mudou de investidas galantes para investidas chulas, com ofensas diretas a ela, ultrapassando o assédio moral", diz Martins à Folha. "Tirou a foto dela do banner do escritório, questionou um atestado médico e fez tudo isso com bastante publicidade, usando o ambiente corporativo no WhatsApp [o grupo do escritório]."

Em uma rede social, Pradella afirma ser conselheiro de prerrogativas e integrante da 2ª Turma do Tribunal de Ética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A seccional São Paulo da entidade de representação dos advogados diz não ter conhecimento do processo envolvendo o advogado, por ele tramitar sob segredo.

A presidência da OAB-SP afirma, em nota, que recebeu um pedido de exoneração de todos os cargos ocupados pelo advogado em comissões temáticas e no Tribunal de Ética e Disciplina. "O pedido foi homologado pela presidente Patricia Vanzolini", diz a nota.

Comprovação do assédio sexual é difícil

A comprovação material do assédio sexual é uma das principais dificuldades das vítimas. Muitas das interações acontecem em ambientes privados, quando apenas os envolvidos estão presentes. Em geral, faltam testemunhas sobre o assédio cometido.

"O assediador sempre se esconde atrás da intimidação ou do descaso público. O risco de a vítima ouvir 'será que ela não deu brecha?' machuca tanto quanto o próprio assédio", diz Martins.

Apesar disso, o número de ações trabalhistas cujos pedidos iniciais citam o termo "assédio sexual" triplicou no Brasil nos últimos quatro anos, somando 48 mil casos atualmente.

Segundo levantamento da consultoria de jurimetria Data Lawyer feito a pedido da Folha, de 2018 para 2022, o aumento foi de 208%. O número considera somente processos públicos —ou seja, todos aqueles que tramitam ou tramitaram sob segredo de justiça, procedimento comum em ações que tratam de assédio sexual, não entraram nessa conta.

O total de processos trabalhistas que inclui queixas de assédio sexual, portanto, pode ser ainda maior. É na petição inicial que o trabalhador apresenta, por meio de seu advogado, os motivos pelos quais processa aquela empresa.

Somente no ano passado, 6.440 processos contra empregadores tratavam do assunto.

No ano passado, relatos de assédio moral mobilizaram o mundo do direito após a tentativa de suicídio de um estagiário de uma grande banca jurídica em São Paulo. Estagiários e ex-estagiários passaram a usar perfis anônimos e rede sociais para compartilhar suas experiências em escritórios e departamentos jurídicos.

Como a Folha mostrou à época, os relatos falavam de desrespeito à Lei do Estágio, assédio moral e sexual e mesmo intimidação a quem decidisse expor irregularidades e ilegalidade.

Saiba como denunciar

A OAB-SP mantém um canal chamado "Advocacia Sem Assédio" para, segundo a entidade, receber e acolher denúncias de profissionais da área. As mensagens podem ser enviadas por email, para o endereço advocaciasemassedio@relatoconfidencial.com.br ou pelo telefone 0800-721-9146. A OAB diz não tolerar nenhuma forma de violência.

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