Descrição de chapéu Financial Times União Europeia

BC alemão alerta que perdas com compras de títulos acabarão com reservas

Bundesbank diz que é improvável que as provisões cubram o déficit resultante de dívidas de 1 trilhão de euros

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Martin Arnold Guy Chazan
Frankfurt e Berlim | Financial Times

O Bundesbank, banco central da Alemanha, sofreu um impacto de 1 bilhão de euros em suas substanciais participações em títulos e alertou que perdas futuras acabarão com suas reservas financeiras restantes, enquanto o banco central alemão enfrenta o impacto de taxas de juros mais altas.

Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, disse em uma coletiva de imprensa, realizada para apresentar seu relatório anual em Frankfurt na quarta-feira (1), que o dano foi "em última análise o resultado da política monetária extraordinariamente expansiva dos últimos anos".

O Bundesbank comprou 1 trilhão de euros em dívidas principalmente do governo alemão desde 2015, como parte dos programas de compra de títulos do Banco Central Europeu, contra os quais o antecessor de Nagel, Jens Weidmann, votou repetidamente.

Joachim Nagel, presidente do banco central alemão, em coletiva de imprensa nesta quarta (1) - Kai Pfaffenbach/Reuters

A escala das compras do banco central elevou o preço dos títulos, o que significa que muitos deles rendem taxas negativas. Essas taxas negativas –e a recente onda de aumentos de taxas do BCE– significam que o banco está sendo espremido pela crescente diferença entre os juros que paga aos bancos comerciais sobre seus depósitos e o que ganha com os títulos.

O Bundesbank absorveu o déficit de 1 bilhão de euros do ano passado utilizando reservas monetárias de anos anteriores.

As perdas esperadas nos anos futuros "provavelmente" excederão os restantes 19,2 bilhões de euros em provisões e 2,5 bilhões de euros em capital. O banco planeja adiar o impacto em seus ganhos, transportando as perdas para serem compensadas por lucros futuros.

Daniel Gros, pesquisador do Centro de Estudos de Políticas Europeias, avaliou que o banco central alemão sofrerá perdas de 193 bilhões de euros em seus investimentos em títulos do governo na próxima década, mais do que qualquer outro banco central nacional na zona do euro.

Analistas alertaram que anos de perdas sucessivas podem abalar a credibilidade do Bundesbank, conquistada com muito esforço.

"A crítica pública vai aumentar", disse Ulrike Neyer, professor de economia monetária na Universidade Heinrich Heine, de Düsseldorf. "Primeiro, porque não haverá pagamentos ao governo. Em segundo lugar, porque as pessoas poderão afirmar que a independência do banco central está em risco. No entanto, acho que essa crítica não é totalmente justificada."

Uma contestação legal contra as compras de títulos ainda está pendente no tribunal constitucional da Alemanha.

"A inflação e as futuras perdas de depreciação que surgirão da política monetária do BCE –adotada em violação a seu mandato– serão o prego no caixão da prosperidade da Europa e o fim do euro", disse Alice Weidel, uma líder do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), eurocético. "E ninguém poderá dizer que não foi avisado."

Nagel minimizou as perdas, dizendo que o Bundesbank poderia "lidar" com elas. "As dificuldades passarão, e depois começaremos a lucrar novamente."

Ele acrescentou que, embora o balanço do Bundesbank seja "sólido" e não exija uma injeção de capital, a deterioração de seu desempenho financeiro terá um efeito indireto nas receitas do governo alemão.

Na última década, o banco central distribuiu mais de 22 bilhões de euros de seus lucros ao governo.

A falta de dividendos do Bundesbank ocorre quando as finanças de Berlim também sofrem pressão com o aumento das taxas de juros.

O ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, alertou esta semana que os juros anuais pagos pelo país sobre sua dívida aumentaram dez vezes em dois anos –de 4 bilhões para 40 bilhões de euros. "É um dinheiro que não pode ser gasto em outro lugar", disse ele ao tabloide alemão Bild Zeitung.

"Os ministros das Finanças alemães lucraram por muito tempo com taxas de juros baratas", disse Frank Schäffler, parlamentar do Partido Liberal Democrata (FDP, pró-empresas), liderado por Lindner. "Agora o bumerangue está voltando –não apenas em termos de custos de juros massivamente mais altos no orçamento, mas também na ausência de lucros do Bundesbank. Não existe almoço grátis."

O deputado da AfD Peter Boehringer, ex-chefe do comitê de orçamento do Bundestag, disse: "A AfD há muito critica o fato de um Bundesbank não independente ter se tornado um joguete dos interesses de outros, e por isso exigimos que a Alemanha se retire do Eurossistema".

A maioria dos analistas acha que os déficits não devem ser importantes.

"Os lucros são sempre melhores que as perdas", disse Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank. "Mas vários banqueiros centrais anteriores deixaram claro que poderiam até operar com patrimônio líquido negativo, desde que sua credibilidade com a população estivesse intacta."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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