O fungo alimentado a etanol, conhecido como fungo do uísque, prospera há séculos ao redor de destilarias e padarias. Ele tem causado reclamações de moradores que vivem perto de destilarias de bourbon no Kentucky, fabricantes de uísque canadenses e de rum caribenhos.
Agora está criando uma barreira entre alguns moradores do condado de Lincoln, no Tennessee, e a famosa destilaria Jack Daniel's, fundada em 1866 no vizinho condado de Moore.
Há meses moradores reclamam que uma crosta fuliginosa e escura cobriu casas, carros, sinais de trânsito, alimentadores de pássaros, móveis de jardim e árvores, à medida que o fungo se espalha incontrolavelmente, alimentado por vapores de álcool que emanam dos barris de carvalho carbonizados onde o uísque Jack Daniel's envelhece.
A Jack Daniel's construiu seis armazéns, conhecidos como casas de barris, para envelhecer uísque na zona rural do condado de Lincoln, que abriga cerca de 35 mil residentes, e está construindo um sétimo numa propriedade que tem espaço para abrigar mais um, disse um porta-voz da empresa. A destilaria pediu ao condado para mudar o zoneamento de uma segunda propriedade onde poderia construir mais seis armazéns.
Uma representante da empresa, Donna Willis, disse às autoridades do condado em novembro que 14 armazéns gerariam US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhões) em receita anual de impostos prediais para o condado, que tinha aprovado cerca de US$ 15 milhões (R$ 78,1 milhões) em verbas gerais para o ano fiscal de 2022.
Mas nem todos os moradores estão felizes com a expansão.
Christi Long, dona de uma mansão local construída em 1900 que ela aluga como um local para casamentos e outros eventos, processou o condado em janeiro, alegando que as instalações de barris perto de sua propriedade não tinham as licenças adequadas. A Insider informou anteriormente sobre a disputa.
Um juiz determinou recentemente que uma casa de barris atualmente em construção não havia sido devidamente aprovada e que sua licença de construção teria de ser rescindida até que a Jack Daniel's obtivesse as licenças necessárias.
O advogado de Long, Jason Holleman, disse que planejava pedir ao juiz e ao condado que impeçam a Jack Daniel's de usar outros armazéns perto da mansão de 370 m² de Long, conhecida como Manor at ShaeJo.
Ela e seu marido, Patrick Long, disseram que o fungo do uísque já havia invadido a propriedade, escurecendo o telhado de cobre e as paredes externas, rastejando sobre o jardim de pedras e o portão de metal e incrustando os galhos das magnólias. Nas proximidades, ele escurece as placas de trânsito metálicas, disseram eles.
Os Long disseram que usam uma mangueira de alta pressão para lavar a propriedade a cada três meses com água e alvejante de cloro, mas o fungo sempre volta.
"Se você raspar a unha pelo galho da árvore, ele vai cobrir a ponta do seu dedo", disse Patrick Long. "É simplesmente nojento."
Christi Long disse que sua área no condado de Lincoln "ficará preta como carvão" a menos que a Jack Daniel's instale filtros de ar nos armazéns, um dos quais fica a cerca de 250 metros de sua propriedade.
"Este fungo agora está tomando esteroides", disse ela.
Um advogado que representa o condado de Lincoln se recusou a comentar, citando o litígio em andamento.
Melvin Keebler, gerente geral da Jack Daniel Distillery, disse em comunicado que a empresa "cumpre todos os regulamentos locais, estaduais e federais relativos ao projeto, construção e licenciamento de nossos armazéns".
"Estamos comprometidos com a proteção do meio ambiente, a segurança e a saúde de nossos funcionários e vizinhos", disse Keebler.
Em uma reunião da comissão do condado em novembro, Willis, diretor de serviços técnicos, manutenção e distribuição de barris da Jack Daniel's, disse que estudos mostraram que o fungo não é perigoso para a saúde humana e não causa danos a propriedades.
"Pode ser um incômodo?", disse Willis. "Sim claro. E pode ser facilmente remediado lavando-o."
Ela disse que a empresa não concordaria, no entanto, em lavar as casas com equipamento especial, dizendo que a Jack Daniel's poderia ser responsabilizada por qualquer dano.
Willis também disse que os filtros de ar poderiam prejudicar o sabor que o uísque Jack Daniel's adquire durante o processo de envelhecimento. Os destiladores referem-se poeticamente ao álcool que evapora durante esse processo como "a parte do anjo".
O fungo que se desenvolve a partir do álcool perdido foi notado pelo menos desde a década de 1870, quando Antonin Baudoin, diretor da Associação dos Destiladores Franceses, observou uma "praga de fuligem" escurecendo as paredes das destilarias em Cognac, na França.
James A. Scott, professor da Escola de Saúde Pública Dalla Lana da Universidade de Toronto, que estuda o fungo desde 2001 –e ajudou a batizar seu gênero, Baudoinia, em homenagem a Baudoin– disse que não tinha conhecimento de qualquer pesquisa observando especificamente os efeitos da exposição ao fungo para a saúde.
Mas o fungo pode destruir propriedades e se agarrar a quase qualquer superfície, disse ele. Uma baforada de álcool, disse Scott, o torna notavelmente resistente a mudanças de temperatura, permitindo que ele resista aos verões quentes do Tennessee.
"O fungo é bastante destrutivo, e a única maneira de detê-lo é parar o fornecimento de álcool", escreveu Scott em um e-mail. "Ele destrói os móveis de jardim, o revestimento da casa e quase qualquer superfície externa. Já vi árvores sufocadas até a morte por ele. Parece uma pequena bênção que não tenha um impacto negativo na saúde humana."
Tracy Ferry disse que ela e seu marido, Warren Ferry, que compraram uma casa em Lincoln há três anos, esperavam que a Jack Daniel's instalasse filtros de ar.
Segundo Tracy Ferry, desde que a Jack Daniel's construiu uma casa de barris ao lado de sua casa, em dezembro, o fungo do uísque se acumulou no telhado da casa, no carro e nas árvores de sua propriedade. Ela disse que raspou a tinta da mobília de madeira do quintal quando tentou remover o bolor escuro.
"Eu poderia tentar vender a casa, mas o que vou conseguir?", disse Ferry. "Quem vai querer morar aqui?"
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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