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Negócios verdes miram mercado bilionário e esperam impulso com novo governo

Empresas focadas em resolver problemas ambientais e climáticos crescem de olho na nova economia

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Mudas de canafístula no viveiro de mudas da re.green, empresa de restauração de florestas Zanone Fraissat - 02.mar.23/Folhapress

São Paulo

Há alguns anos, era improvável pensar que uma empresa focada em restaurar florestas poderia levantar quase R$ 400 milhões junto a investidores de peso, antecipando receitas bilionárias com o plantio de árvores nativas na Mata Atlântica e na Amazônia.

Mas a atividade, que costumava ser atribuição do poder público ou de ONGs, virou o modelo de negócio da re.green, companhia lançada em 2022 e que prevê ganhar dinheiro reflorestando áreas de biomas prioritários para resolver a crise climática global.

Reunindo nomes como João Moreira Salles, Arminio Fraga, Marcelo Barbará e Marcelo Medeiros, a empresa é parte de um setor econômico novo e promissor, que vem crescendo no Brasil com negócios focados em resolver problemas ambientais sem tirar o olho da lucratividade.

Funcionárias trabalham na repicagem de sementes de jatobá no viveiro de mudas da re.green, em Piracicaba (SP) - Zanone Fraissat - 02.mar.23/Folhapress

A re.green juntou investimentos de R$ 385 milhões, com a ambição de entregar 1 milhão de hectares restaurados ao longo das próximas duas décadas. O total almejado representa quase 10% da meta oficial brasileira, de reflorestar 12 milhões de hectares até 2030.

Para extrair receita deste processo, o plano é comercializar créditos de carbono das áreas restauradas e vender madeira sustentável.

Um viveiro de mudas localizado em Piracicaba, a cerca de duas horas de São Paulo, trabalha em regime de dedicação exclusiva para fornecer matéria-prima. Até o fim de 2023, a Bioflora prevê entregar 2,4 milhões de mudas para a re.green, isso apenas para a estratégia de manejo da madeira.

Atualmente, o viveiro está cultivando espécies nativas da Mata Atlântica, como jatobá, pau-brasil e jequitibá-rosa.

Vista aérea da Bioflora, viveiro de mudas da re.green - Zanone Fraissat - 02.mar.23/Folhapress

Mas a venda da madeira será uma parte menor do negócio. O foco da re.green é fazer a restauração para gerar créditos de carbono de qualidade, que são vendidos por um preço maior no mercado.

A empresa não se propõe a plantar árvores a esmo em qualquer área degradada. A proposta é restaurar, em escala, os ecossistemas originais que terão maior impacto no meio ambiente.

Um dos fundadores da re.green é Bernardo Strassburg, ex-diretor do ISS (Instituto Internacional para Sustentabilidade) e que é considerado uma das autoridades no tema da restauração florestal.

Em outubro de 2020, ele publicou um artigo na revista Nature mostrando que há biomas que são prioridades globais para o reflorestamento. Usando inteligência artificial e algoritmos, ele identificou áreas que podem aumentar em até oito vezes a custo-efetividade do processo.

"A missão da re.green é entregar uma restauração premium. Esse premium equivale ao padrão cinco estrelas da Sociedade Internacional para a Restauração Ecológica, o que só é atingido quando se restaura, além da composição de espécies e da estrutura das florestas, os processos ecossistêmicos para que ela tenha capacidade de se renovar e resistir a incêndios e secas, por exemplo", afirma.

Em linha com o artigo da Nature de Strassburg, a companhia usa algoritmos para identificar os locais onde a restauração vai trazer o melhor impacto possível para o clima e para a biodiversidade.

Após a identificação da área, a re.green busca parcerias com os donos das terras ou compra as propriedades. Até o momento, já foram adquiridas duas fazendas no sul da Bahia, que juntas somam 3 mil hectares. Segundo Strassburg, elas ficam numa região de Mata Atlântica que é considerada a prioridade dentro da prioridade.

Também está em processo de aquisição uma área na Amazônia para reflorestar 10 mil hectares, o que deve se tornar a maior restauração da história do Brasil.

Até o fim de 2023, a re.green tem a meta de restaurar 20 mil hectares, desembolsando cerca de R$ 600 milhões.

O valor do investimento é alto, mas o retorno no médio e longo prazo compensa. Segundo Strassburg, ao longo de duas ou três décadas, os 20 mil hectares reflorestados devem retirar da atmosfera cerca de 10 milhões de toneladas de CO2, gerando uma receita de R$ 1 bilhão em créditos de carbono premium.

O manejo da madeira —que deve ocorrer em 20% dessa área— tem potencial para gerar outros R$ 600 milhões no mesmo período.

Thiago Picolo, CEO da re.green, diz que hoje há uma busca maior por créditos de carbono de qualidade, o que favorece o modelo da companhia.

"Os clientes já nos procuram. Em vez de esperar a emissão dos créditos [de carbono, que devem demorar dois anos], eles têm interesse em desenvolver parcerias para ter acesso preferencial no futuro", diz.

Picolo não revela quais empresas estão interessadas, mas adianta que são companhias de grande porte —na lista das 500 maiores do mundo—, geralmente norte-americanas e europeias.

"O tipo de negócio da re.green e de outras empresas parecidas é um patrimônio gigante que o Brasil tem", diz. Segundo ele, o país está "sentado numa mina de ouro" e pode ser líder mundial em soluções para o clima baseadas na natureza.

Negócios verdes crescem no mundo todo

Globalmente, o número de climate techs —empresas de tecnologia que lidam com a crise climática— aumentou quatro vezes de 2010 para cá, atingindo 44.595 no ano passado, segundo o relatório Climate Tech Report.

A proliferação do mercado vem acompanhada de um maior interesse dos investidores. Em 2021, cerca de USS$ 111 bilhões (R$ 577 bilhões) foram arrecadados por empresas do setor.

Segundo relatório da PwC, o financiamento de tecnologias para o clima representou mais de um quarto de cada dólar de venture capital investido em 2022.

O aquecimento do mercado é sentido por empresas brasileiras. A Future Carbon foi criada em janeiro de 2022 e, em pouco mais de um ano, já percebeu a onda favorável.

A companhia atua principalmente no mercado de créditos de carbono, participando das etapas de geração, gerenciamento e venda desses ativos.

Para originar os créditos, a Future faz parcerias com proprietários de terras, companhias de energia renovável e empresas do agronegócio. O objetivo é evitar novas emissões de carbono, seja controlando o desmatamento, substituindo energia suja por renovável ou reduzindo a pegada ambiental de setores poluentes.

"A Future entra com análise de viabilidade —mostrando se é possível gerar crédito de carbono no local— desenvolve os projetos e os submete a certificadores internacionais. Quando os créditos começam a ser gerados, nós ficamos com uma parte e o parceiro com outra", diz Marina Cançado, CEO da Future Carbon.

A empresa então vende os créditos para clientes que são hoje majoritariamente companhias canadenses, americanas e europeias que querem compensar e neutralizar suas emissões.

"Nós começamos em janeiro de 2022 com quatro pessoas [na equipe] e este mês estamos atingindo 100 pessoas, além de 60 projetos", diz.

"Já temos vendas antecipadas e estamos, de fato, sentindo este mercado muito aquecido, muito por conta do papel do Brasil nesta história. O Brasil pode ser o fornecedor de 50% da demanda global de créditos de carbono", acrescenta.

Atualmente, o país representa apenas 12% do mercado voluntário, mas Cançado avalia que essa proporção deve aumentar rapidamente, especialmente com a transição para um governo que levanta a bandeira da pauta ambiental.

Segundo a executiva, ainda há um importante trabalho a ser feito pelo Executivo e Legislativo, e o setor espera que assuntos importantes sejam debatidos para destravar ainda mais o potencial dos negócios verdes.

Decisões sobre temas fundiários, implementação do mercado regulado de carbono e definições sobre pagamento por serviços ambientais são alguns dos assuntos na lista.

Apesar do otimismo, Cançado ressalta que o governo precisa dialogar com o setor privado para alinhar prioridades, dividir tarefas e encontrar soluções.

Felipe Gutterres, fundador da arara.io, também acredita que o setor de negócios verdes será impulsionado nos próximos meses e anos.

"É um movimento que já está acontecendo e acelera quando há uma visão estratégica de governo mais alinhada à pauta", afirma.

A arara.io é uma companhia que combina gestão de risco ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) com produtos financeiros.

Criada em fevereiro de 2022, a empresa oferece uma plataforma para que negócios façam sua autoavaliação nos três pilares e convidem seus fornecedores a usarem a ferramenta.

Com isso, as companhias conseguem visualizar os riscos ESG de toda a cadeia de suprimentos e individualmente de cada fornecedor.

Além de permitir um diagnóstico amplo do negócio, a ideia da arara é estimular que os parceiros mais bem classificados tenham facilidades na hora de acessar financiamento, como taxas menores e antecipação de recebíveis.

"A plataforma vai desde a gestão de risco, o gerenciamento dos riscos dos fornecedores e o uso do financiamento para incentivar progresso na agenda ESG", diz Felipe Gutterres, fundador da arara.

Atualmente, a companhia opera no Brasil, EUA e Índia. Segundo Gutterres, a plataforma já conta com mais de 900 companhias, que fazem parte da cadeia de suprimentos de grandes empresas dos setores de varejo, saneamento, engenharia e de papel e celulose.

Na avaliação dele, já é possível notar uma mudança de paradigma no setor privado na direção dos negócios verdes. "As trocas de produtos e serviços sustentáveis são o novo comércio."

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