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Obrigada a explicar erro contábil, Americanas atrasa entrega do balanço de 2022

Varejista tinha até dia 31 para demonstração do resultado; balanços antigos ficaram fora do ar por mais de um mês

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São Paulo

A Americanas afirmou nesta sexta-feira (24) que vai adiar a entrega da demonstração de resultados de 2022, prevista originalmente para o próximo dia 29. De acordo com as regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a varejista teria até o próximo dia 31 para a entrega do balanço contábil do quarto trimestre do ano passado, junto com os resultados consolidados de 2022.

Em fato relevante, a varejista disse que a razão do adiamento é a necessidade de conclusão "dos efeitos das inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta de fornecedores nas
demonstrações financeiras da companhia, relativas aos exercícios já encerrados, incluindo o
exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2022".

De acordo com a Americanas, a revisão vai "garantir que as demonstrações financeiras reflitam adequadamente a posição patrimonial e financeira da companhia e de suas controladas, e ocorrem em paralelo à apuração acerca das circunstâncias que ocasionaram as referidas inconsistências contábeis, conduzidas pelo Comitê Independente", completou.

Fachada branca em que se lê Lojas Americanas em vermelho
Fachada de loja da Americanas na rua Direita, região central de São Paulo. - Bruno Santos/ Folhapress

O comunicado diz ainda que a sua AGO (Assembleia Geral Ordinária) será realizada em 29 de abril. Normalmente, neste evento, são analisados os resultados financeiros do ano anterior. A Americanas afirmou, no entanto, que "o exame, discussão e votação das demonstrações financeiras relativas ao exercício social de 2022 serão deliberadas em Assembleia Geral Extraordinária [AGE] a ser oportunamente convocada."

Segundo especialistas em contabilidade e auditoria ouvidos pela Folha, a Americanas deve recorrer à norma 23 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) para rever balanços anteriores. "A norma trata de políticas contábeis, mudanças de estimativas e retificação de erro em demonstrações financeiras", diz o advogado Eduardo Natal, especialista em direito tributário, sócio do escritório Natal & Manssur.

"Quando se trata de retificação de erro em demonstrações financeiras, a empresa precisa identificar a origem do erro –em qual ano ele aconteceu– e reapresentar todos os balanços desde então, com as devidas correções", afirma o consultor tributário Leandro Cossalter, da Ecovis WFA.

Em apresentação para investidores do BTG em 12 de janeiro, no dia seguinte à publicação do fato relevante em que revelou a existência de "inconsistências contábeis" da ordem de R$ 20 bilhões nos balanços da Americanas nos últimos anos, o ex-presidente da varejista, Sergio Rial, afirmou que não se tratava de "três ou quatro anos, no mínimo sete, talvez dez".

A origem das inconsistências, que levaram a empresa a entrar em recuperação judicial com dívidas declaradas de R$ 43 bilhões, estava na contabilização do risco sacado –as operações de adiantamento a fornecedor realizadas por bancos parceiros da varejista. "Em empresas com margens mais estreitas, [o risco sacado] é particularmente importante porque pode induzir a divida bancária, que passa a ser caracterizada como conta fornecedor", disse Rial na apresentação.

"Daí, numa combinação de diligência e também de experiência, eu percebo que boa parte dessa conta fornecedor da Americanas era, essencialmente, dívida bancária, que portanto terá ser catalogada como tal", afirmou o ex-CEO, dizendo ainda que não seria capaz de responder "a gênese da motivação".

"O que eu consigo entender é que, para qualquer empresa, é muito melhor ter uma conta fornecedor do que adicionar essa estrutura de financiamento na sua dívida bancária", afirmou. Rial já foi ouvido pela investigação conduzida pela CVM e deve depor, no mês que vem, à Justiça em São Paulo, assim como o antigo presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, que permaneceu por 20 anos no cargo.

Problemas técnicos tiraram balanços antigos do ar, diz empresa

A Americanas S.A foi formada a partir da fusão entre Lojas Americanas e B2W, anunciada em abril 2021. Os balanços financeiros das companhias foram integrados a partir deste ano, quando também houve a simplificação da sua estrutura societária, quando o trio de bilionários controladores da empresa –Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira– deixou de deter mais de 50% da companhia para se tornar "acionistas de referência", com cerca de 30%. A Americanas passou a ser listada no Novo Mercado da B3, onde estão as empresas com as melhores práticas de governança corporativa.

A página de relações com investidores da companhia passou, então, a apresentar todos os balanços da antiga Lasa (lojas físicas) e os da B2W (operações on-line). A CVM recomenda que, em caso de fusão, a empresa mantenha na página de relações com investidores os balanços de ambas as empresas referentes a, pelo menos, três anos anteriores à operação.

A Folha apurou, no entanto, que em 5 de fevereiro, um domingo, os balanços da Lasa de 2020 para trás haviam deixado de ser apresentados. Havia dados consolidados de 2020 sob o nome de "Universo Americanas", reunindo as operações de lojas físicas e vendas online. Antes disso, apenas os balanços de B2W eram apresentados.

Questionada pela Folha no mês passado, a empresa disse, em um primeiro momento, que os balanços da B2W já apresentavam os números consolidados. A reportagem verificou, no entanto, que os números eram apenas da operação online.

Este mês, por volta do dia 15, os balanços da antiga Lasa, até o ano 2000, voltaram a ser publicados.

Questionada mais uma vez pela Folha, a empresa respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que "algumas seções de seu site de RI ficaram indisponíveis temporariamente devido a problemas técnicos no servidor de hospedagem da página. Tão logo observou a falha, a companhia acionou o responsável técnico pelo site, que já solucionou a questão."

A reportagem questionou a empresa por quanto tempo foram observados os problemas técnicos, mas a Americanas não retornou até a publicação deste texto.

Durante todo o período, as demonstrações financeiras da varejista puderam ser consultadas, normalmente, no site da CVM, onde os balanços de todas as companhias abertas são arquivados.

Em caso de atraso na entrega do balanço, segundo a CVM, a empresa está sujeita a multa diária. A multa não deve ser aplicada caso a companhia esteja em falência ou em liquidação. A SEP (Superintendência de Relações com Empresas) também divulga, semestralmente, no site da CVM, a lista das empresas em atraso de pelo menos três meses no cumprimento de obrigações periódicas junto à autarquia, como a divulgação de balanços.

"Mas, em se tratando de empresa em recuperação judicial, os prazos permanecem os mesmos das demais companhias abertas", diz o advogado Filipe Denki, especialista em recuperação judicial. "Na recuperação, a empresa deve fornecer ao administrador judicial, mensalmente, os demonstrativos de contas mensais, que inclui balancetes, extratos de conta correntes e cópia dos livros contábeis", afirma.

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