Sob efeito de decisão do STF e da Americanas, GPA tira 'esqueletos do armário'

Varejista diz ficar 'mais confortável' com provisão trabalhista de R$ 660 milhões, o dobro do valor do ano passado

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São Paulo

O GPA (Grupo Pão de Açúcar), dono das bandeiras de varejo Pão de Açúcar, Compre Bem, Mercado Extra e a colombiana Éxito, surpreendeu o mercado nesta terça-feira (28), ao apresentar prejuízo líquido de R$ 1,1 bilhão no quarto trimestre de 2022, revertendo um resultado positivo de R$ 777 milhões no mesmo período de 2021.

A ação da companhia, controlada pelo francês Casino, registrou a maior queda da B3 no pregão de terça-feira: recuo de 7,16%, para R$ 15,54. Na quarta-feira (1º), a empresa continuou sentindo os efeitos do resultado ruim: a ação encerrou o dia a R$ 14,28, queda de 8,11%, enquanto o Ibovespa, o principal índice da bolsa, recuou 0,52%. Nesta quinta (2), o papel teve ligeira queda de 0,21%, cotado a R$ 14,25.

O grupo justificou as perdas por conta do aumento das contingências tributárias e trabalhistas no período: R$ 309 milhões referentes a complemento do saldo de provisão para demandas trabalhistas; R$ 288 milhões referentes à provisão de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido); R$ 288 referentes a uma reestruturação tributária na Colômbia, sede do Éxito; e R$ 285 milhões relacionados à reavaliação de contingências possíveis de ICMS.

Houve ainda uma despesa de R$ 227 milhões com reestruturação.

Sem estes fatores, o prejuízo no período seria de R$ 146 milhões.

fachada de loja de supermercado com pessoas em frente
Loja Pão de Açucar na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, em São Paulo. - Rubens Cavallari/Folhapress


Já entre os fatores excepcionais positivos, que mitigaram em parte as perdas, a empresa apontou crédito de ICMS de R$ 313 milhões na receita financeira (relacionado à atualização monetária sobre créditos fiscais) e uma dedução de R$ 127 milhões de Imposto de Renda sobre os ajustes negativos excepcionais.

De todas as provisões feitas pelo GPA, a de CSLL já era esperada, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu ser possível revisar decisões tributárias se posteriormente houver um julgamento contrário da corte, inclusive para ações que já estavam transitadas em julgado (sem possibilidade de recurso). O GPA tinha decisões favoráveis —e transitadas em julgado— permitindo o não recolhimento da CSLL, benefício com o qual contava desde 1991. Depois da decisão do STF, o grupo publicou fato relevante dizendo que antecipava perdas da ordem de R$ 290 milhões.

Outra decisão do STF também prejudicou a companhia em R$ 285 milhões: o Supremo invalidou o crédito de ICMS do GPA sobre energia elétrica e limitou esse valor para setores essenciais e produtivos da operação.

Provisão trabalhista 'confortável' de R$ 660 milhões

Para analistas e consultores ouvidos pela Folha, a divulgação de números tão desfavoráveis juntos indica uma prática de companhias de capital aberto: se o balanço está "perdido" e vai apresentar um resultado ruim, então a empresa lista todos os indicadores negativos de uma só vez, a fim de não contaminar os trimestres seguintes.

Mas alguns especialistas consideram que também há um reflexo do caso Americanas: já sabendo do escrutínio do mercado financeiro sobre o balanço das empresas, especialmente das varejistas, que fazem uso da antecipação de recebíveis a fornecedores (risco sacado), a companhia decide deixar explícito todos os riscos envolvendo seus ganhos e operações financeiras.

Nesta terça, na teleconferência para anúncio de resultados, Guillaume Gras, vice-presidente de finanças e de relações com investidores do GPA, afirmou que a companhia se sentia "mais confortável" em aumentar a provisão para despesas com ações trabalhistas.

"Tivemos um complemento de provisão trabalhista de R$ 309 milhões, refletindo o valor mais elevado das últimas condenações no segundo semestre. Isso nos levou à provisão total trabalhista de R$ 660 milhões, que representa o dobro do ano passado e nos deixa em um nível de provisão mais confortável para 2023", afirmou Gras.

Na opinião de Eduardo Natal, sócio do Natal & Manssur Advogados, as companhias, em geral, têm procurado se mostrar mais transparentes depois do escândalo contábil da Americanas. "É claro que a maior parte das empresas de capital aberto não tem nada a esconder e já segue regras determinadas pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários] e pela Receita Federal", diz.

"Mas o evento Americanas se tornou, sem dúvidas, um divisor de águas no quesito lisura dos números", afirma o advogado, mestre em direito tributário pela PUC-SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Abat (Associação Brasileira de Advocacia Tributária).

O consultor André Pimentel, sócio da Performa Partners, concorda. "Quanto mais uma empresa expuser agora eventuais esqueletos que guarda no armário, mais ela vai garantir a confiança do mercado financeiro quando essa tormenta passar", afirma. "É um momento de limpeza total."

No aspecto operacional do GPA, Pimentel chama a atenção para os resultados da rede Éxito, que está em processo de separação (spin-off) do grupo. No último trimestre de 2022, as vendas do Éxito registraram queda de 6,8%, diante da desvalorização do peso colombiano. Além da Colômbia, a bandeira opera no Uruguai e na Argentina.

O projeto de segregação do Éxito entrou nos custos de R$ 227 milhões com reestruturação, que também envolvem o fechamento da operação hipermercado, a reestruturação de lojas e o redimensionamento da sede da companhia, em São Paulo.

Necessidade de rever o modelo supermercado

No Brasil, a empresa passa por um momento de revisão do seu negócio, depois de ter encerrado a bandeira Extra de hipermercados e perceber que a bandeira de vizinhança (Minuto Pão de Açúcar) cresce bem mais que a de supermercados, diz Leonardo Cyreno, diretor de eficiência comercial da AGR Consultores.

"Ao separar o Assaí do GPA, no começo de 2021, o Casino conseguiu resultados muito positivos para a bandeira de atacarejo, um formato que só cresce no Brasil", diz Cyreno. "Mas, para o GPA, essa cisão foi muito ruim, porque a empresa precisou rever os seus outros formatos, o que significa repensar todo o seu modelo de negócios", afirma.

De acordo com Cyreno, essa mudança de direção não é algo trivial. "É preciso repensar sortimento, estoque, negociação com fornecedores, logística", diz ele, que ficou "assustado" com a queda da margem e do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

"A bandeira Pão de Açúcar sempre operou com preços 15% acima da média dos supermercados", diz. "Mas agora a empresa fala em adotar um posicionamento mais agressivo de preços para um grupo de 250 a 300 itens. Essa perda de margem preocupa."

Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail, destaca que a empresa tem a missão de dar um novo significado ao conceito de "supermercado premium". "O parque de lojas da bandeira Pão de Açúcar está em uma localização estratégica. É a oportunidade de captar o público de mais alta renda que só vai ao atacarejo fazer compra de abastecimento, não a de reposição, que ficaria com o supermercado. Mas existe um desafio grande de execução para encontrar este conceito."

Para Serrentino, os resultados da empresa também foram penalizados com a disparada nos juros –desde 2021 até agora, a taxa Selic avançou de 2% para quase 14%, o que faz aumentar em muito a despesa financeira. "É por isso que o varejo tem apresentado bons indicadores Ebitda e resultados ruins", afirma, lembrando que a maioria das empresas de grande porte do setor está alavancada.

Ele considera que a decisão do Supremo de rever decisões tributárias tomadas no passado, o que prejudicou o GPA, foi uma "brincadeira de mau gosto". "O fato gerou um forte provisionamento da empresa, o que abre um precedente desastroso para o Brasil em termos de segurança jurídica."

No acumulado de 2022, o GPA registrou receita líquida consolidada de R$ 42,5 bilhões, alta de 4,5% na comparação com 2021. O Ebitda caiu 13,9% para R$ 2,8 bilhões. A despesa financeira líquida somou R$ 1,2 bilhão, alta de 34,5% sobre a despesa financeira de 2021. No ano passado, o prejuízo ficou em R$ 1,03 bilhão, o que reverteu o lucro líquido de R$ 529 milhões do ano anterior.

Apesar dos resultados ruins, a ação do GPA não teve sua recomendação revista por algumas das principais casas de análise. XP considera a ação neutra, com preço-alvo de R$ 19. O Goldman Sachs adota a mesma recomendação neutra, com preço-alvo de R$ 22.

Já o BTG recomenda a compra, com preço-alvo de R$ 39.

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