Capital humano não basta para criar empregos, diz professor de Stanford

Brasil deve ensinar capacidades necessárias para o trabalho e formar pensamento crítico, avalia economista Martin Carnoy

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São Paulo

Aumentar a produtividade e a qualidade de formação dos trabalhadores brasileiros deve estar na agenda do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas esse é um desafio que esbarra na falta de formação dos professores e no baixo desempenho que a economia tem tido nos últimos anos.

A avaliação é de Martin Carnoy, professor e pesquisador do Centro Lemann em Stanford (nos Estados Unidos). Para o economista, o Brasil deve buscar o equilíbrio entre formar profissionais com capacidades necessárias para o trabalho e pessoas com capacidade de pensar criticamente.

De terno escuro e gravata de cor cinza, o professor e economista da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, olha para a direita; atrás dele, há três vasos de flores brancas
Martin Carnoy, professor da Universidade de Stanford - Leticia Moreira - 6.ago.09/Folhapress

Ele, que é autor de livros sobre economia e política educacional, também foi presidente da Sociedade de Educação Comparada Internacional e fez suas primeiras pesquisas no Brasil nos anos 1960.

Ao estudar o país, aproximou-se do educador Paulo Freire (1921-1997) e vê com desaprovação as críticas recentes feitas à obra do brasileiro. "Freire entendeu que aprender a ler é um ato político."

O trabalhador brasileiro médio consegue competir com seus equivalentes de outros países? Em termos de capital humano, o Brasil tem um número suficiente de pessoas criativas, com várias formações e conhecimento para inovação, mas a base da pirâmide, onde o sistema de educação é mais frágil, não produz os conhecimentos mínimos para as pessoas atuarem em empregos com maior produtividade. Capital humano sozinho não cria trabalho, pode aumentar a eficiência, mas a abertura de postos de trabalho depende do crescimento da economia.

O crescimento do Brasil tem sido baixo desde a crise de 2015 e 2016 e depois da pandemia até houve uma recuperação mundial, mas puxada pela economia chinesa. Possivelmente, [os chineses] estão interessados em manter um intercâmbio comercial com a América Latina e o próprio presidente Lula esteve discutindo isso lá. O futuro depende dessas condições e o mercado de trabalho também.

O aumento da produtividade passa por elevar o acesso dos brasileiros ao ensino superior? Existe um debate importante sobre quanta gente deve acessar a universidade e quantos poderiam aprender uma profissão de nível secundário. Em termos de história, a educação superior sempre cresce e, eventualmente, o mercado começa a substituir pessoas com nível universitário por outras que têm apenas diploma secundário. A questão é saber quanto o sistema público precisa crescer e quanto dessa expansão deve ser feita pelo setor privado. O setor privado é subsidiado por vários programas e não acredito nessa estratégia, acho que é possível regular melhor.

O Brasil precisaria olhar com mais cuidado para os ciclos iniciais de ensino? O governo Lula tem um enfoque de aumentar o nível de formação desde a base, para elevar a alfabetização e os conhecimentos básicos de matemática. Cada nível de ensino tem os seus problemas. No ensino fundamental, bons professores estão em falta e algumas pesquisas dizem que o problema é que as pessoas que entram para os cursos de licenciatura não são os melhores alunos. Faltam as capacidades necessárias para cumprir as tarefas mais complexas, de comunicação e de conhecimento do tema.

A reforma na formação dos professores deveria ser prioridade? É preciso mudar completamente a formação dos professores. A grande expansão de ensino superior no Brasil se deu pela universidade privada, portanto, o governo federal, que tem o poder de regular esse processo, deve subir a barra de excelência necessária para que a instituição funcione como universidade. Isso toma tempo. No Brasil, mais do que em outros países latinos, o sistema de educação superior é fortemente particular.

A atenção do governo parece mais voltada à questão da reforma do ensino médio. Estamos no caminho certo? O sistema descentralizado é um problema, o governo federal pode passar uma lei, mas a implementação é feita pelos estados. Desde a pandemia, sabemos que vários estados oferecem cursos eletivos que são pouco acadêmicos. Também sabemos que os estudantes estão muito insatisfeitos —eles precisam prestar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e não aprendem temas que os ajudariam nos resultados. A questão é que conhecimentos gerais dão flexibilidade para aprender coisas novas e devemos decidir até que ponto queremos formar especialistas em áreas que possivelmente não terão trabalho suficiente para todos.

Como fazer para aproximar a formação do mercado de trabalho? Não há no Brasil um sistema como o que havia na União Soviética, em que se sabia exatamente o número de trabalhadores em cada fábrica e o ensino era integrado à indústria. No livre mercado, esse processo é mais complicado e sujeito a erros, mas devemos buscar um equilíbrio entre formar gente com capacidades necessárias para o trabalho e formar pessoas para pensar criticamente e aprender coisas novas com facilidade. O Centro Lemann forma pessoas da política de educação, somos pequenos, formamos cinco ou seis pessoas por ano no mestrado e temos estudantes e pesquisadores visitantes.

O sr. é coautor de um livro sobre Paulo Freire, que foi alvo de ataques no governo de Jair Bolsonaro. Em São Paulo, o governo de Tarcísio de Freitas renomeou uma futura estação do Metrô, que homenagearia o educador. O que causa esse incômodo? Paulo Freire é um amigo que deixou este mundo cedo demais. Ele entendeu que aprender a ler é um ato político, um processo de empoderamento. Entendo que algumas pessoas queiram manter as estruturas de poder. Atacar Freire é atacar a realidade. Não sei o que faz a direita ficar tão preocupada com o que os professores dizem na escola, quando o que acontece em casa é muito mais importante.

Temos visto no Brasil um aumento de ataques violentos nas escolas. Como enfrentar esse problema? Nos Estados Unidos, temos ataques nas escolas e fora delas. O interessante para mim é que a violência que observamos, usando armas nas escolas para ferir outras pessoas, é horrível, mas representa uma pequena parte do problema. O bullying piorou com as redes sociais. Um caminho para enfrentar o problema seria dar mais responsabilidade aos estudantes, de gerir parte da vida escolar. Eles sabem de coisas que acontecem lá dentro, que os professores e os políticos não sabem. De uma forma democrática, podem tentar confrontar a violência. Simplesmente controlar com mais policiamento não funciona.


RAIO-X:
Martin Carnoy, 84

Nasceu em Varsóvia, na Polônia. É formado em engenharia elétrica pela Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e é Ph.D em economia pela Universidade de Chicago. É pesquisador do Centro Lemann em Stanford

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