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Além de joias de Bolsonaro, agentes já barraram pata de gorila e cabeça de crocodilo, mostra série

'Aeroporto: Área Restrita' acompanha profissionais que trabalham na fiscalização de passageiros e bagagens

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São Paulo

"Se pensarmos em idade e país de procedência, talvez esse seja um perfil que não corresponda, mas a questão é ouvir as histórias. Quando o passageiro está fazendo alguma coisa errada, a história nunca fecha", diz Mario de Marco Rodrigues, delegado da Receita Federal, em uma cena da série "Aeroporto: Área Restrita".

No episódio, ele se referia a um idoso de origem sueca que chegava a Guarulhos vindo do Equador. Após contar que iria se encontrar com a namorada asiática, que acabara de perder seu pai, ele teve a mala revistada pelos agentes —no fundo falso da bagagem tinha cocaína.

Agente revista bagagens em cena da série documental 'Aeroporto: Área Restrita'
Cena da série documental 'Aeroporto: Área Restrita' - Divulgação

O nome de De Marco ganhou tração nas redes sociais nos últimos dias, após a revelação de que o governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou entrar ilegalmente no Brasil com joias trazidas da Arábia Saudita.

Segundo reportagem do UOL, ele recusou um pedido feito pelo ex-secretário da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, para que liberasse os itens. A apreensão das joias sauditas foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, e a existência de um segundo conjunto de peças, masculinas, foi revelada pela Folha.

Mas joias e objetos que compõem o patrimônio nacional não são os itens mais exóticos que vão parar na fiscalização, como mostra a série de quatro temporadas.

"Aeroporto: Área Restrita" mostra que as malas de passageiros simpáticos podem esconder patas de gorila, a cabeça de um crocodilo, quilos de maconha ou mechas de cabelo humano.

As câmeras acompanham a rotina de operações de profissionais de órgãos com atribuições distintas: Receita Federal, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Vigiagro (Vigilância Agropecuária Internacional) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Além de Guarulhos, a edição brasileira também já mostrou outros terminais movimentados, como o Galeão (Rio de Janeiro) e Confins (Grande Belo Horizonte). A quarta temporada, que estreou em janeiro no Discovery e discovery+, mostra os desafios da fiscalização em meio à pandemia de Covid-19. A TV Record também exibiu temporadas.

No controle do aeroporto, os profissionais estudam o histórico dos viajantes e definem alguns alvos para que o trabalho de fiscalização seja concentrado em determinados passageiros.

Reservas feitas de última hora, passaportes emitidos recentemente, viagens curtas ou com muitas conexões são algumas das características que colocam o passageiro no radar.

A seleção também leva em conta o comportamento do passageiro na primeira abordagem. Nessas horas, até o cadastro para recebimento de programas, como o Auxílio Emergencial, serve para reforçar uma suspeita.

"Tudo indica que a senhora levou alguma coisa para fora, vai ficar no nosso alerta e se viajar de novo, vamos encontrá-la no portão de embarque", diz um dos agentes da Receita Federal ao revistar a mala de uma mulher vinda de Madri.

"É o perfil típico de 'mula' [pessoa que transporta drogas], a organização criminosa alicia pessoas como ela, que não deixa de ser uma vítima. Quando não está com a droga no momento e não tem um fragrante, a gente aconselha a não fazer mais, diz que uma hora vai ser descoberta", explica.

Nos voos de saída, eles focam em achar sinais de tráfico de drogas e transporte de madeiras raras ou animais silvestres —em um dos episódios, um empresário da fabricação de instrumentos musicais é encontrado com varetas de pau-brasil, usadas em arcos para instrumentos de corda.

Passageiros vindos dos Emirados Árabes, de países andinos e de Portugal exigem maior atenção dos profissionais da Vigiagro. No caso de alimentos, a regra é que os viajantes só podem trazer itens que sejam para consumo próprio e que estejam processados, rotulados e com certificação sanitária, explica a agente a uma brasileira vinda de Portugal, que vê seus queijos sem rótulo serem descartados.

Agente revista bagagens em cena da série documental 'Aeroporto: Área Restrita'
Cena da série documental 'Aeroporto: Área Restrita' - Divulgação

O voo para o Oriente Médio, um dos mais longos de Guarulhos, tem um histórico largo de ocorrências envolvendo transporte de itens de fauna e flora, mercadorias de valor alto e drogas. Já viagens a países africanos são usadas por quadrilhas que levam celulares roubados para revenda.

Conferindo a bagagem, eles explicam ao passageiro vindo de Miami com eletrônicos falsamente identificados como sendo de uma familiar morta que os bens avaliados em mais de US$ 1.000 devem ser declarados. O imposto é de 50% do que exceder e mais 25% de multa, por não ter declarado.

"Alvo é alvo", comemoram os agentes, após uma prisão em flagrante. Justificativas, como "sou empresário", "tenho família" ou "sou deputado estadual no Amapá" são comuns, mas não têm efeito sobre os agentes —só ajudam a desenhar o perfil de uma classe de passageiros acostumada a dar carteiradas.

Após assistir a três episódios da série, a escolha pela fila do "Nada a declarar" na próxima viagem de volta ao Brasil já pode deixar de ser menos automática e tende a ser tomada por pensamentos perturbadores —será que o "bom dia" do agente da Receita foi um teste? O pote de doce de leite argentino na mala é, na verdade, um risco para a agricultura nacional? O notebook na bolsa não parece novinho demais?

Há também uma vontade de compartilhar o senso de justiça social que permeia alguns dos casos mostrados. É como se a audiência também fosse convidada a escolher separar mentalmente os casos na fila do "perdeu, mané" ou na do "libera ele, moço".

Por um lado, é possível desaprovar com entusiasmo o contrabandista de madeira rara. Já o jovem usado como "mula" pelo esquema criminoso e a revendedora de vitaminas coreanas sem rótulo podem não ter tido sucesso na alfândega, mas dá vontade de declarar compaixão por eles.

Ainda assim, a série não consegue escapar por completo de alguns vícios e frases de efeito de programas policiais. É uma sensação que vai diminuindo aos poucos, mas nunca é totalmente superada.

Nesse contexto, apesar da simpatia despertada pelos agentes, sobretudo em momentos mais dramáticos ou engraçados, e do interesse em conhecer mais sobre a área restrita dos terminais, latinos acabam sendo suspeitos mesmo no aeroporto de um país latino, "mulas" vão presas (mas sabe-se que o chefe da quadrilha continuará livre) e ricos sonegadores devem seguir sonegando.

Aeroporto: Área Restrita

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