Além de serem líquidos cheirosos, o Flora Gorgeous Gardenia Eau de Parfum, da Gucci, e o gel de banho Dove Go Fresh Pomegranate & Lemon Verbena Scent, da Unilever, não têm muito em comum. Um é cem vezes mais caro que o outro, por volume, e é vendido por uma marca de moda, não por uma empresa de produtos de consumo industrializados.

Mas ambos foram criados pela mesma companhia, o grupo suíço de fragrâncias Firmenich. Você talvez nunca tenha ouvido falar, mas os odores que ele cria permeiam milhares de produtos, de perfumes, pastas de dente e desodorantes até detergentes líquidos. Invisível e não anunciado, é uma presença constante nas residências.

Estes são bons tempos para as fragrâncias de luxo. As vendas de velas perfumadas e perfumes de marcas e celebridades como a cantora Ariana Grande cresceram à medida que as pessoas se deliciam. A Firmenich, que silenciosamente produz muitos deles (incluindo o R.E.M. de Ariana), foi nessa onda: suas vendas de fragrâncias finas aumentaram 33% no ano passado.

A corrida foi subitamente interrompida na semana passada, quando a Firmenich e suas três maiores concorrentes foram invadidas por investigadores antitruste da Suíça, União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido. Elas são suspeitas de conluio para aumentar os preços, impedindo que concorrentes forneçam para seus clientes e limitando a produção de algumas fragrâncias.

A Firmenich, a suíça Givaudan, a alemã Symrise e o grupo americano International Flavors & Fragrances não admitiram qualquer irregularidade: dizem que estão cooperando com o inquérito, que pode não levar a acusações. Ele abrange não apenas fragrâncias, mas também "ingredientes de fragrância", que entram nos alimentos para torná-los cheirosos.

Não sabemos em quais produtos os reguladores estão de olho, mas posso fazer uma observação sobre a diferença entre os preços dos perfumes de luxo e do gel de banho. Você não precisa lutar muito quando os clientes pagam com prazer por um rótulo e um pequeno frasco de perfume. Produzir alimentos básicos é uma luta que cria uma tentação de conluio.

A presença da Firmenich e das outras é o fator oculto por trás do "boom de fragrâncias" na indústria do luxo. As grifes perceberam que podiam ganhar dinheiro adicionando perfumes a suas linhas de vestuário, mas poucas tinham a capacidade da Chanel de fazer as próprias fragrâncias. Precisavam de parceiros, e os grupos de fragrâncias estavam ansiosos para ajudar.

O aumento das vendas de fragrâncias de luxo começou durante a pandemia e continuou. Sue Nabi, executiva-chefe da empresa de beleza americana Coty, que fabrica perfumes para marcas como Burberry, Chloé e Tiffany, observou no ano passado que os consumidores estavam "comprando cada vez mais (...) itens caros" para si mesmos, não apenas como presentes.

Mas se a fragrância de luxo está em rápido crescimento ela constitui apenas uma pequena parte da indústria. A maioria é menos glamourosa e mais cotidiana: purificadores de ar, desodorantes, sabonetes, géis, detergentes em pó, limpadores de pisos e todos os outros tipos de produtos aromáticos.

A Associação Internacional de Fragrâncias, com sede em Genebra, faz parte do inquérito antitruste e me disse que conduz todas as reuniões "sob rígidas diretrizes de política de concorrência". Ela estima que, em 2017, as fragrâncias finas representaram 9% das vendas de produtos perfumados; quase 70% envolviam itens de higiene pessoal, como xampu.

A vida é mais difícil neste último setor: o crescimento é muito mais fraco e as empresas de fragrâncias enfrentam aumentos de preços de seus 3.000 fornecedores de matérias-primas, incluindo produtores de lavanda e patchuli. Elas também precisam negociar com as maiores empresas de produtos de consumo industrializados do mundo para vender suas fragrâncias, incluindo a Unilever e a Procter & Gamble.

A indústria produz uma gama enorme de cheiros e aromas: a Givaudan sozinha produz 176 "moléculas de fragrância", que vão desde salicilato de benzila ("floral, balsâmico, doce") a alicate ("frutado, ruibarbo, aromático, lilás"). Mas não importa o quão doce eles cheirem, vender produtos químicos para multinacionais é uma tarefa árdua.

O fato de que as pessoas escolhem os perfumes com cuidado, mas pouco se importam com a proveniência do cheiro de pinho do limpa-piso que dita os termos do setor. Quando a Gucci quis um perfume com "notas amadeiradas ultrassecas" consultou um dos mestres perfumistas da Firmenich, que preparou a fórmula. Quando uma multinacional fabrica um produto de supermercado tem uma infinidade de opções de fornecedores.

Talvez as empresas de fragrâncias tenham conspirado para restringir essas escolhas: saberemos quando o inquérito terminar. Enquanto isso, as investigações contam uma história sobre como ganhar dinheiro com perfumes ou outros produtos. Aproxime-se o máximo dos compradores insensíveis ao preço e mantenha-se longe das cadeias de abastecimento industriais.

Tenho outra observação: uma forma legal de limitar a concorrência é a fusão. Quando os gerentes acertam os preços dentro de uma empresa, é chamado de estratégia, não de conluio. Assim como outras, a indústria vem se consolidando: a Firmenich está se fundindo com o grupo holandês de biociências DSM: o acordo de 41 bilhões de euros (R$ 233 bilhões) foi autorizado pelas autoridades de concorrência da UE no mês passado.

Espere mais fusões depois dessa. E na próxima vez que borrifar perfume ou lavar o cabelo examine as letras miúdas na parte de trás do recipiente, assim como os rótulos na frente. O cheiro pode ter vindo da Suíça.

^{Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves}