Nos EUA, desemprego e inflação estão caindo, mas recessão pode estar a caminho

Apesar dos sinais esperançosos, economistas temem que medidas do Federal Reserve esfriem demais a economia

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Ben Casselman
Nova York | The New York Times

Existem duas maneiras totalmente diferentes de olhar para a economia dos Estados Unidos hoje: o que os dados dizem que aconteceu nos últimos meses e o que a história adverte que poderá acontecer a seguir.

A maioria dos dados recentes sugere que a economia está forte. O mercado de trabalho está incrivelmente melhor hoje do que em fevereiro de 2020, antes da pandemia de coronavírus abrir um buraco na economia global. Mais pessoas estão trabalhando. Elas ganham mais. As diferenças entre elas –de raça, gênero, educação ou renda– são menores.

Até a inflação, há muito a nuvem negra no céu ensolarado da economia, dá sinais de se dissipar. Dados do governo divulgados na quarta-feira (12) mostraram que os preços ao consumidor subiram 5% em março em relação ao ano anterior, o ritmo mais lento em quase dois anos. Nos últimos três meses, os preços subiram o equivalente a uma taxa anual de 3,8% –mais rápido do que os formuladores de políticas gostariam, mas não mais com o alarme total da inflação em seu pico, no ano passado.

Fábrica em Middlebury, Indiana, nos Estados Unidos - Eileen T. Meslar - 1°.abr.2021/Reuters

No entanto, apesar de todas as boas notícias, os economistas continuam preocupados que uma recessão esteja a caminho ou que o Federal Reserve cause uma ao tentar controlar a inflação.

"Os dados são tranquilizadores", disse Karen Dynan, economista de Harvard e ex-funcionária do Tesouro. "As coisas que nos deixam nervosos são todas as coisas sobre as quais não temos muitos dados concretos."

Começando pelos bancos: a maioria dos dados recentes é anterior ao colapso do Silicon Valley Bank e à reviravolta no sistema bancário que se seguiu. Já há sinais de que os credores de pequeno e médio porte começaram a apertar seus padrões de crédito em resposta à crise, o que, por sua vez, pode levar as empresas suas clientes a reduzir as contratações e os investimentos. A extensão dos efeitos econômicos não ficará clara por meses, mas muitos analistas –incluindo economistas do Fed– disseram que a turbulência aumentou a probabilidade de uma recessão.

O Fed começou a aumentar as taxas de juros há mais de um ano, mas o efeito desses aumentos está apenas começando a aparecer em muitas partes da economia. Somente em março a construção civil começou a cortar empregos, mesmo com o mercado imobiliário em queda desde meados do ano passado. As manufaturas também estavam oferecendo empregos até recentemente. E os consumidores ainda estão nos estágios iniciais de lidar com o que taxas mais altas significam para sua capacidade de comprar carros, pagar saldos de cartão de crédito e assumir outras formas de dívida.

Os dados que pintam um quadro tão otimista da economia são "uma retrospectiva de um velho mundo que não existe mais", disse Ian Shepherdson, economista-chefe da Pantheon Macroeconomics.

Shepherdson espera que o crescimento geral do emprego se torne negativo já neste verão, quando o impacto combinado das políticas do Fed e da crise de empréstimos bancários atingir a economia, provocando cortes de empregos. Os formuladores de políticas do Fed "fizeram mais do que o suficiente" para domar a inflação, disse ele, mas parecem propensos a aumentar novamente os juros, de qualquer maneira.

Outros economistas, no entanto, argumentam que o Fed tem pouca escolha a não ser continuar elevando os juros até que a inflação esteja definitivamente recuando. A recente desaceleração no crescimento dos preços ao consumidor é bem-vinda, eles argumentam, mas é em parte resultado da queda dos preços da energia e dos carros usados, que parecem prestes a voltar a subir. As medidas de inflação subjacente, que eliminam essas oscilações de curto prazo, caíram apenas gradualmente.

"A inflação está caindo, mas não tenho certeza de que o ímpeto continuará se eles não fizerem mais", disse Raghuram Rajan, economista da Escola de Administração Booth da Universidade de Chicago e ex-presidente do banco central da Índia.

O objetivo do Fed é fazer apenas o suficiente para reduzir a inflação sem causar uma retração tão severa nos empréstimos e gastos que leve a cortes generalizados de empregos e recessão. Encontrar esse equilíbrio perfeito, no entanto, é difícil –especialmente porque os formuladores de políticas devem basear suas decisões em dados preliminares e incompletos.

"Será extremamente difícil para eles ajustar o ponto exato", disse Rajan. "Eles adorariam ter mais tempo para ver o que está acontecendo."

Uma falha em qualquer direção pode ter sérias consequências.

A recuperação do mercado de trabalho dos Estados Unidos nos últimos três anos foi notável. A taxa de desemprego, que se aproximava de 15% em abril de 2020, caiu para a mínima de meio século que atingiu antes da pandemia. Os empregadores recuperaram todos os 22 milhões de empregos perdidos durante as primeiras semanas da pandemia e adicionaram outros 3 milhões. A intensa demanda por mão de obra deu aos trabalhadores um raro momento de alavancagem, no qual eles podem exigir melhores salários de seus patrões ou ir a outro lugar para obtê-los.

A forte recuperação ajudou especialmente grupos que com frequência ficam para trás em ambientes econômicos menos dinâmicos. O emprego tem aumentado entre pessoas com deficiência, trabalhadores com antecedentes criminais e aqueles sem diploma do ensino médio. A taxa de desemprego entre os americanos pretos atingiu uma baixa recorde em março, e os ganhos salariais nos últimos anos foram mais rápidos entre os trabalhadores com salários mais baixos.

Todo esse progresso, dizem os críticos, pode ser perdido se o Fed for longe demais em seu esforço para combater a inflação.

"Neste pequeno momento, finalmente vemos o que um mercado de trabalho deve fazer", disse William Spriggs, professor da Universidade Howard e economista-chefe da AFL-CIO. E os trabalhadores que mais se beneficiarão da atual força do mercado de trabalho, disse ele, serão os que mais sofrerão com uma recessão.

"Você deve ver a partir deste momento o que está realmente arriscando", disse Spriggs. Com a inflação já caindo, disse ele, não há razão para os formuladores de políticas correrem esse risco.

"O mercado de trabalho está finalmente atingindo seu ritmo", disse ele. "E, em vez de comemorar e dizer: 'Isso é fantástico', temos o Fed pairando sobre todos, lançando sombra sobre esse conjunto inacreditável de circunstâncias e dizendo: 'Na verdade, isso é ruim'."

Mas outros economistas alertam que também há riscos de o Fed fazer muito pouco. Até agora, empresas e consumidores têm tratado a inflação principalmente como um desafio sério, mas temporário. Se, em vez disso, eles começarem a esperar que as altas taxas de inflação continuem, pode se tornar uma profecia autorrealizável, já que as empresas estabelecem preços e a demanda dos trabalhadores aumenta em antecipação a custos mais altos.

Se isso acontecer, o Fed poderá ter de tomar medidas muito mais agressivas para conter a inflação, potencialmente causando uma recessão mais profunda e dolorosa. Isso, pelo menos de acordo com muitos economistas, foi o que aconteceu nas décadas de 1970 e 1980, quando o Fed, sob Paul A. Volcker, controlou a inflação à custa do que foi, fora a Grande Depressão e a pandemia, a mais alta taxa de desemprego já registrada.

O verdadeiro debate não é entre os males relativos da inflação e do desemprego, argumentou Jason Furman, economista de Harvard e ex-assessor do presidente Barack Obama. É entre algum desemprego agora e potencialmente muito mais desemprego mais tarde.

"Você corre o risco de perder milhões de empregos se esperar demais", disse Furman.

Houve alguns sinais encorajadores –embora ainda hesitantes– nas últimas semanas de que o Fed pode estar tendo sucesso na delicada tarefa de desacelerar a economia apenas o suficiente, mas não muito.

Dados do Departamento do Trabalho deste mês mostraram que os empregadores estão anunciando menos vagas abertas e que os trabalhadores estão mudando de emprego com menos frequência, ambos sinais de que o mercado de trabalho está começando a esfriar. Ao mesmo tempo, o grupo de trabalhadores disponíveis cresceu à medida que mais pessoas voltaram à força de trabalho e a imigração se recuperou.

A combinação de aumento da oferta e redução da demanda deveria, em teoria, permitir que o mercado de trabalho se reequilibrasse sem causar cortes de empregos generalizados. Até agora, isso parece estar acontecendo: o crescimento dos salários, que o Fed teme estar contribuindo para a inflação, desacelerou, mas as demissões e o desemprego continuam baixos.

Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, disse que os dados recentes do mercado de trabalho o deixaram mais otimista sobre como evitar uma recessão. E embora esse resultado esteja longe de certeiro, disse ele, vale a pena manter o debate atual em perspectiva.

"Dada a incrível desaceleração da economia que vimos em 2020 –com medos óbvios de um resultado muito, muito, muito pior– se você realmente conseguir voltar a uma taxa de inflação razoável e altos níveis de emprego em um período de, digamos, três a quatro anos, seria um resultado muito bom", disse Hatzius.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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