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Carro popular dos anos 90 não tinha nem retrovisor direito; veja os modelos e conheça a história

Novo plano para reduzir preços de automóveis repete receita antiga com ingredientes novos

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Fiat Uno Mille Flex e Chevrolet Celta Flex Renato Stockler/Folhapress

Eduardo Sodré

Jornalista especializado no setor automotivo

O plano de incentivo à produção e à comercialização de automóveis acrescenta poucas novidades em uma agenda já adotada no passado.

Elementos da política estabelecida nos governos de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco se somam a decisões tomadas nos mandatos passados de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Se houver algum subsídio para financiamento, haverá paralelo até com o projeto adotado em 1964. Contudo, os automóveis e o mercado mudaram, bem como os desejos dos consumidores.

Os históricos são parecidos. Em dezembro de 1988, tempos de hiperinflação, os carros novos acumulavam alta de 1.839,5% em 12 meses. No mesmo período, o índice oficial do país ficou em 933,6%. Comprar um automóvel zero-quilômetro era um sonho distante, algo que acontece novamente agora. Vendas em queda e risco de demissões eram os argumentos frequentes das montadoras.

No dia 27 de junho de 1990 foi publicado o decreto número 99.349, que reduzia para 20% o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros com motor de até 1.000 cm³. Antes, a alíquota ia de 37% a 42% –com exceção dos 5% cobrados de um nicho muito específico, em que o único modelo que se encaixava era o Gurgel BR800.

Além de "matar" o carrinho da Gurgel – que foi incluído na nova faixa de tributação e perdeu competitividade–, a medida forçou as montadoras a investir em motores "mil", que estavam fora do mercado. Só a fiat tinha uma opção na prateleira. Havia um motor de 994 cm³ em produção, projeto antigo que havia sido adaptado para o Uno tipo exportação.

A montadora já estava de olho na nova regra, cujos termos eram conhecidos bem antes de Collor assinar o decreto. Nascia então o Uno Mille, que estreou em agosto de 1990. Seu preço corrigido pelo IPCA seria de R$ 51,3 mil. Foi o primeiro passo rumo ao que vieram a ser os carros populares.

Apesar da redução dos preços, o segmento seguia em crise. O crescimento só era visto em um pequeno nicho, em que estavam os modelos importados que retornaram ao mercado. A produção nacional seguia retraída em meio a crises política e econômica, e os preços estavam novamente elevados.

Após o processo de impeachment de Collor –que foi encerrado com a renúncia–, Itamar Franco assumiu o governo com a necessidade de reaquecer a economia e ocupar a indústria. A posse ocorreu em dezembro de 1992. Em abril de 1993, o IPI foi novamente reduzido, e os modelos com motor 1.0 passaram a ter uma alíquota simbólica, de 0,1%.

Em março de 1993, o Uno Mille custava o equivalente a R$ 71 mil em sua versão mais simples. Em maio daquele ano, o valor havia caído para aproximadamente R$ 51 mil.

As idas e vindas dos preços, as queixas das montadoras e os incentivos tributários pontuais se repetiram nos anos seguintes e voltam a ocorrer agora. Os carros, contudo, são muito diferentes, bem como as exigências das leis e dos consumidores.

Os principais candidatos a populares do século 21 são projetos de origem asiática, mas desenvolvidos em conjunto com o Brasil. Renault Kwid e Citroën C3 surgiram na Índia, mercado que também necessita de modelos de baixo custo.

São carros que nasceram após as mudanças nas regras de segurança no mercado nacional. Desde janeiro de 2014, todos os modelos novos vendidos no país trazem airbags frontais e freios com sistema ABS (que evita o travamento das rodas em situações de emergência).

Além disso, são equipados com os itens mais desejados pelo mercado consumidor. Hoje todas as versões trazem ar-condicionado, direção assistida e acionamento elétrico dos vidros dianteiros e das travas das portas.

Mais em conta, o Kwid custa a partir de R$ 68.990. Em abril, pouco antes de as conversas sobre redução tributária tomarem forma, o carro era comercializado por valores promocionais, entre R$ 61 mil e R$ 64 mil. Mas sem renunciar aos equipamentos de fábrica.

Descontos ocorrem sempre que há estoque disponível ao mesmo tempo em que chega o momento de mudar o ano/modelo. Havia unidades 2022/2023 nas lojas, mas as unidades 2023/2023 já estavam em produção. E é melhor dar desconto no varejo do que abrir mão de um percentual bem maior de lucro ao vender esses carros às locadoras.

Com incentivos tributários, o preço praticado nas lojas cairá para menos de R$ 60 mil, como o governo deseja. Talvez haja a retirada de um ou outro componente ou a simplificação de acabamentos internos e externos, mas sem perder itens de segurança. E se surgirem versões sem ar-condicionado, provavelmente serão repassadas a frotistas.

Outro fator que pode levar à redução de preço é a venda direta para pessoa física, que está entre os pontos da proposta. Dessa forma, o consumidor teria acesso a condições que hoje são exclusivas para empresas, e o desconto poderia se aproximar dos 15%.

Nada que se pareça com o Uno Mille de 1993, que não tinha nem retrovisor do lado direito. As saídas de ar eram apenas centrais, sem refrigeração ou aquecimento. O câmbio trazia apenas quatro marchas.

Embora a evolução dos produtos mostre que será difícil chegar aos cerca de R$ 50 mil –patamar histórico dos carros populares em valores corrigidos pelo IPCA– é preciso considerar também o avanço dos métodos de projeto e produção, que reduzem custos de desenvolvimento, e o ganho de escala proporcionado por um eventual aumento das vendas.

A conta não é feita apenas a partir do que pode ser retirado dos carros para se reduzir os preços, mas considera o quanto o projeto é adaptável a novas regulamentações. É por isso que modelos feitos para regiões de renda média mais baixa saem na frente no processo de "popularização".

Agora o principal avanço será a tributação por eficiência energética. Se for bem elaborada, pode impulsionar a eletrificação e acelerar a chegada de modelos híbridos a etanol. Será também um impulso para modelos mais caros que adotam tecnologias menos poluentes.

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