Descrição de chapéu Governo Lula

Haddad é ótimo para o mercado, mas não sei se é tão bom para o Brasil, diz aliado de Lula

Para presidente do PSB, partido de Alckmin, governo tem uma base ideologicamente móvel

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Brasília

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, faz um balanço positivo dos primeiros meses de governo Lula (PT), mas vê como preocupante o arcabouço fiscal aprovado na Câmara dos Deputados, por avaliar que ele limita investimentos.

Siqueira diz que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem uma política alinhada ao mercado e afirma ter dúvidas sobre a condução da pasta pelo petista.

O ministro é apelidado por correligionários como o petista mais tucano. "Ele [Haddad] é mais aberto ao mercado e isso tem suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas para o país, não sei se [é] tão bom assim", diz Siqueira em entrevista à Folha.

Para o dirigente do PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, a articulação política tem se esforçado nesse início de governo. No entanto, o Palácio do Planalto deveria dar agilidade à liberação de emendas e nomeações políticas.

O presidente do PSB Carlos Siqueira, em sua sala na sede do partido. - Gabriela Biló -24.mai.2023/Folhapress

Qual balanço o sr. faz dos primeiros meses de governo? Faço um balanço positivo. Primeiro, a eleição do presidente Lula e a formação de um novo governo [permitiu ao país] sair de uma reta de retrocesso. Vejo também como interessante a iniciativa do governo em priorizar essa questão econômica. Acho que o arcabouço fiscal tem limites, digamos assim, do investimento, por isso eu acho preocupante que o Estado brasileiro possa ficar muito limitado para iniciativas importantes de grande porte.

O sr. está falando da aprovação do arcabouço. Avalia que esse projeto pode acabar gerando problemas políticos para o governo futuramente? Há setores da esquerda que têm uma visão crítica sobre essa política econômica, assim, muito relacionada aos interesses do mercado. Mas eu acho que temos que cair na realidade que, politicamente, é o que é possível fazer nesse momento. Por isso mesmo o PSB acompanhou firmemente a votação do arcabouço fiscal, mas não deixa de ser preocupante.

O sr. endossa as críticas feitas, então? Acho que elas têm razão de ser, embora a realidade política nos chame para responder a desafios que são possíveis. Acho que a política exige realismo e isso precisa ser encarado na prática.

O Planalto conseguiu amarrar o PT, que votou a favor do arcabouço, mas com críticas. Isso gera instabilidade no governo? Não diria instabilidade. Quando o mercado olha para a área econômica do governo, vê claramente que tem um horizonte que é mais sintonizado com ele. As críticas são de que podíamos ter uma margem maior de investimento, e não temos por conta de limites que foram criados, e que decorrem do excesso de liberalismo do passado recente. Então, são coisas que tanto um lado como o outro têm suas razões.

A medida partiu do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem sido criticado por setores do PT, que o consideram excessivamente liberal. O sr. concorda? Eu não diria excessivamente. Excessivamente era no Bolsonaro. No governo Bolsonaro era o [Paulo] Guedes, né? Ele [Haddad] é mais aberto ao mercado e isso tem suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas para o país, não sei se [é] tão bom assim.

Por que o sr. diz isso sobre Haddad? Eu até gosto muito do Haddad, mas acho que as políticas que foram feitas nas últimas décadas no país estão muito sintonizadas. O poder do sistema financeiro nacional e internacional é muito grande e ele se reflete no mundo da política de uma maneira que as pessoas nem sequer percebem. Há uma predominância hoje disso aí, inclusive a própria composição do Congresso e as dificuldades do governo são reflexo dessa influência.

Presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do ministro Fernando Haddad
Presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do ministro Fernando Haddad - Gabriela Biló /Folhapress

Um dos planos do Ministério da Fazenda é zerar o déficit no próximo ano. O sr. concorda com isso? O país tem R$ 600 bilhões de renúncia fiscal. Haddad está propondo uma recuperação de R$ 150 bilhões do lado da receita. Tem que ter espaço para investimentos. Há que se ter responsabilidade fiscal, mas também com margem para investimentos e direitos sociais, como educação, saúde etc.

O governo sofreu uma derrota nos decretos do saneamento, inclusive com voto do PSB. Qual sua avaliação sobre a articulação política? Naquele caso [do saneamento], que foi um assunto secundário, digamos assim, e o governo realmente vacilou um pouco, porque poderia ter feito de uma maneira mais ágil. Isso faz parte do processo. O próprio governo depois reagiu bem porque me chamou para conversar, tivemos uma reunião com os três ministros, com o vice-presidente, com o ministro [de Relações Institucionais, Alexandre] Padilha, com o próprio PT.

O que gerou essa derrota, a falta de diálogo? Eu acho que aquilo ali foi um recado do Congresso ao governo com a insatisfação pela não liberação de emendas, pela demora nos cargos. Achei que tanto o PT como o governo, quando ele nos criticou, nos cobrou corretamente. Acho que governo é governo, oposição é oposição. Se você tem uma insatisfação, tem que demonstrar internamente. Em votação, pode ter uma visão crítica, mas isso não quer dizer que vote contra o governo.

O sr. considera que o governo tem base no Congresso, ou ele é dependente do presidente da Câmara? Acho que o presidente da Câmara tem um poder muito grande sobre as bancadas do chamado centrão, e ele tem exercido esse poder. Porém o governo também tem sua margem de manobra, porque governo tem os instrumentos, que inclusive contribuíram na votação do arcabouço, para exercer sua influência. O governo tem uma base que ideologicamente eu considero móvel. Para alguns assuntos, ela vai funcionar bem, para outros, nem tanto, e para um outro, pode não funcionar bem.

Para o que ela vai funcionar bem? Acho que para a questão econômica, com os limites que mencionei. Para a questão democrática, ela pode e já tem ajudado. E do ponto de vista de costumes, eu acho que ela é muito conservadora e continuará sendo.

O agora ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha (PT) e o presidente Lula (PT), durante evento da transição, em dezembro - Ueslei Marcelino - 22.dez.22/Reuters

O sr. tem uma posição sobre a exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas? O país não pode dispensar seus recursos. Agora, obviamente, quando se trata da Amazônia, há que se ter os cuidados necessários, de maneira que seja um desenvolvimento sustentável. A defesa do meio ambiente não significa dizer interrupção do desenvolvimento do país.

O sr. acha que isso pode passar uma imagem, principalmente para o exterior, de que houve uma intromissão do presidente Lula no caso? Eu não chamaria de intromissão, porque o presidente da República é quem decide no governo. Ministro cumpre decisão. E se tem meios que não deterioram o meio ambiente, por que não fazer?

O PSB se sente contemplado na Esplanada? Sim. O PSB tem três ministros, três pessoas com experiência. E estão procurando dar sua contribuição. Nós nunca reclamamos. É claro que há questões de deputados, cargos aqui ou ali num estado que ainda não foram atendidos. Esperamos que tenha uma solução adequada que possa também colaborar com aqueles que contribuem com o governo no Congresso.


Raio-X

Carlos Roberto Siqueira de Barros, 68

Advogado e presidente do PSB, foi homem de confiança do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes. Foi presidente da Fundação João Mangabeira de 2007 a 2014 e coordenou a campanha presidencial de Eduardo Campos em 2014. Assumiu a direção do partido após a morte de Campos

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