Relator do arcabouço inclui trava para concursos e reajuste a servidores; votação é adiada

Política de valorização do salário mínimo e Bolsa Família ficarão de fora dos gatilhos, conforme pedido de Lula

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Brasília

Lideranças da Câmara dos Deputados fecharam um acordo para endurecer as regras do novo arcabouço fiscal proposto pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com a inclusão de gatilhos automáticos para ajustar as despesas em caso de descumprimento da meta. Entre as medidas estão a proibição de concursos públicos e de aumentos para servidores.

A política de valorização do salário mínimo, porém, ficará blindada desses mecanismos, como pediu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os gastos com o programa Bolsa Família também ficarão fora do alcance desses dispositivos, segundo o relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).

Deputado federal Cláudio Cajado, relator do projeto do Arcabouço Fiscal na Câmara. - 04.mai.2023-Pedro Ladeira/Folhapress

"O salário mínimo e o Bolsa Família são excepcionalizados. O Bolsa Família, por ser despesa obrigatória, e o salário mínimo porque [o colegiado de líderes] fez acordo aqui para que pudéssemos excepcionalizar", afirmou Cajado, após reunião com lideranças da Câmara na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), na noite desta segunda.

Como mostrou a Folha, em meio à discussão dos gatilhos, o governo e o Congresso chegaram a debater a possibilidade de travar os aumentos reais do salário mínimo (acima da inflação) em caso de estouro da meta fiscal. Essa sanção seria aplicada apenas em situação extrema, se o descumprimento ocorresse por dois anos seguidos.

A possibilidade gerou reação dentro do PT e no próprio governo. Em reunião com o núcleo de governo nesta segunda-feira (15), Lula definiu como prioritária a preservação de uma política de valorização do salário mínimo e do programa Bolsa Família. A orientação do petista era de que esses dois itens ficassem imunes às sanções no novo arcabouço fiscal.

Apesar do acordo, a votação do novo arcabouço fiscal proposto pelo governo foi adiada para a próxima semana. Na quarta-feira (17), a expectativa é aprovar apenas a urgência do projeto, que lhe garante prioridade na pauta da Câmara. Segundo Cajado, há uma expectativa de votar o mérito do texto na outra quarta-feira (24).

Segundo interlocutores, a redação do arcabouço deve prever que os gatilhos não travam o funcionamento da política de valorização do salário mínimo —cujo desenho ainda precisa ser validado pelo Congresso.

Isso significa que, se prevalecer a proposta do governo Lula, o piso nacional sempre será reajustado pela inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, mesmo em caso de descumprimento da meta. Por outro lado, somente o reajuste real prescrito pela política poderá ser adotado nesse cenário —ou seja, ganhos ainda mais generosos ficariam inviabilizados.

A excepcionalização desses pontos atende a uma demanda do PT, que precisou ceder em outras questões. A sigla vinha resistindo à implementação dos chamados gatilhos de ajuste, mas o acerto final prevê a inclusão desses dispositivos no texto.

No primeiro ano de descumprimento da meta, o governo não poderá criar novos cargos, ampliar auxílios, vantagens, criar novas despesas obrigatórias e conceder novos incentivos fiscais.

Também ficará proibida a adoção de medida que implique aumento de despesa obrigatória acima da inflação —exceto no caso do salário mínimo, que poderá seguir a política de valorização.

Se a meta ainda assim for descumprida pelo segundo ano seguido, entram em cena outras medidas de ajuste, que proíbem a concessão de aumentos salariais a servidores e realização de concursos públicos.

O relator também vai prever no projeto de lei que o governo tem a obrigação de contingenciar despesas, caso haja frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. Esta seria uma medida prudencial adotada pelo gestor para tentar evitar o estouro da meta.

A inclusão das sanções vinha sendo alvo de cobranças do mercado e de parlamentares de centro e direita. Esse grupo almejava obter uma norma mais rígida. De outro lado, havia pressões vindas do próprio PT por um afrouxamento das diretrizes.

Pela proposta original do governo, a nova regra tem dois pilares: um limite para o crescimento de gastos (equivalente a 70% do avanço real da arrecadação) e uma meta de resultado primário (obtido pela diferença entre receitas e despesas).

O objetivo traçado por Haddad é zerar o déficit já no ano que vem e chegar a um superávit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2026.

As metas de primário possuem uma margem de tolerância, de 0,25 ponto percentual para mais ou menos. Se mesmo assim o objetivo for descumprido (isto é, o resultado for pior do que o permitido por essa banda), o ritmo de correção do limite das despesas cai a 50% da alta nas receitas.

Não havia, porém, uma lista de medidas específicas que deveriam ser adotadas para assegurar que as contas retomem a trajetória de equilíbrio. Por isso, diferentes siglas querem prever sanções mais rígidas em caso de descumprimento das metas fiscais, enquanto os petistas resistem a esses mecanismos.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que o acordo construído com os líderes cria um ambiente favorável à aprovação da proposta na semana que vem. Segundo ele, há um compromisso da maioria dos líderes para votar a urgência ainda nesta semana. "O único partido que ia analisar se ia votar a urgência ou não é o PL", afirmou.

"O entendimento está muito consolidado. Posso dizer que estou muito seguro de que aprovaremos essa matéria, porque o país precisa, o ministro Haddad teve a sensibilidade necessária, o governo ajustou as suas posições, o relator igualmente e as bancadas também. Claro que é a média da Casa, não é só um lado", disse Guimarães.

Cajado indicou que o texto ainda pode sofrer novos ajustes, desde que haja acordo entre os líderes. "Está mais ou menos encaminhado que não deva existir apresentação de emendas nem destaques [sugestões de mudança durante a votação], porque foi um acordo que estamos produzindo aqui, para que o texto seja do consenso de todos", disse.

Mais cedo na segunda, Haddad participou de reunião da executiva do PT para discutir o texto. Segundo o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), o ministro foi aplaudido no encontro.

"O Ministro da Fazenda @Haddad_Fernando sai aplaudido da reunião da Executiva Nacional do PT com a bancada do partido. Foi reconhecido por sua firmeza, pelo seu compromisso e pela habilidade com que vem negociando o novo regime fiscal sustentável com o Congresso Nacional!", escreveu em uma rede social.


Entenda os gatilhos de ajuste incluídos no arcabouço fiscal

No primeiro ano de descumprimento da meta fiscal, é vedado:

  • Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa

  • Criação ou majoração de auxílios, vantagens e benefícios de qualquer natureza

  • Criação de despesa obrigatória

  • Medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a manutenção do poder de compra

  • Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento de dívidas que ampliem subsídios e subvenções

  • Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária

As medidas valem por um ano. Se no ano seguinte a meta for atingida, as sanções caem automaticamente.

O presidente da República pode propor ao Congresso a suspensão parcial ou maior gradação das vedações listadas acima, desde que demonstre que o impacto e a duração das medidas adotadas serão suficientes para a correção do desvio.

No segundo ano seguido de descumprimento da meta fiscal, também fica vedado:

  • Aumentos e reajustes em geral na despesa com pessoal

  • Admissão ou contratação de pessoal, a não ser para repor vacâncias

  • Realização de concurso público, exceto para repor vacâncias

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