Como a Unilever está trabalhando para entender o cabelo das mulheres negras

A cada semana a companhia leva pessoas a um salão para testar novos produtos, na esperança de conseguir uma parcela do subvalorizado porém crescente mercado de beleza negra

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Jordyn Holman
Connecticut | The New York Times

Marcella Roberts e Brooke Council estavam sentadas em um salão de beleza numa tarde recente, falando do quanto estavam gostando de seus cabelos. As duas mulheres, ambas negras, falavam de um creme novo que estão usando para modelar e hidratar seus penteados cacheados.

"Esse produto faz maravilhas", disse Robert, que trabalha ao ar livre diariamente, fazendo leituras de parquímetros, razão por que seus cachos ficam ressecados em pouco tempo. "O efeito dura alguns dias."

"Até minha colega de trabalho comentou como meu cabelo está macio", disse Coucil.

Na ilustração, sobre um fundo rosa estão localizadas três silhuetas femininas de cor marrom, a primeira e a terceira usam blusas de cor laranja e possuem cabelos longos, a segunda, ao centro, usa uma blusa azul e cabelos que remetem a uma trança presa, que sobe até o alto da cabeça. As figuras estão voltadas para o leitor, sendo que a terceira está com a cabeça apoiada, de modo afetivo, junto ao peito da mulher ao centro.
Ilustração publicada em 17 de março - Linoca Souza

O creme não deixa floquinhos no couro cabeludo das mulheres, elas disseram, como às vezes ocorre com outros produtos. E, apesar de ter um perfume tropical um pouco forte demais quando é aplicado, o cheiro "abranda e fica agradável" no decorrer do dia, disse Council.

O cheiro forte inicial não impediu Roberts de cobrir o couro cabeludo inteiro com o creme. "Não é preciso usar muito para ter um efeito bom", ela disse. "Eu quis experimentar. Pensei, ‘afinal, este é um centro de testes de produtos’."

O centro de testes ao qual ela aludiu era o próprio salão, administrado pela Unilever, um dos maiores conglomerados mundiais de produtos para o consumidor e proprietária de marcas como Dove, Vaseline e SheaMoisture. O produto que as mulheres estavam avaliando era um dos mais recentes da companhia, e, enquanto elas expressavam suas reações, cientistas da Unilever ouviam e tomavam notas em seus telefones.

O salão –e o feedback recebido de pessoas que testam produtos no local— é uma maneira pela qual a Unilever está tentando penetrar o mercado há muito tempo subvalorizado, mas cada vez mais importante, dos produtos para os cabelos negros. Os consumidores negros são um grupo em que as empresas de produtos de beleza há gerações investem pouco, quando não simplesmente ignoram. No entanto, com pessoas não brancas compondo uma parcela crescente da população americana, hoje é um imperativo comercial para as empresas entenderem as necessidades dos milhões de consumidores que têm cabelos não lisos.

Se a Unilever acertar, ela pode conquistar uma parcela maior do US$1,8 bilhão que consumidores negros nos EUA desembolsam anualmente com produtos para os cabelos. As mulheres negras tendem a usar duas vezes mais produtos de cuidado e modelagem de cabelos que as brancas. Apesar dessa demanda, os consumidores negros são três vezes mais propensos que outros grupos raciais a se dizer insatisfeitos com as opções existentes para o cuidado de sua pele e cabelos, segundo relatório da McKinsey divulgado no ano passado.

"Estou empolgado com o trabalho realizado até aqui, mas também com o que ainda falta ser feito", comentou Peter Schrooyen, responsável pelas operações de pesquisa e desenvolvimento da Unilever para uma dúzia de marcas de produtos de beleza na América do Norte. "Temos muito know-how sobre pessoas da Índia ou África com pele mais escura, mas relativamente pouca informação sobre os afro-americanos, as pessoas negras, pardas e hispânicas da América do Norte."

A cada semana a Unilever traz 50 homens e mulheres para seu salão, chamado Centro Policultural de Excelência. Mais de metade dos participantes são pessoas não brancas.

As pessoas não são informadas do nome do produto que está sendo testado ou da finalidade que a empresa prevê para ele. Em vez disso, os executivos querem detectar como os testadores reagem com o produto, porque isso pode revelar uma utilização dele que ainda não tinha sido cogitada.

"Isso é para preencher as lacunas de entendimento biológico ou do que podemos ter achado que entendemos a partir de um ou dois estudos", disse Tiffany Yizar, diretora do centro técnico de beleza multicultural da Unilever América do Norte.

Do outro lado da rua em relação ao salão, a Unilever tem um laboratório de pesquisas e desenvolvimento onde ela testa ingredientes e fórmulas criados para cabelos cacheados. É no salão que a empresa procura descobrir o que incentiva as pessoas a comprar mais de seus xamps, condicionadores e loções de redes varejistas como Target, CVS e Sally Beauty. (De vez em quando a Unilever recruta fregueses nessas lojas para participarem dos testes.) Depois de receber o feedback das pessoas no salão, os produtos às vezes são mandados de volta ao laboratório para passar por alterações.

A Unilever enfrenta concorrência crescente de empresas que estão começando com o comércio eletrônico e conquistaram bases de seguidores nas redes sociais. Tanto ela quanto a também gigante Procter & Gamble vêm adquirindo algumas dessas marcas emergentes. Mas injetar dinheiro em seu próprio setor de pesquisas e desenvolvimento permite à Unilever entender a ciência subjacente ao cabelo texturizado, disse Jennifer Van Wyk, ex-pesquisadora da TRI Princeton, que realiza pesquisas em ciência cosmética que recebem apoio financeiro da Unilever e outras companhias.

A Unilever opera seu centro de testes com consumidores há cinco anos. Mas na esteira dos protestos por justiça racial, em 2020, a empresa percebeu que poderia fazer mais. Em 2021, executivos prometeram dobrar até este ano os recursos para pesquisas e criação de produtos para pele rica em melanina e cabelo texturizado.

Ao longo dos anos, várias empresas da Unilever foram criticadas pelo modo como retrataram mulheres não brancas em seu marketing. Um anúncio do sabonete Dove em 2017 mostrou uma mulher negra tirando sua camiseta cor da pele para revelar uma mulher branca de camiseta branca. O anúncio insinuou um conceito racista segundo o qual as pessoas negras são sujas. Após reações de indignação nas redes sociais, a Dove se desculpou e disse que lamentava profundamente "a ofensa que causou".

Para os consumidores negros e pardos, a decisão de compra não se resume apenas à compra de produtos cientificamente adaptados ao seu tipo de pele e cabelo. Trata-se também de sentir que uma empresa grande como a Unilever está tentando ganhar sua confiança, pedindo seu feedback e representando-os plenamente.

Entender esses consumidores é uma das principais responsabilidades de Yizar na companhia. Ela aconselha a Unilever sobre quais produtos podem e devem entrar no mercado até 2026. Yizar, 37 anos, é engenheira química que estudou na Universidade Brown porque, segundo disse, isso a mergulhou em um ambiente de artes liberais ao mesmo tempo em que ela estudava a ciência dura da engenharia química e bioquímica.

Yizar é afrolatina e usa o cabelo trançado em dreads. Ela disse: "A beleza é um corredor realmente longo. Eu cresci numa época em que apenas uma parte pequena daquele corredor era para mim. Por isso acho que devemos a nossos consumidores oferecer uma diversidade de opções."

Conquistar uma cliente com cabelos texturizados não significa que o mesmo produto vai funcionar para a cliente seguinte que tenha o cabelo naturalmente cacheado.

"Francamente, o maior desafio é ter uma abrangência muito grande", disse Courtney Rominiyi, analista na Mintel que pesquisa a indústria de produtos para os cabelos. "Acho que um dos maiores problemas que as marcas têm tido é a tentativa de atrair todos os consumidores negros."

Tradução de Clara Allain

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