Empresa que adere ao Refis termina com menos empregos que as demais, segundo estudo

Levantamento mostra redução de 6,2% entre beneficiárias de programa em 2014 na comparação com outras companhias

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São Paulo

Empresas que aderiram em 2014 a um plano de desconto e parcelamento de débitos tributários tinham, três anos depois, uma média de 6,2% menos empregos do que companhias semelhantes que não participaram do programa, conhecido como Refis da crise.

O resultado é contraintuitivo. Anistias tributárias como a do Refis (de recuperação fiscal) costumam ser justificadas exatamente pela manutenção ou geração de empregos: o empresário, ao receber alívio no custo, estaria apto a preservar ou criar postos de trabalho.

Mas isso não acontece, segundo aponta o estudo "Refis e emprego: uma análise dos programas de recuperação fiscal no Brasil", elaborado por Natalia Ferreira Rodrigues, Diego de Faveri e Gregory Michener, da FGV Ebape.

Fachada do prédio da Superintendência da Receita Federal em Brasília (DF)
Fachada do prédio da Superintendência da Receita Federal em Brasília (DF) - Antonio Molina/Folhapress

"As anistias fiscais gerais do Brasil parecem ser investimentos excepcionalmente ruins de recursos públicos", afirmam os autores. Entre as conclusões, eles sustentam que programas como o Refis desperdiçam dinheiro dos contribuintes que poderia ser usado em outras políticas públicas.

E bota dinheiro nisso. O Refis de 2014 representou renúncia de R$ 9,4 bilhões de dívidas fiscais (valores da época). Ou seja, para ajudar as empresas, o Estado brasileiro abriu mão de tentar receber essa quantia.

A depender do programa –foram mais de 30 desde o ano 2000—, o montante pode ser ainda maior. Cálculos sobre uma anistia em discussão no Congresso no final de 2021 indicavam perda de receita de R$ 92,1 bilhões, mais do que o valor destinado ao Auxílio Brasil (que agora voltou a se chamar Bolsa Família).

Para concluir que houve desperdício, Rodrigues, Faveri e Michener olharam as 62.964 empresas que ingressaram no Refis de 2014 e selecionaram 35.272 que não tinham se beneficiado de anistias anteriores.

Depois, cruzaram bases de dados para ver quais tinham informações completas com a variável "número de funcionários" por um período de três anos antes e três anos depois da anistia.

Aplicados os filtros, sobraram 10.013 empresas para a análise. Eles então as compararam com 223.202 companhias que tampouco haviam participado de programas anteriores, que tinham dados completos para o período de 2011 a 2017 e eram elegíveis para o Refis de 2014, mas que, por motivos variados, não aderiram.

O passo seguinte foi segmentar as empresas por tamanho –micro, pequenas, médias/grandes— e, dentro de cada grupo, parear as que tinham as mesmas características, como setor, tempo de atividade e unidade da Federação.

Com esses critérios, os autores consideram que a amostra de empresas selecionadas para a análise é representativa do universo total de beneficiárias do Refis da crise.

Na média, as beneficiadas pelo programa de 2014 terminaram o período de análise com 6,2% empregos a menos, um resultado puxado pelas empresas médias e grandes: elas tiveram quase 10% menos empregos, enquanto a queda nas pequenas foi de 5,5%, e nas micro, de 1%.

A proposta dos autores não era explicar a redução de empregos detectada, mas eles sugerem algumas hipóteses, entre as quais a possibilidade de os beneficiários da anistia pegarem o dinheiro economizado com tributos e o investirem em ativos com retornos mais altos do que teria seu próprio negócio.

Uma segunda conclusão do estudo é que as anistias fiscais aumentam a desigualdade, já que o perdão é proporcional ao tamanho da dívida. Os autores mostram que, do total renunciado com o Refis de 2014, 77,5% beneficiou as empresas grandes e médias, embora elas fossem 27,8% das companhias no programa.

Rodrigues, Faveri e Michener afirmam no estudo: "O desempenho insatisfatório das anistias fiscais sem dúvida ajuda a explicar por que o desenvolvimento e a aprovação dessas políticas ocorrem às escondidas".

FALTA DE TRANSPARÊNCIA

De acordo com o artigo, há ainda um problema grande para a pesquisa: a falta de informações sobre o Refis e seus participantes. Para Gregory Michener, que é professor da FGV, o programa deveria ser muito mais transparente, até para coibir distorções como deputados e senadores reduzindo suas próprias dívidas.

"Entidades que estão usando recursos públicos para fins privados deveriam ter publicidade dos nomes. É uma luta em vários países", afirma, embora reconheça que o debate não seja fácil, por envolver proteção de dados e questões comerciais.

Mais fácil, na visão dos autores, seria garantir maior participação pública na elaboração dos Refis. Na maior parte das vezes, o programa tem sido criado por meio de medida provisória ou dos chamados jabutis –regras que entram de carona em projetos sobre outro assunto.

Foi esse o caso do Refis de 2014, inserido no projeto que converteu em lei uma medida provisória sobre o Inovar Auto, um incentivo à cadeia produtiva de carros.

A tramitação apressada e a falta de transparência geral produzem outro problema: o governo não costuma analisar a capacidade de pagamento dos devedores, permitindo que a anistia beneficie empresas que não precisariam dela, segundo o estudo. A lei 13.988/20 buscou corrigir essa falha, mas ainda é cedo para dizer se foi bem-sucedida.

Do ponto de vista do governo, é comum que anistias como o Refis sejam usadas para uma ampliação imediata da arrecadação. No médio e longo prazo, contudo, o efeito é inverso, pois sabem que, cedo ou tarde, haverá um novo programa de desconto e condições favoráveis para quitarem os débitos.

"Vários organismos internacionais já estudaram o problema comportamental que existe ao instituir anistias com muita frequência", diz Natalia Rodrigues, que é procuradora da Fazenda Nacional e mestre em administração pública pela FGV.

"O empresário vai deixando de pagar para poder aderir a um futuro programa, então ele vai pagar menos do que se tivesse pagado em dia. Esse efeito vai corroendo a arrecadação", afirma a pesquisadora.

Daí por que o FMI (Fundo Monetário Internacional) recomenda que os parcelamentos, caso venham a ser oferecidos, limitem-se a um prazo de 12 a 24 meses. No Brasil, o Refis de 2014 concedeu até 180 meses, ou 15 anos –um padrão por aqui.

Procurada pela Folha, a Receita Federal afirmou que não há nenhum novo Refis em análise neste momento.

O órgão afirmou que esse tipo de programa "é um instrumento adequado de manutenção de empregos e da atividade econômica".

A Receita, porém, especificou que o Refis deve ser destinado a empresas em dificuldades momentâneas e que, "quando concedido de forma irrestrita, pode incentivar a inadimplência".

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