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Lula em Paris: por que a França é chave para destravar acordo UE-Mercosul

Tema foi discutido em almoço de trabalho na sexta-feira no palácio presidencial do Eliseu entre Macron e Lula

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Daniela Fernandes
BBC News Brasil

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmar estar "doido" para finalizar um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como declarou na última sexta (23) em Paris, a situação não é tão simples assim. Uma das maiores dificuldades é convencer a França, país-chave nas atuais discussões para tentar destravar a implementação do tratado de livre comércio entre os dois blocos, em negociação há mais de duas décadas.

O tema foi discutido em um almoço de trabalho na sexta-feira no palácio presidencial do Eliseu entre o líder francês, Emmanuel Macron, e o presidente Lula, acompanhado de uma delegação integrada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e pelo assessor especial da presidência Celso Amorim.

Um acordo para a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia foi concluído em 2019, após 20 anos de negociações. Mas o texto ainda não foi ratificado pelos parlamentos nacionais europeus nem assinado pelos líderes do bloco.

Lula e Macron em encontro no Palácio do Eliseu, em Paris; mandatários discutiram o acordo entre União Europeia e Mercosul. - EPA

Para piorar a situação, alguns parlamentos, como o da França, em meados de junho, vêm alertando seus governos que não votarão o texto em seu estado atual, alegando preocupações em relação ao impacto ambiental e à concorrência dos produtos agrícolas brasileiros. O parlamento europeu também aprovou no ano passado uma lei que proíbe a importação no continente de produtos ligados ao desmatamento.

Por conta do aumento significativo do desmatamento na Amazônia durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os europeus fizeram um adendo ao compromisso firmado em 2019 com novas exigências na área ambiental, uma iniciativa na época defendida pela França. O documento também introduz penalidades para os países que não alcançarem as metas climáticas do Acordo de Paris, de 2015.

O governo brasileiro contesta com veemência essas novas exigências. "Os acordos comerciais têm de ser mais justos. Estou doido para fazer um acordo com a União Europeia, mas não é possível. A carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer uma resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir", declarou Lula em uma mesa-redonda de líderes coordenada por Macron no encerramento da reunião de cúpula que discutiu uma nova arquitetura para o sistema financeiro mundial.

Lula e Macron durante reunião de cúpula em Paris para o Novo Pacto Financeiro Global. - Reuters

"Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico", ressaltou Lula, se referindo ao adendo feito pela União Europeia. Na Itália, que visitou antes da chegada à França, Lula também já havia criticado as novas exigências europeias.

O governo brasileiro sabe que a França não é o único país onde agricultores, ambientalistas e ONGs contestam a ratificação desse acordo, alegando, entre diferentes fatores, problemas de uso de pesticidas no Brasil que são proibidos na Europa, dumping e desequilíbrios entre os direitos trabalhistas dos dois blocos.

"Muitos países europeus se escondem atrás da França", disse à BBC News Brasil um diplomata brasileiro, referindo-se a países como Polônia, Irlanda e Bélgica.

Mas a França, por conta de seu peso econômico e político no bloco, é o interlocutor de mais destaque nessas negociações. O governo brasileiro aposta que se conseguir negociar com a França, outros países seguirão pelo mesmo trilho, diz um outro diplomata brasileiro.

A dificuldade é que na França a agricultura é um setor econômico bastante defendido pela classe política. É algo ligado à tradição e à cultura francesa. A tradicional visita de presidentes franceses ao salão da agricultura, uma das maiores feiras do setor no continente, é um evento amplamente divulgado pela imprensa do país.

Macron, com problemas de popularidade e sem maioria absoluta no parlamento após ser reeleito, sofre pressões não apenas dos agricultores, mas também de políticos ligados à ecologia, além de ambientalistas. Em seu primeiro mandato, seu desempenho na área do meio ambiente foi criticado por uma boa parte da sociedade civil.

Vista aérea de região desmatada em Uruara, no Estado do Pará; desmatamento na Amazônia é um dos temas que impedem ratificação do acordo UE-Mercosul. - Reuters

O presidente francês sabe que se defender publicamente a implementação desse acordo no estado atual, sem novas garantias na área ambiental, ficará numa situação complicada junto aos agricultores e parte da classe política.

Em entrevista coletiva na manhã deste sábado (24), pouco antes de embarcar de volta ao Brasil, Lula disse que, diante das dificuldades que o presidente Macron enfrenta no parlamento francês, por não dispor mais de maioria absoluta, "se pudermos conversar com nossos amigos mais à esquerda para poder ajudar na aprovação do acordo, nós vamos fazer". Na sexta, Lula se reuniu com Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, que comanda uma coalizão de partidos de esquerda no parlamento e que inclui os ecologistas.

O governo brasileiro espera que o acordo possa avançar com a presidência espanhola da União Europeia, que se inicia em julho. A Espanha é considerada mais favorável ao acordo comercial entre os dois blocos. Mas o problema de conseguir o apoio da França permanece.

Lula também disse neste sábado que uma carta-resposta aos europeus será discutida no próximo encontro do Mercosul e deverá ser enviada à União Europeia antes da próxima cúpula entre UE e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que começa em 17 de julho, na Bélgica.

"Nós ficamos de responder à carta adicional que a União Europeia mandou e penso que até o final do anos a gente terá uma decisão sobre o assunto. Espero que tenhamos capacidade e sabedoria de fazer isso porque é importante para a União Europeia e para o Mercosul. É importante para o encontro que vai ter agora em julho da Celac', ressaltou Lula.

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