Temor de 'guinada americana' estilo Fox News sacode a imprensa francesa

Magnata Vincent Bolloré designou conservador ao comando do recém-adquirido Journal du Dimanche

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Joris Fioriti
AFP

O medo de uma "guinada americana" estilo da Fox News aumentou na imprensa francesa depois que o magnata Vincent Bolloré, conhecido por suas opiniões muito conservadoras, adicionou um jornal importante a seu crescente grupo de meios de comunicação.

A Comissão Europeia validou em 9 de junho a aquisição por Vincent Bolloré do Journal du Dimanche (JDD), instituição da imprensa dominical com 140.000 exemplares vendidos a cada semana, assim como da revista Paris Match e da rádio Europe 1, o que provoca temores sobre a pluralidade dos meios de comunicação.

A decisão de colocar no comando da redação do JDD Geoffroy Lejeune, um polêmico jornalista que até recentemente dirigia o semanário ultraconservador Valeurs Actuelles, desencadeou os alertas e provocou uma greve dos jornalistas, que decidiram prolongar a paralisação nesta quarta-feira (28).

Decisão de colocar o conservador Geoffroy Lejeune no comando da redação do JDD desencadeou uma greve dos jornalistas, que prolongaram a paralisação nesta quarta (28) - Christophe Archambault - 27.jun.2023/AFP

Com Lejeune como editor-chefe, a revista publicou uma caricatura em 2020 da deputada esquerdista negra Danièle Obono como escravizada, o que resultou em uma condenação por injúria pública de natureza racial. Em maio, uma de suas últimas capas trazia como manchete: "Salvem os homens brancos heterossexuais de 50 anos".

"A redação do JDD rejeita que um homem, cujas ideias estão em total contradição com os valores do jornal, o dirija", afirmou a comissão de jornalistas da redação, que conta com o apoio de sindicatos e da oposição de esquerda.

Até o governo do presidente centrista Emmanuel Macron expressou preocupação, por meio da ministra da Cultura, Rima Abdul-Malak, que disse "compreender as preocupações". "Como não ficar preocupado?", questionou.

Bolloré, 71 anos, é um bilionário próximo ao catolicismo tradicional e, embora sempre tenha negado usar seus veículos de imprensa para divulgar suas opiniões, deixou uma lembrança amarga em todas as redações pelas quais passou.

Quando seu grupo Vivendi comprou o Canal+ em 2015, o canal de informações iTélé passou por uma greve de 31 dias no ano seguinte contra diretores inflexíveis. A maioria dos jornalistas saiu da emissora, a rede foi renomeada para CNews e sua linha editorial mudou para a direita.

Durante a última campanha presidencial, o candidato Éric Zemmour, ex-funcionário da rede, aparecia diariamente no canal.

"CNews rima com Fox News"

"CNews rima com Fox News", disse à AFP Christophe Deloire, secretário-geral de Repórteres Sem Fronteiras (RSF), para quem "no final não se sabe mais se as emissoras são redações ou partidos políticos".

Para Deloire, "estamos vendo uma guinada americana (...) na qual existe o risco de polarização e que faz com que os veículos acabem mergulhados em guerras ideológicas ao invés de buscar a realidade". "Este não é um modelo democrático", acrescentou.

A França está seguindo os passos de países onde poderosos empresários são donos de veículos de comunicação controversos, como o australiano Rupert Murdoch, dono do tabloide britânico The Sun e da rede americana Fox News, segundo Arnaud Mercier, professor de Comunicação do Instituto Francês de Imprensa.

A estratégia de Bolloré, segundo Mercier, consiste em "apropriar-se de um veículo existente, esvaziando-o de uma parte de seu tom liberal, defasado, para substituí-lo por linhas editoriais conservadoras e reacionárias", em nome de uma "guerra cultural" contra a "ideologia dominante" liberal.

A extrema direita teoriza há anos a conquista da "hegemonia cultural", segundo a fórmula do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), que deve preceder a tomada do poder nas urnas.

A líder da extrema direita francesa Marine Le Pen, que perdeu para Macron no segundo turno das eleições presidenciais de 2017 e 2022, criticou na terça-feira a "hipocrisia" da esquerda e do partido que governa o país, ao considerar o tratamento do jornal JDD a seu partido como insuficiente e subjetivo

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